Campanha da Vale se espalha pelo Brasil

Nos sindicatos, nos locais de trabalho, nas associações de moradores de bairro, nos salões paroquiais, a campanha A Vale é Nossa, pela nulidade do leilão da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), está se espalhando e construindo o plebiscito popular programado para os dias 1º a 7 de setembro.
O objetivo do plebiscito popular parte de um fato concreto: a possibilidade de reverter na justiça o leilão da Vale do Rio Doce – datado de 1997, em uma venda marcada por irregularidades – para então fazer um trabalho pedagógico com os trabalhadores, a partir das quatro questões do plebiscito (ver quadro), que inclui a retomada da Vale, dívida pública, tarifa de energia e reforma da Previdência.
Os meses de junho e julho foram marcados pela consolidação dos comitês da campanha em cada Estado, compostos por diferentes organizações. A tarefa dos comitês estaduais é a de formar lideranças para a criação de comitês locais, em bairros, sindicatos, em cada comunidade.
 
Rio de Janeiro
 
O comitê da cidade de Volta Redonda (RJ), por exemplo, tem como objetivo instalar urnas em quatro centros comerciais da cidade, também em praças e na prefeitura, durante a semana do plebiscito. Conta ainda com duas “urnas volantes”, uma outra possibilidade de votação, quando os militantes devem percorrer a cidade de carro para incentivar a participação popular.
Cidade marcada pela história da luta dos trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a fábrica é um dos alvos para discutir com a população a retomada da Vale.
“Panfletamos na porta da usina a partir das quatro perguntas do plebiscito”, relata Maria das Dores Pereira, do comitê estadual. As organizações em Volta Redonda ainda guardam 400 modelos de urnas que tinham sido elaborados na época do plebiscito sobre a Alca (2002), para eles uma referência para a organização do plebiscito em 2007.
 
Paraná
 
No Paraná, o comitê estadual incentivou a criação de comitês em 17 cidades, que a partir daí organizam suas atividades, com a tarefa de multiplicar a campanha nos municípios vizinhos. Na região de Maringá, a multiplicação de lideranças tem sido feita a partir das paróquias, assentamentos e acampamentos dos movimentos do campo e demais movimentos sociais.
Para João Aparecido da Silva, da cidade de Sarandi, o objetivo é que a campanha ganhe capilaridade entre as associações de moradores da região. Silva reclama da falta de mobilização das massas atualmente. Pensa, porém, que a formação de espaços e a articulação de diferentes organizações é uma contribuição da atual campanha.
“Não conseguimos espaço na mídia, mas o que vai ficar de articulação para depois do plebiscito é algo inédito, qualquer outra atividade vai colher o resultado positivo dessa articulação. As perguntas do plebiscito são um bom tema para aglutinar a militância”, antecipa. Informes de atividades chegam de Norte a Sul do país. No Mato Grosso, o plebiscito foi divulgado durante atividade da jornada nacional em defesa da educação pública.
 
Objetivos
 
A campanha A Vale é Nossa continua após o plebiscito popular. Será feita uma apuração dos votos, realizada primeiro pelo comitê de cada Estado, coletando os resultados fornecidos pelos comitês locais e enviando para a secretaria nacional da Campanha. Os resultados das quatro perguntas do plebiscito serão entregues para o poder Executivo, Legislativo e Judiciário, como mecanismo de pressão pela nulidade do leilão da Vale.
A entrega será feita por uma representação ampla das organizações que construíram o plebiscito. Atos de rua nos Estados devem marcar a entrega. “A entrega, no dia 24 e 25 de setembro, será seguida de atos de rua para dar mais força na entrega do resultado do plebiscito. Enquanto uma comissão se mobiliza para entregar os resultados, as pessoas se mobilizam nos seus Estados”, comenta Carlos Renato Monteiro, da secretaria nacional da Campanha. Na mesma data, as organizações irão se reunir para uma avaliação do plebiscito e para definir os próximos passos da campanha.
 
A volta da luta”
 
Os comitês organizam atos de rua e panfletagem junto à população, nesta reta final antes do plebiscito. Na cidade de Volta Redonda, por exemplo, onde se encontra a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a crítica às privatizações é forte, afinal a CSN foi a primeira companhia a ser privatizada (1993), além de, quatro anos mais tarde, formar o consórcio comprador da Vale na época do leilão.
O trabalho de conscientização parte do fato de que as organizações locais começaram a se organizar a partir da greve dos trabalhadores da CSN ocorrida neste ano, depois de 14 anos de silêncio. A partir de então, criou-se então um fórum que envolve de metalúrgicos ao movimento estudantil. “Com a greve da CSN rearticulamos as entidades e criamos o fórum ‘A volta da luta’, e a campanha está dentro deste fórum”, comenta Maria das Dores Pereira.
 
Questões
 
As organizações podem trabalhar com as quatro perguntas do plebiscito ou apenas com a primeira questão, sobre a retomada da Vale. Alguns Estados optam por incluir na cédula uma questão regional. É o caso do Rio Grande do Sul, que acrescentou uma pergunta sobre a questão do pedágio no Estado, e o de Sergipe, sobre a transposição do rio São Francisco.

1. Em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce – patrimônio construído pelo povo brasileiro – foi fraudulentamente privatizada, ação que o governo e o Poder Judiciário podem anular. A Vale deve continuar nas mãos do capital privado?
A primeira questão é sobre a retomada da Vale, maior empresa brasileira hoje em patrimônio, a partir da reabertura na Justiça das ações populares que colocam em xeque o leilão da companhia. Esse fato deu margem à discussão sobre o controle acionário da companhia estar nas mãos de grupos privados, que têm o direito ao lucro da companhia, cuja produção está totalmente voltada para a exportação. Fica a pergunta sobre tudo aquilo que é produzido pela Vale, e o pouco que fica nas mãos do trabalhador.

2. O Governo deve continuar priorizando o pagamento dos juros da dívida exterma e interna, em vez de investir na melhoria das condições de vida e trabalho do povo brasileiro?
O tema da dívida pública passa por todas as perguntas do plebiscito popular. Pois se refere à parte do orçamento que o governo destina anualmente para o pagamento da dívida pública, em detrimento de setores essenciais como Educação, Saúde e Previdência. No início do governo FHC, seu valor era de R$ 148 bilhões, porém, em 2002, ao final do governo, chegou à casa dos R$ 670 bilhões. No ano passado, o governo gastou com juros e amortizações das dívidas interna e externa R$ 275 bilhões, ou seja, 36,7% do orçamento de 2006 (dados da Auditoria Cidadã).

3. Você concorda que a energia elétrica continue sendo explorada pelo capital privado, com o povo pagando até 8 vezes mais que as grande empresas?
O Brasil está na 5º colocação entre os países de energia mais caras do mundo, apesar de possuir uma das fontes mais baratas de energia, gerada na hidrelétrica. O contrasenso é que cerca de 500 empresas brasileiras pagam em média R$ 0,06 centavos o kilowatt, ao passo que o trabalhador paga 0,60 centavos o kilowatt. A pergunta sobre a tarifa de energia contempla o trabalho de base que organizações vêm desenvolvendo, como é o caso do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

4. Você concorda com uma reforma da previdência que retire direitos dos trabalhadores?
A pergunta se encaixa na mobilização dos trabalhadores em 2007, o que ficou expresso no dia 23 de maio, quando os trabalhadores saíram às ruas para exigir do governo “nenhum direito a menos”. O corte de gastos e de direitos da previdência acaba sendo o novo alvo do governo. Porém, é como se a parte do orçamento separada para a dívida fosse invisível. Pois, para se ter uma idéia, em 2006, enquanto 25,73% do orçamento geral da União foram gastos com a previdência, 36,7% foram destinados às chamadas despesas financeiras (como a amortização da dívida pública interna e a reserva de superávit primário).

 
Fonte: Jornal Brasil de Fato (Pedro Carrano)