A Lei de Biossegurança, sancionada no dia 24 de março pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi comemorada pelos setores ligados ao agronegócio e duramente criticada por entidades do movimento ambientalista e organizações não-governamentais. No governo, o texto aprovado representou uma derrota para os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde e uma vitória para o da Agricultura. Lula sancionou o texto com sete vetos. Nenhum deles modificou o espírito geral da lei que autoriza a realização de pesquisas científicas com células-tronco embrionárias e confere poder à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para tratar da liberação do plantio e comercialização de transgênicos. Entre os vetos presidenciais que receberam elogios de representantes do agronegócio está a derrubada de quorum para decisões da CTNBio e do item que previa penas de 2 a 4 anos para quem jogasse no lixo resíduos de produtos transgênicos.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, havia enviado à Presidência da República 16 pedidos de veto ao texto da lei. O ministro da Saúde, Humberto Costa, também defendia supressões no texto. A principal reivindicação desses pedidos era a redução do poder da CTNBio. Não levaram. A lei sancionada aumenta os poderes da comissão que poderá, entre outras coisas, autorizar o plantio de organismos geneticamente modificados sem a necessidade prévia de um estudo de impacto ambiental. O principal veto de Lula acabou com os prazos para que o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) tome decisões quando uma entidade apresentar recurso contra decisões da CTNBio e também para que o conselho delibere sobre algum tema quando ele retirar um processo do âmbito da comissão. O texto original determinava que, após uma entidade entrar com recurso no CNBS, os ministros integrantes do conselho teriam prazo de 30 dias para deliberar.
Outro artigo vetado pelo presidente referia-se à penalidade para pessoas que jogassem fora transgênicos em desacordo com as normas de segurança da CTNBio. O texto original previa uma pena de reclusão de um a quatro anos mais uma multa. O governo entendeu que a pena seria desproporcional, uma vez que era a mesma prevista para a prática da clonagem humana. Não ficou definido qual será a nova pela. Lula também deixou para a CTNBio decidir sobre o quorum necessário para suas decisões. O texto aprovado no Congresso previa um quorum de 14 (metade mais um do total de integrantes da comissão) e que qualquer decisão deveria ter o apoio de pelo menos oito membros. O presidente vetou ainda o artigo que previa a cobrança de uma taxa para a manutenção da comissão. A Lei de Biossegurança entrará em vigor assim que o Diário Oficial da União publicar a íntegra do texto.
Reações contrárias
O vice-presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Carlos Sperotto, comemorou a decisão presidencial e sugeriu que a regulamentação da lei fixe os prazos que ficaram em aberto. Segundo Sperotto, esses prazos precisam ser fixados para evitar ações protelatórias no processo de decisão. Entidades vinculadas ao setor de pesquisas com células-tronco também defenderam a nova legislação. O Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) considerou a sanção presidencial um passo decisivo para a regulamentação da produção e comercialização de transgênicos e para a pesquisa com células-tronco embrionárias. Na avaliação do CIB, os consumidores terão a liberdade de optar pelo consumo de alimentos transgênicos e as pesquisas poderão fazer avançar o setor da biotecnologia no país. A reação foi bem oposta entre as entidades ambientalistas, de defesa do consumidor e movimentos sociais, que divulgaram uma dura nota contra a decisão.
Assinada por entidades como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Greenpeace, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, a nota “repudia fortemente o presidente Lula por haver sancionado a nova Lei de Biossegurança”. A decisão, segundo a nota, “concretizou os planos das multinacionais de biotecnologia permitindo que um número reduzido de cientistas da CTNBio decida questões de grande complexidade científica em processo sumário”. “O presidente Lula”, acrescenta o texto, “prestou um desserviço inédito na história do país, ao isentar a tecnologia dos transgênicos de licenciamento ambiental com estudo de impacto ambiental”. Essa decisão, dizem ainda as entidades, é um precedente para a liberação de outras atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental.
Para elas, “é evidente que o PT e o governo Lula trabalharam ativamente para retirar dos ministérios do Meio Ambiente e da Saúde as suas competências constitucionais, facilitando a liberação irresponsável de transgênicos no território nacional”. A nota acusa ainda o governo de ter incluído as pesquisas com células-tronco embrionárias no texto da Lei de Biossegurança como forma de facilitar a liberação dos transgênicos no Congresso. Sancionada a lei, as entidades pretendem desencadear uma campanha de esclarecimento junto à população contra o consumo de alimentos modificados geneticamente. Do ponto de vista político, deve aumentar a distância entre o movimento ambientalista e o governo federal. A frase final da nota dá o tom de como anda essa relação: “é com pesar que as entidades reconhecem que o governo Lula não está à altura das suas responsabilidades constitucionais, ao não ser capaz de zelar pelos interesses do país”.
Fonte: Agência Carta Maior