Por Janice Miranda
As relações diplomáticas entre a Argentina e os Estados Unidos se deterioraram ontem, passando ao terreno das ofensas, depois que Washington disse que o atual governo argentino “”deu uma guinada à esquerda e é brando demais com o regime comunista de Cuba””.
Roger Noriega, subsecretário de Estado dos EUA para assuntos do Hemisfério Ocidental, declarou à imprensa na terça-feira estar “”desapontado”” com o fato de autoridades em visita a Cuba não terem encontro com dissidentes – uma referência à recente viagem do ministro argentino do Exterior, Rafael Bielsa.
Noriega, que é descendente de cubanos residentes nos EUA e discorda do governo de Fidel Castro, também disse que a política argentina em relação a Cuba “”é motivo de preocupações e decepções”” para a Casa Branca””.
A Argentina, que no ano passado restabeleceu relações diplomáticas plenas com Cuba, reagiu ontem.
– Consideramos as declarações agressivas … e inoportunas, e o ministro das Relações Exteriores manifestou isto em nome do governo argentino – disse o vice-ministro da pasta, Jorge Taiana.
O chefe do Gabinete de Ministros, Alberto Fernández, sublinhou que “”incomodaram e muito”” esses comentários que, a seu ver, “”soam francamente impertinentes””.
Sobre isso, observou que “”não existem mais”” nem “”as relações carnais”” nem “”os alinhamentos automáticos”” com os EUA, mantidos, respectivamente, pelos governos de Carlos Menem (1989-1999) e Fernando de la Rúa (1999-2001).
A disputa diplomática pode toldar um encontro – programado antes do incidente Noriega – entre Kirchner e o presidente George Bush numa cúpula regional da próxima semana, no México. Kirchner quer o apoio dos EUA na luta contra o FMI e as reivindicações dos credores para que a Argentina pague parcelas maiores da dívida. A controvérsia “”não vai contribuir para o sucesso deste encontro””, segundo Taiana. Esta não é a opinião de Kirchner.
– Ganharemos por KO (nocaute) – disse ele, apelando para termos do boxe, ao ser consultado pela imprensa sobre o encontro com Bush, depois das declarações de Noriega. Kirchner acrescentou que “”ninguém intimida nem muito menos repreende”” a Argentina, “”porque somos um país independente e com dignidade””.
O conflito desta semana pôs à mostra a tensão entre EUA e Argentina, que, no governo Kircnher, tem estabelecido laços mais estreitos com os principais inimigos políticos de Washington na América Latina, desde o presidente cubano Fidel Castro até Hugo Chávez, presidente da Venezuela.
Algumas autoridades americanas têm dito que vem surgindo na América Latina uma crescente aliança entre Cuba, Venezuela, Brasil e Argentina, países que penderam para a esquerda nos últimos anos, em meio à reação contra as políticas de livre mercado defendidas por Washington.
O desacordo atual entre Argentina e Estados Unidos contrasta com a época do presidente Carlos Menem, o das “”relações carnais”” com os EUA, quando a Argentina foi o único país sul-americano a enviar soldados para a Guerra do Golfo de 1991.
As tentativas de Washington de isolar Cuba quase sempre encontraram oposição na América Latina, onde o “”imperialismo”” americano é freqüentemente mais criticado do que o histórico dos direitos humanos em Cuba.
Fonte: Agências Reuters, EFE e AFP