Considerada uma das legislações mais avançadas para a promoção de direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 17 anos no dia 13/07. Às vésperas de chegar a sua maioridade, a implementação do Estatuto coleciona importantes conquistas, mas ainda patina no cumprimento das recomendações sobre medidas sócio-educativas de atendimento de crianças e adolescentes em conflito com a lei. Mais do que a timidez neste tipo de ação, ronda o fantasma de importantes retrocessos com a possibilidade de redução da maioridade penal em discussão no Congresso Nacional.
Em abril, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz a idade passível de punição em prisões normais dos 18 para os 16 anos. O texto, resultado de seis PECs que já tramitavam na comissão, estabelece que, para ser enviado ao regime prisional, o adolescente deve ter cometido tráfico de drogas, prática de tortura ou crimes hediondos – como seqüestro e homicídio qualificado – e ter ciência do ato cometido. Essa capacidade, de acordo com a proposta, será avaliada por uma junta e medida através de laudos técnicos elaborados pela Justiça, e o cumprimento da pena deve ser feito em local diferenciado do destinado aos maiores de 18 anos. No caso de crimes não hediondos, a pena é substituída por medidas sócio-educativas.
A votação na comissão é apenas uma parte da tramitação da proposta, que ainda precisa ser aprovada por três quintos do plenário do Senado e igual quorum na Câmara dos Deputados. No entanto, a aprovação significou uma importante vitória dos defensores da alteração, que seguiram no calor do assassinato do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, por um grupo de criminosos que incluía um adolescente, para apresentar a redução da maioridade como solução para o problema da violência juvenil.
Na avaliação da sub-secretária de direitos da infância e adolescência da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SEDH) e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Infância e da Adolescência (Conanda), Carmen de Oliveira, o decisão é um retrocesso frente à concepção da legislação brasileira de que o Estado deve tratar de maneira diferenciada crianças e adolescentes, cujo ciclo de desenvolvimento se dá até os 18 anos, de acordo com a Constituição Federal.
Na avaliação da sub-secretária de direitos da infância e adolescência da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SEDH) e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Infância e da Adolescência (Conanda), Carmen de Oliveira, o decisão é um retrocesso frente à concepção da legislação brasileira de que o Estado deve tratar de maneira diferenciada crianças e adolescentes, cujo ciclo de desenvolvimento se dá até os 18 anos, de acordo com a Constituição Federal.
“Os senadores que votaram a favor da redução rasgaram a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção da ONU sobre os direitos da criança e do adolescente, um documento ratificado pelo Brasil. Só que com isso não vão alcançar o objetivo da sociedade, que é conter a onda de violência que toma conta do país”, critica Tiana Santo-Sé, do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA).
A principal crítica das entidades é a ineficiência do sistema prisional para punir o jovem numa perspectiva de reinserção na sociedade após o cumprimento de sua pena. Dados apresentados pelo Ministério da Justiça revelam que o grau de reincidência nas prisões normais é de 70%, enquanto nas unidades de internação de adolescentes é de 30%. A Fundação Casa (ex-Febem), instituição com esta função no estado de São Paulo, conhecida pela falta de condições e trato violento com os internos, apresenta reincidência de 20%, para citar um exemplo. “Isso mostra que mandar para presídios pode gerar aumentos na criminalidade no país, principalmente na população infanto-juvenil”, argumenta Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos e integrante do Conanda.
Para ele, a busca de saídas como a redução da maioridade penal é reflexo da ainda baixa implantação do ECA no que diz respeito ao tratamento dos adolescentes em conflito com a lei. Segundo Carmen Oliveira, da SEDH, até hoje há vários estados que ainda não fizeram a reordenação institucional que separa as políticas e as instituições destinadas a jovens em situação de rua, como abrigos, daquelas voltadas à internação de adolescentes infratores, como a Fundação Casa. Até a edição do ECA em 1991, ambos conviviam no mesmo espaço, mas ainda a situação ainda vigora em 40% das Unidades da Federação.
Alternativas
De acordo com a nota de balanço dos 17 anos do ECA divulgada pelo Conanda, a alternativa a este quadro está concentrada em duas iniciativas. Uma é a criação do Sistema Nacional de Medidas Sócio-Educativas (Sinase), que regula e padroniza o trabalho com adolescentes em conflito com a lei. Após ter sido aprovado no Conanda, o Sistema agora pode virar lei com o projeto 467/07, em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta vai definir diretrizes para o cumprimento destas medidas. “Até agora tem sido cada juiz uma sentença e cada gestor uma política”, diz Carmen de Oliveira.
O PL se baseia em experiências pioneiras de redução da reincidência, como as realizadas na cidade de São Carlos, no interior de São Paulo, e prevê um limite de até 40 detentos por unidades e uma rigorosa divisão conforme idade, gravidade do ato infracional e tamanhos físicos dos adolescentes, além de uma rotina pedagógica de escola formal pela manhã e cursos profissionalizantes pela tarde alternados com atividades esportivas.
Outra medida apontada pelo Conanda como uma alternativa eficiente para combater a violência juvenil é o Plano de Convivência Familiar e Comunitária, que visa fortalecer o núcleo familiar para evitar que as crianças e jovens tenham que sair de casa. Entre as ações do Plano está a obrigação de o Estado garantir às famílias de crianças e adolescentes em situação de rua os programas sociais assistenciais hoje existentes.
Conquistas
Em nota, o Conselho Nacional dos Direitos da Infância e da Adolescência destaca ainda outros avanços nestes 17 anos. Na área da educação, a nota cita a aprovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que vai “aumentar e melhorar a distribuição dos recursos” os investimentos em educação. Ariel Alves destaca ainda que após a promulgação do ECA foi verificada a quase universalização do ensino fundamental, com 97% das crianças em idade para cursar esta etapa com direito à matrícula.
Outra mudança positiva incentivada pelo Estatuto foi a redução do trabalho infantil, que caiu de 7 milhões de crianças e adolescentes no início da década de 1990 para 2,9 milhões hoje. A nota do Conanda também destaca a consolidação dos órgãos e fóruns voltados à temática, como a realização de sete conferências sobre direitos da criança e do adolescente. Para Alves, no entanto, estas discussões e os programas decorrentes delas precisam de mais orçamento para se consolidar ou mesmo sair do papel em alguns casos. “Para criança e adolescente, a previsão de recursos até tem aumentado, mas sua execução, não”, diz.
A ampliação das verbas para estas políticas e o não contingenciamento dos recursos é hoje uma das principais bandeiras do Conanda. Pois sem verba as boas iniciativas para o cumprimento de medidas sócio-educativas podem ser apenas uma boa intenção cuja não implementação pode justificar, num futuro próximo, uma nova ofensiva para alterar efetivamente a maioridade penal como solução aparente.
Fonte: Agência Carta Maior