Artigo: A cômoda de Policarpo Quaresma

Com relação aos fatos ocorridos na Sessão do Pleno do TRT no dia 13, narrados no Boletim 1000 e disponíveis na página do SINTRAJUSC, a juíza Águeda Lavorato Pereira escreveu o texto que segue:

Era um dia de atividades normais…

Policarpo, já em Sossego, seu sítio no interior, desfrutava, agora, a tranquilidade adquirida após os tempos árduos vividos e os grandes enfrentamentos e decepções, crente e confiante de que nada mais lhe abalaria.

Em seu quarto, onde permanecia a maior parte do tempo estudando as matérias e realizando as tarefas da repartição pública em que trabalhava, além de todos os móveis e objetos necessários ao seu conforto, havia uma cômoda, repleta de gavetas, todas de e com conteúdo invejável.

O recinto era claro.

Todos os móveis, em perfeito funcionamento, cumpriam seus respectivos papéis e atribuições, sem qualquer transtorno ou tautocronia.

A cômoda, com suas gavetas superiores e inferiores, encontrava-se devida e retamente ajustada, com profícua atuação.

De repente, em razão de legítima movimentação, as gavetas inferiores da cômoda são questionadas pelas superiores, num compasso nunca dantes visto, para o espanto do incrédulo Quaresma que a tudo assiste, perplexo…

A segunda superior, incisivamente, questiona o posicionamento das gavetas inferiores, porque entende devam elas se curvar aos ditames daquelas acima transitoriamente instaladas.

Já a primeira superior, feroz combatente dos tempos idos, nada faz apesar do desgaste, procurando tenuemente justificar o desatinado e desproporcional comportamento da companheira ao lado.

A terceira superior, em que pese a sua importância, mantém-se imóvel diante dos acontecimentos.

As gavetas inferiores, não obstante chocadas, em voz quase uníssona, mas abafada e minguada, lastimam o ocorrido e bradam: “mas nós somos a cômoda…”.

Policarpo, incorrigível idealista, não sabe o que fazer para conter o absurdo, pois todas as gavetas são relevantes, a despeito de seu tamanho, conteúdo e posição, e têm sua particular função, formando um belo móvel tanto por sua importância quanto por sua bela e exuberante forma estrutural, forma esta que pode ser abalada neste escarpado abrir e fechar.

E sem sequer cogitar de desfazer-se da cômoda e das suas gavetas ele olha triste para o descompasso havido e para o que o futuro a elas reserva, perguntando a si mesmo se ainda haverá possibilidade de reparar o mal feito ao móvel que tanto admira e bem serve ao fim a que se propõe.

Policarpo, então, não querendo nem antever nem antecipar seu já proclamado “triste fim”, convence-se de lhe restar apenas a esperança de que a estrutura suporte o revés e de que todas as gavetas, indistintamente, com humildade, valorizem e respeitem a firme e independente trajetória das demais.

Águeda

(É este o meu mais íntimo sentimento após o ocorrido na sessão de 13-12-2010, sem qualquer pretensão de atacar ou ferir quem quer que seja, mas tão somente um chamamento a uma profunda reflexão)