Artigo publicado em site contesta explicação da AMB para impunidade e corrupção

A causa é nobre — o combate à impunidade e à corrupção — mas a argumentação usada pela Associação dos Magistrados do Brasil em sua campanha pelo fim do foro privilegiado é uma meia verdade.
Segundo estudo citado pela AMB em sua campanha, desde 1988, ano da aprovação da Constituição, até maio passado, nenhuma autoridade havia sido condenada nas 130 Ações Penais originárias protocoladas no Supremo Tribunal Federal. O argumento da entidade é que a falta de punição acontece porque este tipo de ação atravanca o andamento do tribunal.
A ilação se mostra apenas parcialmente verdadeira. Outro levantamento mostra que desde 1988 o Supremo recebeu cerca de 2 milhões de processos. Comparado a essa montanha, o número de ações penais é irrisório. As acusações contra autoridades são de diversos tipos como crimes contra a administração pública, a honra, o patrimônio e a fé pública e delitos eleitoral e fiscal.
No Superior Tribunal de Justiça, a situação se repete. Desde a aprovação da nova Constituição, o STJ recebeu 483 Ações Penais originárias. Cinco autoridades foram punidas desde então. Apesar do pequeno número de condenações, este tipo de ação representa também uma ínfima parte do que é julgado no tribunal. No mesmo período, foram protocolados cerca de 2 milhões de processos na Casa.
Os condenados pelo STJ foram Luís Eustáquio Toledo, conselheiro do Tribunal de Contas de Alagoas, José Henrique Gomes Salgado Martins, procurador de Justiça do Trabalho, Celso Testa, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Solange Augusto Ferreira, subprocurador da Justiça Militar, e Manoel Velocino Pereira Dutra, desembargador.
Durante a coletiva de imprensa para apresentar os números, o presidente da AMB, Rodrigo Collaço, atribui a impunidade à existência do foro privilegiado no Brasil, o que garante às autoridades o direito de serem investigadas e julgadas perante órgãos como o STF e o STJ. Na opinião de Collaço, “o foro privilegiado é acima de tudo o foro da impunidade. Não há julgamento. O foro é quase uma linha de defesa”.
Para Collaço, o problema só será resolvido com o fim do foro privilegiado ou com a adoção de medidas que tornem mais rápida a tramitação dessas ações.
Novamente, a interpretação de Collaço apresenta uma falha lógica. Das 130 ações criminais protocoladas no Supremo, 52 estão em tramitação atualmente, o que representa 40% do total. No entanto, apenas três destes processos estão há mais de 4 anos em tramitação no STF. Além disso, a maioria dos processos chegou ao tribunal nos últimos anos. Das 130 ações, 96 foram protocoladas a partir de 2003.
O destino final das ações mostra realmente por que as autoridades não são condenadas no Supremo. Quarenta e seis ações foram remetidas para instâncias inferiores por não serem de competência do STF. Apenas seis foram absolvidos e 13 tiveram os casos prescritos. Não se pode falar em impunidade, mas na falta de lições básicas de Direito para alguns operadores do Direito.
No STJ, a situação se repete: das 84 ações que não foram julgadas, apenas 17 estão a mais de quatro anos em tramitação no tribunal. Cerca de 26% (126) das ações protocoladas no tribunal, também foram remetidas para instâncias inferiores. E novamente, apenas 11 obtiveram absolvição. Outras 10 foram remetidas para o STF e 9 aguardam autorização da Assembléia.
O foro privilegiado está previsto na Constituição. Com ele, apenas o STF tem a competência para investigar e processar o presidente da República e seu vice, parlamentares federais, ministros de Estado, o procurador-geral da República, os comandantes das Forças Armadas, integrantes do Tribunal de Contas da União e de tribunais superiores, chefes de missão diplomática e o presidente do Banco Central.
No STJ tramitam os inquéritos e processos criminais abertos contra governadores, desembargadores de tribunais e integrantes de cortes de contas estaduais. Os processos contra cidadãos comuns começam na Justiça de primeira instância e só sobem para outros tribunais quando há recurso de sentença.
 
Fonte: Revista Consultor Jurídico (Daniel Roncaglia)