Não temos de ter medo de retaliações para engrossar o movimento. A experiência mostra que os fantasmas dos servidores são sempre os mesmos, nessas ocasiões: desconto de dias parados, perda de FCs, represálias por parte dos Tribunais, remoção arbitrária e outras do gênero. Mas os direitos dos servidores estão assegurados, até pela postura de alguns presidentes de Tribunais, que têm defendido a necessidade de aprovação do PCS. Além disso, há garantias legais, conforme a cartilha sobre Direito de Greve que o sindicato disponibiliza a partir de hoje na página na internet.
CARTILHA DA GREVE
PARA OS SERVIDORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E DO MPU
1. Introdução
Por solicitação da Diretoria, a Assessoria Jurídica Nacional da FENAJUFE – Wagner Advogados Associados – elaborou esta Cartilha da Greve, visando dar uma orientação geral sobre o assunto.
No presente texto são abordados diversos aspectos da questão e respondidas as principais dúvidas da categoria, sempre levando em consideração as posições do Poder Judiciário sobre a matéria.
O objetivo, ao esclarecer os servidores, é contribuir para uma adesão ampla e consciente ao movimento grevista que se inicia.
2. É legal o servidor público fazer greve?
O texto original do inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 assegurou o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis, a ser regulamentado através de “lei complementar”. Como tal lei complementar nunca foi elaborada, o entendimento inicial, especialmente do STF, foi o de que o direito de greve dos servidores dependia de regulamentação, como se verifica nos Mandados de Injunção nos 20/DF e 438/GO.
Essa falta de regulamentação, entretanto, não impediu o exercício pleno do direito constitucionalmente estabelecido, porque, como bem afirmado pelo Ministro Marco Aurélio, a greve é um fato, decorrendo a deflagração de fatores que escapam aos estritos limites do direito positivo, ou seja, das leis (Mandado de Injunção n° 438/GO).
Além disso, nestes mesmos Mandados de Injunção, os Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, embora vencidos, votaram no sentido de dispensar a edição de lei para que direito tivesse executoriedade, ou então, de admitir a aplicação analógica da Lei de Greve dos trabalhadores da iniciativa privada, enquanto não sobreviesse a lei relativa aos servidores públicos federais.
Nesse sentido, e ainda na vigência dessa redação original do texto constitucional, existiram diversas decisões judiciais que, analisando questões relativas às conseqüências de movimentos grevistas, reconheceram que os servidores poderiam exercer o direito de greve, do que são exemplo as seguintes:
1 – Decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco Aurélio de Mello, garantindo o pagamento de vencimentos em face de a própria Administração Pública haver autorizado a paralisação, uma vez que foram tomadas medidas para a continuidade do serviço (Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 185944/ES, 2ª Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 17/04/1998, publicado no DJ de 07/08/1998, p. 42).
2 – Decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça diz que, enquanto não vierem as limitações impostas por lei, o servidor público poderá exercer seu direito. Não ficando, portanto, jungido ao advento da lei (Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança no 2834-3- SC, 6ª Turma, relator Ministro Adhemar Maciel, FONTE: Revista Síntese Trabalhista, v. 53, novembro de 93).
3. Decisão proferida pelo Tribunal Regional da 4º Região informa que “a mora do Legislativo não pode impedir o exercício do direito de greve e não autoriza a administração a imputar faltas injustificadas aos servidores grevistas, à míngua de autorização legal ou de deliberação negociada”. (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Cível nº 96.04.05017-6, 4ª Turma, unânime, relator Juiz A. A. Ramos de Oliveira, julgado em 15/08/2000, publicado no DJ2 nº 80-E, de 25/04/2001, p. 842).
Posteriormente, através da Emenda Constitucional no 19, o referido inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal foi alterado, passando a exigir somente “lei específica” para a regulamentação do direito de greve. Essa lei, embora específica, será ordinária, e não mais complementar.
Ora, lei ordinária específica sobre o direito de greve existe desde 1989 (a Lei nº 7.783/89), a qual estabelece critérios regulamentares do movimento paredista. Como essa lei trata do direito de greve de forma ampla – fala de trabalhadores em geral, não restringindo sua abrangência aos trabalhadores da iniciativa privada – o entendimento tecnicamente correto é o de que foi recepcionada pelo novo texto constitucional, tornando-se aplicável também aos servidores públicos federais. Entretanto, as decisões judiciais que afirmam essa recepção legislativa ainda são poucas, configurando posicionamento isolado.
Todavia, ainda que sem o acato maciço à tese da recepção da Lei nº 7.783/89 e sua conseqüente aplicação aos servidores, principalmente o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a possibilidade do exercício do direito de greve pelo servidor público, independente de regulamentação, embora com algumas implicações que, como adiante se verá, poderão ser afastadas mediante o processo de negociação. São exemplos da aceitação por esse tribunal do exercício do direito de greve pelos servidores, as seguintes decisões:
1 – Decisão que afirma que “é assegurado ao servidor público o direito de greve, mas não há impedimento, nem constitui ilegalidade, o desconto dos dias parados”. (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 402.674/SC, 5ª Turma, unânime, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em 04/02/2003).
2 – Decisão que explica que o “o direito de greve assegurado pela Carta Magna aos servidores públicos, embora pendente de regulamentação (art. 37, VII), pode ser exercido, o que não importa na paralisação dos serviços sem o conseqüente desconto da remuneração relativa aos dias de falta ao trabalho, à míngua de norma infraconstitucional definidora do assunto”. (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 15662/PR, 6ª Turma, relator Ministro Vicente Leal, julgado em 11/03/2003).
Por outro lado, mesmo que se entenda que a Lei no 7.783/89 seja norma dirigida apenas aos empregados da iniciativa privada, em face da inexistência de norma específica para o servidor público, ela pode ser aplicada por analogia, na forma prevista em lei.
Isto porque, conforme evidenciam as decisões acima, tem sido dada à norma constitucional ao menos uma eficácia mínima, de forma que o direito não possa ser “esvaziado”, o que o tornaria até mesmo inútil. Em outras palavras, a greve passou a ser reconhecida não apenas como um fato, mas também como o exercício de um direito, tal como consagrado pela Constituição. Sendo exercido, não ficará sem qualquer limitação, motivo pelo qual a Lei nº 7.783/89 pode ser empregada analogicamente como medida a evitar abusos e excessos que posteriormente poderiam levar a punições.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal, com a atual composição, ao que se sabe, ainda não se manifestou sobre a matéria, o que deixa aberta a possibilidade de que sua posição tenha evoluído.
Assim, pode-se afirmar que há entendimentos no Poder Judiciário – embora ainda a matéria seja extremamente controvertida – de que o direito de greve pode ser exercido, contudo sem abusos ou excessos. É aconselhável, portanto, que sejam observados os dispositivos da Lei 7.783/89 quando da deflagração de movimento paredista de servidores públicos federais, de forma a possibilitar uma eventual defesa judicial dos grevistas e de suas entidades representativas.
3. Deve ser garantido o funcionamento dos serviços essenciais? E, afinal, o que deve ser considerado como tal no Serviço Público Federal?
Sem dúvida alguma, devem ser mantidos em funcionamento os serviços essenciais, na forma prevista pela Lei de Greve.
Assim sendo, sempre que possível deve ser buscada uma definição conjunta com a Administração sobre o que sejam os “serviços essenciais ao atendimento das necessidades da comunidade”, ou os “serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável”.
Não sendo possível esse entendimento, a própria categoria deve resolver a questão utilizando as disposições da Lei 7.783/89 e o bom senso.
Na prática, deverá tentar compatibilizar com a sua realidade específica a regra do artigo 10 da Lei nº 7.783/89, que estabelece como serviços ou atividades essenciais:
“I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustível;
II – assistência médica e hospitalar;
III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV – funerários;
V – transporte coletivo;
VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII – telecomunicações;
VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X – controle de tráfego aéreo;
XI – compensação bancária.”
Ademais, o bom senso deve pautar-se pelo art. 11, § único, da mesma lei, ou seja, os servidores devem buscar manter todas as atividades que, se paralisadas, coloquem “em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
Deve ser garantido o funcionamento de tais serviços, o que não quer dizer que os servidores que trabalhem nessas atividades não possam fazer greve. O que não pode acontecer é que todos entrem em greve sem garantir o funcionamento mínimo necessário das atividades.
Assim, por exemplo, num Hospital Público, os servidores podem entrar em greve, desde que os serviços essenciais (UTI, por exemplo) tenham o seu funcionamento mínimo necessário atendido.
É comum estabelecer um percentual de servidores que não farão greve (por exemplo, 30%), organizando-se um sistema de rodízio que permita o funcionamento dos serviços essenciais.
A partir de movimentos grevistas anteriores, percebe-se que, no âmbito do Judiciário Federal, tais serviços têm sido tratados da seguinte forma: a) é assegurado o trabalho de um servidor na distribuição das causas urgentes; b) é garantido o trabalho de um servidor em cada vara, de forma a atender o serviço considerado essencial; e c) são considerados essenciais, em matéria criminal, os procedimentos que digam respeito ao direito de liberdade (habeas corpus e seus recursos) e, em matéria cível, aqueles cuja protelação possa resultar em perecimento do objeto e, de modo geral, aqueles que visem possibilitar aos advogados o cumprimento dos prazos judiciais.
Esse entendimento deve ser aplicado também ao Ministério Público da União, no que for pertinente.
Lembre-se que, embora o Conselho da Justiça Federal tenha editado a Resolução nº 419, de 8 de março de 2005, visando regular o direito de greve e suas conseqüências, a mesma é inconstitucional, tendo sido, inclusive, objeto de representação, pela Fenajufe, junto ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para a avaliação da propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Não há ainda uma definição sobre a questão.
Observe-se que, apesar de a Resolução mencionar que “estabelece os procedimentos administrativos” a serem tomados em caso de paralisação dos servidores, é manifesta a tentativa do Conselho da Justiça Federal de regulamentar o direito de greve, até que seja editada a lei específica a que alude o art. 37, VII, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, conceitua a greve, define as atividades essenciais e ainda aborda temas como a instituição de abonos, cômputo de tempo de serviço e vantagens.
Contudo, também resta claro que o preceito constitucional disposto no inciso VII do art. 37, ao exigir edição de lei que regulamente o direito de greve dos servidores, o faz de modo taxativo. A inobservância dessa regra, com a regulamentação da matéria por norma que fuja da forma prevista (lei ordinária) acaba por padecer do vício da inconstitucionalidade.
Assim, devem os servidores ater-se, tão-somente, à Lei nº 7.783/89 e ao bom senso na definição dos serviços essenciais e na reivindicação por seus direitos.
4. O servidor em estágio probatório pode fazer greve?
No tocante aos servidores em estágio probatório, embora estes não estejam efetivados no serviço público e no cargo que ocupam, têm assegurado todos os direitos previstos aos demais servidores. Portanto, também podem exercer seu direito constitucional de greve.
Necessário salientar, neste aspecto, que o estágio probatório é o meio adotado pela Administração Pública para avaliar a aptidão do concursado para o serviço público. Tal avaliação é medida por critérios lógicos e precisos, estabelecidos de forma objetiva na lei. A participação em movimento grevista não configura falta de habilitação para a função pública, não podendo o estagiário ser penalizado pelo exercício de um direito seu.
Na greve ocorrida no ano de 1995, na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, houve a tentativa de exoneração de servidores em estágio probatório que participaram do movimento grevista, sendo, no entanto, estas exonerações anuladas pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que afirmou, na ocasião, haver “licitude da adesão do servidor civil, mesmo em estágio probatório”, concluindo que o “estagiário que não teve a avaliação de seu trabalho prejudicada pela paralisação”.(TJ/RS Mandado de Segurança n° 595128281)
5. O servidor pode ser punido por ter participado da greve?
O servidor não pode ser punido pela simples participação na greve, até porque o próprio Supremo Tribunal Federal considera que a simples adesão à greve não constitui falta grave (Súmula n° 316 do STF).
Podem ser punidos, entretanto, os abusos e excessos decorrentes do exercício do direito de greve. Por isto, o movimento grevista deve organizar-se a fim de evitar tais abusos, assegurando a execução dos serviços essenciais e urgentes.
6. Podem ser descontados os dias parados? E se podem, a que título?
A rigor, sempre existe o risco de que uma determinada autoridade, insensível à justiça das reivindicações dos servidores e numa atitude nitidamente repressiva, determine o desconto dos dias parados. No geral, quando ocorrem, tais descontos são feitos a título de “faltas injustificadas”.
Inclusive, conforme demonstram as decisões anteriormente transcritas, existem posições nos tribunais pátrios – especialmente no Superior Tribunal de Justiça – no sentido de que podem ser feitos tais descontos, em razão de não ter havido a contraprestação por parte do servidor.
A própria Lei de Greve, no art. 7º, prevê a suspensão do contrato de trabalho para os trabalhadores da iniciativa privada durante a participação na greve, “devendo as relações obrigacionais, no período, ser regidas pelo acordo…”.
O importante, para prevenir essas situações, é que o Sindicato tome todas as precauções formais para a deflagração do movimento grevista, enumeradas ao final da presente cartilha, de forma a facilitar a defesa judicial da categoria, se for necessária.
Dentre as precauções, destaca-se a presença do servidor no local de trabalho, bem como o cumprimento de seu horário, ainda que sem o exercício de suas atribuições. Aliado a isso, o Sindicato deverá providenciar um “Ponto Paralelo”, que comprovará a presença dos servidores.
A esse passo, relembre-se que parte da jurisprudência pátria aceita o desconto dos dias parados. Portanto, o Sindicado deve – e certamente o fará – negociar com a Administração Pública, durante o movimento grevista, além da pauta de reivindicações, o pagamento dos dias parados.
7. Como deve ser feito o registro da freqüência nos dias parados?
O Sindicato deverá providenciar um “Ponto Paralelo” que será assinado e preenchido diariamente pelos grevistas, o qual servirá para demonstrar, se necessário, e em futuro processo judicial, que as faltas não foram injustificadas, no sentido previsto na lei.
8. Qual a diferença entre uma greve e uma paralisação de 48 horas?
Greve no sentido jurídico significa a suspensão da prestação pessoal de serviços. A suspensão do trabalho que configura a greve é a coletiva, não havendo como caracterizar greve a paralisação individual (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Comentários à Lei de Greve. São Paulo, LTR, 1989,44/45).
A greve, entretanto, pode ser por tempo indeterminado, ou por tempo determinado.
Comumente se denomina greve a paralisação por tempo indeterminado, e paralisação a greve por tempo determinado.
Assim sendo, a paralisação por 48 horas nada mais é do que uma greve por tempo determinado, e como tal deverá ser tratada, inclusive do ponto de vista legal.
9. Quais as precauções que devem ser tomadas quando da deflagração de uma greve?
Visando respaldar uma futura discussão judicial acerca da legalidade do momento grevista, o Sindicato deve adotar os seguintes procedimentos:
a) Estabelecer tentativas prévias de atendimento voluntário pela União Federal (mediante as entidades nacionais, junto a cada um dos Poderes) e pelos órgãos locais (pelos sindicatos de base), respectivamente, das pautas de reivindicações nacional e específica;
b) Documentar o mais amplamente possível (ofícios de remessa e eventual resposta às reivindicações; reportagens sobre visitas às autoridades; notícias de jornal sobre as mobilizações anteriores, de preferência não apenas da imprensa sindical, etc.);
c) Convocar assembléia-geral da categoria (não apenas dos associados) mediante a observância dos critérios definidos no Estatuto do Sindicato e com divulgação do Edital com antecedência razoável (72 horas, como sugestão) em jornal de grande circulação regional;
d) Em assembléia, votar a pauta de reivindicações e deliberar sobre a paralisação coletiva, de preferência desdobrando a pauta em exigências de nível nacional e local;
e) Comunicar a decisão da assembléia: a) ao tomador dos serviços e b) aos usuários do serviço (mediante edital publicado em jornal de grande circulação), com antecedência mínima de 72 (setenta e duas horas);
f) Durante a greve, buscar sempre que possível a negociação para o atendimento das reivindicações, documentando-a ao máximo;
g) Buscar a definição do que sejam os “serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades da comunidade” ou “serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável”, mantendo, os próprios grevistas, o atendimento a tais serviços.
h) Manter até o final da greve um “Ponto Paralelo”, para registro pelos servidores grevistas, o qual poderá ser instrumento útil para discutir eventual desconto dos dias parados.
Com informações da Fenajufe