Por Janice Miranda
Os EUA podem ter ganhado a Guerra do Iraque, mas estão perdendo a guerra pelos corações e as mentes de porções substanciais da humanidade. Foi essa a sensação transmitida na últim quarta-feira por especialistas, em debate sobre guerra ao terror, no primeiro dia do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, que reúne, todo janeiro, um milhar de líderes governamentais, empresariais e acadêmicos, em Davos (Suíça).
Até a expressão “mentes e corações”, banida do léxico americano após o fiasco no Vietnã, onde se originou, foi ressuscitada por Mahnaz Ispahani, do Council on Foreign Relations, de Nova York, para dizer que “ganhar mentes e corações é parte crítica dessa guerra” (ao terrorismo).
Se é assim, a guerra parece estar sendo de fato perdida.
Jessica Stern, especialista em políticas públicas da John Kennedy School of Government (Harvard), mencionou pesquisas segundo as quais não só cresceu o antiamericanismo como, em certas partes do mundo, “as pessoas confiam mais em Bin Laden do que em Bush”, em alusão ao líder da rede terrorista Al Qaeda, Osama bin Laden, e ao presidente americano, George W. Bush.
Na mesma linha foi Kenneth Roth, da Human Rigths Watch, para quem a violação de padrões internacionalmente aceitos durante a guerra ao terror fez de Bush “o recrutador-chefe da Al Qaeda”. Roth cita, entre outros aspectos, o tratamento aos prisioneiros feitos no Afeganistão após a invasão americana e recolhidos à base de Guantánamo (Cuba).
Completou Gareth Evans, ex-ministro australiano e agora presidente do International Crisis Group: “O resultado líquido da guerra ao terrorismo está sendo mais guerra e mais terrorismo”.
Mais tarde, na abertura do encontro, o presidente do fórum, o professor suíço Klaus Schwab, foi na mesma direção, ao dizer que “os otimistas tiveram poucos motivos para regozijo em 2003”.
O tema deste ano, aliás, é precisamente o enlace “parceria/segurança/prosperidade”. Schwab elaborou a seguinte equação: “Paz é igual a segurança e prosperidade, mas a prosperidade só pode ser alcançada por meio de parcerias”.
No debate matinal, a única exceção foi o trabalhista Ehud Barak, ex-premiê de Israel, para quem “o mundo está melhor” após a queda de Saddam Hussein.
“A foto de Saddam preso deve ter feito pensar Muammar Gaddafi [ditador líbio], o jovem Bashar al Assad [ditador da Síria] e outros”, especula Barak.
O debate ficou centrado na impressão de que “a ênfase no aspecto militar e de segurança é parte da solução, mas não é suficiente”, como disse Ispahani. Falta encarar também o que Gareth Evans resumiu como “queixas políticas”, que incluem a carência de desenvolvimento nos países que fornecem quadros para o terror. “A guerra está tendo um enfoque unidimensional, só de segurança, em vez de assentar-se em um conjunto de valores que derrube a cultura do terrorismo”, diz Roth, da Human Rights Watch.
Mas houve também um viés, apontado por Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe, que não estava à mesa, mas foi o primeiro a fazer perguntas. “Não se pode transformar a campanha contra o terror em uma guerra contra o islã”, reclamou.
Todos, como é politicamente correto, fizeram questão de dizer que não se trata de um combate ao islã, mas o indiano Sundeep Waslekar, presidente do Grupo para Previsões Estratégicas, lembrou que “não viu líderes muçulmanos questionando a ação de grupos que dizem estar defendendo o islã” por meio do terror. Tudo somado, o debate deixou claro que, como disse Gareth Evans, “ninguém pode garantir que não haverá outro 11 de Setembro”.
Fonte: Folha de S. Paulo (Clóvis Rossi)