Carta de Brasília dá ênfase à comunicação como direito humano e ataca oligopólio da mídia no País

Após dois dias de discussões, cerca de 520 pessoas, entre elas representantes de pouco mais de 200 entidades, aprovaram a Carta de Brasília, documento final do I Encontro Nacional de Direitos Humanos. O texto traz a síntese dos debates feitos acerca o direito humano à comunicação, avaliação da crise política, a conclamação ao referendo do desarmamento e críticas à política de direitos humanos do governo, com destaque para o rebaixamento do status de ministério da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. A avaliação final de grande parte das entidades da sociedade civil foi bastante positiva, apesar da ausência de segmentos importantes da luta pelos direitos humanos.
A Carta de Brasília consolidou o debate conceitual acerca do que é o direito humano à comunicação, caracterizando-o como o direito dos cidadãos de ter condições, meios, informação para conhecer, falar e ser ouvido. O conceito abrange diversos aspectos, como “a liberdade de expressão, o direito à informação, ao acesso pleno e às condições de sua produção, a garantia de diversidade e pluralidade de meios e conteúdos, a garantia de acesso eqüitativo às tecnologias da informação e da comunicação e a socialização do conhecimento a partir de um regime equilibrado que expresse a diversidade cultural, racial e sexual”.
Para Ivônio Barros, coordenador do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH), o encontro conseguiu avançar no fortalecimento desta compreensão entre os presentes. “Foi excelente, tanto pela qualidade dos debates quanto pelo interesse real que causou nas organizações de direitos humanos. A perspectiva é que o direito humano à comunicação seja compreendido e incorporado às demais dimensões dos direitos humanos”. Segundo a deputada Iriny Lopes, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), o encontro produziu muitas proposições concretas em torno de políticas públicas e de articulação para mecanismos e ações de controle social.
Elas se materializam na Carta de Brasília, que propõe políticas públicas voltadas à garantia de uma mídia plural que respeite e incorpore as diversidades racial, étnica, cultural e sexual e ataca o oligopólio da mídia como uma barreira à plena realização do direito humano à comunicação. Outro impeditivo à realização deste direito e dos direitos humanos como um todo é a reprodução por meio da mídia do “racismo, sexismo, xenofobia, homofobia e lesbofobia, preconceito religioso e as outras formas de intolerância existentes na cultura brasileira”, como expõe também o texto.
A Carta serve agora como um documento a ser apropriado pelas organizações da sociedade civil e como uma manifestação ao Estado brasileiro. “A partir de agora, com as resoluções, cada militante, cada pessoa que atua na área institucional, cada pessoa que atua no governo vai se debruçar sobre elas e procurar cumprir o seu papel. Nós, da Secretaria, iremos debater para ver como iremos encaminhar toda esta demanda legítima e pertinente junto aos demais órgãos do Estado, sobretudo na área de comunicação”, disse o subsecretário de direitos humanos, Mário Mamede.
A deputada Iriny Lopes reforçou a importância do Encontro e a intenção de realizá-lo de forma alternada em relação à Conferência Nacional de Direitos Humanos. “Este espaço tem resolutividade, é de articulação e de compromissos mútuos entre as entidades da área de direitos humanos, sem ter qualquer conflito com a Conferência Nacional de Direitos Humanos. São espaços pautados pelos mesmos temas, mas cada um tem sua forma diferente e cada um tem sua função e lugar”, defendeu. Ela também se comprometeu a encaminhar as resoluções do encontro junto ao parlamento e ao governo brasileiro.

Sub-secretaria

Um dos momentos mais importantes foi a manifestação das entidades reunidas em torno do FENDH ao subsecretário de direitos humanos, Mario Mamede, de repúdio à perda de status de ministério da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que agora responde à Secretaria Geral da Presidência, comandada por Luiz Dulci. “O rebaixamento da condição institucional da Secretaria Especial de Direitos Humanos representa simbolicamente a falta de prioridade dos direitos humanos na agenda governamental e dificulta a articulação programática do órgão dentro do Poder Executivo. Apelamos ao presidente da República que reveja sua posição neste sentido e faça retornar a Subsecretaria de Direitos Humanos à sua condição política anterior”, coloca a Carta de Brasília.
Mario Mamede recebeu simbolicamente a carta e uma moção de repúdio que aprofunda a crítica. Ele alegou respeito à hierarquia do Governo Federal ao se dizer impedido de poder dar qualquer resposta oficial do governo sobre o assunto e prometeu levar a manifestação à Luiz Dulci. Mas o caráter da decisão ainda não é definitivo, uma vez que o Congresso precisa aprovar a Medida Provisória 259, que trata do tema, para que a Lei sobre a Secretaria Especial dos Direitos Humanos seja efetivamente alterada. Iriny Lopes, relatora da MP, se comprometeu a “brigar não somente para que a secretaria volte a ter status, mas que, de fato, a gente pense na estrutura de um ministério de direitos humanos que seja capaz de instituir a interdisciplinaridade nas ações do governo, que tenha autoridade de ministério no trato com municípios e estados e que possa articular todo este conjunto de políticas públicas para podermos dizer que existe o respeito aos direitos humanos no Brasil”.
Para Rosiana Queiroz, coordenadora nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), as entidades da área dos direitos humanos terão de correr atrás do prejuízo, uma vez que não conseguiram se mobilizar para garantir a condição de ministério da SEDH. “Não conseguimos ser ágeis o suficiente, mas isso foi também em função da rapidez como foi feito. Na véspera da saída do ministro Nilmário Miranda nós fomos informados por ele de que não haveria mudança. A impressão é que foi tudo muito repentino e que nem nós e nem o próprio Nilmário conseguiu reagir”, avaliou. Ela defende que as organizações precisam amplificar sua mobilização para pressionar mais o Estado e ao mesmo tempo conseguir um maior caráter de base para o movimento.

Desarmamento

As atenções das entidades também estiveram voltadas ao referendo do desarmamento, que acontece no dia 23 de outubro. De acordo com o documento final do encontro, a sociedade brasileira terá com o referendo uma “grande oportunidade para reafirmar o direito à vida, sinalizando, com o voto a favor do desarmamento, que o Brasil pode ter políticas públicas que privilegiem a paz e uma cultura de não-violência”. Será a primeira vez que a população irá diretamente decidir sobre um aspecto da vida brasileira, além da votação nas eleições.
De acordo com Rosiana Queiroz, o desarmamento não vai acabar com o crime organizado ou o tráfico de armas, mas pretende inibir estas práticas e acabar com a triste estatística de 80 em cada 100 homicídios acontecerem desvinculados de qualquer intencionalidade criminosa. “Temos três oportunidades na mão. A primeira é colocar em prática, pela primeira vez no país, o mecanismo do referendo, fundamental para o aprofundamento da democracia. A segunda é decidir sobre um tema essencial, que é a posse de armas no país. E, por último, vamos começar a botar em prática o estatuto do desarmamento e torná-lo mais conhecido para a população”, diz.
A deputada Iriny Lopes comentou a dificuldade na definição do formato e das normas do referendo, uma vez que ele é uma iniciativa inédita, e criticou os partidários do “não”. “Os únicos que não estão tendo problema são os contra. Exatamente por serem contra, eles não querem saber das regras. Pelo contrário, eles têm questionado as regras, conseguido liminares e medidas cautelares sobre várias questões, como a proibição do poder executivo tomar lado, opinar e dar qualquer ajuda material no referendo. Nós estamos tendo dificuldade de conseguir recursos para a campanha, enquanto eles são bancados pela indústria bélica”.

Daqui pra frente

As entidades participantes do encontro já programam ações para dar continuidade à luta pelo direito humano à comunicação. Ela Weicko, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal, informou que já foi feita uma reunião entre procuradores do MPF para debater o tema. “Vamos começar a fazer uma investigação sobre o problema do coronelismo eletrônico, do monopólio e oligopólio da radiodifusão no Brasil. Estamos também observando o problema das rádios comunitárias, assunto que fomos muito provocados a nos posicionar durante o encontro. A gente não tem uma política institucional clara, há colegas que ainda abominam rádios comunitárias e não compreendem o contexto e a importância destes veículos”, afirmou.
A CRIS Brasil – Articulação Nacional pelo Direito Humano à Comunicação, apresentou durante o encontro campanha prevista para os próximos meses que terá como tema o direito humano à comunicação. A iniciativa tem como objetivo reivindicar uma nova organização da mídia brasileira calcada no controle público e ampliar e fortalecer os sujeitos políticos envolvidos na luta e na reivindicação do direito humano à comunicação. “Saímos do encontro fortalecidos e mais articulados para colocar a campanha na rua logo. A idéia é gerar diálogo com diversas entidades e movimentos sociais e gerar fatos políticos que coloquem para a sociedade a importância do direito humano à comunicação”, explica Paulo Lima, da Rede de Informações para o Terceiro Setor e da coordenação da CRIS Brasil.
Dentro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, já estão sendo articulados reuniões entre as entidades que promoveram o encontro para dar continuidade às pautas relativas à agenda de luta pelo direito humano à comunicação. Uma das iniciativas é a promoção, em conjunto com a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” de um dia nacional de boicote às TVs comerciais e incentivo à população para sintonizar nas TVs estatais e públicas. Esta ação e o início da campanha da CRIS Brasil acontecem em outubro, mês de mobilizações do movimento de comunicação por conta do dia 17 de outubro, dia mundial pela democratização da comunicação. Para mais informações, acesse www.crisbrasil.org.br e www.eticanatv.org.br.