Fotos: Joca Duarte
A trágica morte de três servidores da Justiça do Trabalho em São Paulo, duas delas ocorridas no local de trabalho, nos faz refletir: o que está acontecendo em nossos tribunais? O que estamos fazendo das nossas vidas? Os questionamentos deram o tom do ato ocorrido nesta terça-feira (14), no saguão do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.
Centenas de servidores participaram da atividade, realizada um dia após a morte da servidora Amanda Priscila Santos Costa. Amanda atentou contra a própria vida dentro do Ruy Barbosa deixando consternados familiares, amigos, colegas de trabalho e servidores de todo o país. No período de um mês, outros dois trabalhadores, Erica Yamamoto e Edélcio Ribeiro, também perderam a vida de maneira semelhante.
“Não temos uma explicação e talvez nunca tenhamos. A realização desse ato foi para homenagear a Amanda e propiciar uma reflexão sobre o que pode estar acontecendo em nosso Tribunal. É hora de conversarmos e nos apoiarmos e lutarmos para que isso não aconteça mais”, disse Inês Leal de Castro, diretora do Sintrajud, na abertura do ato.
O chamado à solidariedade dentro do ambiente de trabalho permeou todos os discursos. Nas falas, umas súplicas para os trabalhadores dêem as mãos e lutem juntos por um ambiente de trabalho mais agradável, mesmo que este seja caracterizado por casos de assédios moral e metas inalcançáveis.
“Não foi o assédio que aumentou, foi a solidariedade que desapareceu. O que nós fazemos quando vemos um colega ser assediado? Abaixamos a cabeça. Ficamos presos em nossa individualidade”, ressaltou a oficial de justiça do TRT, Sandra Duarte.
“Minha impressão é que estamos nos isolando, isolando uns aos outros. Não estamos nos olhando como uma categoria que sofre as mesmas mazelas. Não podemos nos omitir de ajudar uns aos outros”, reforçou Angélica Olivieri, diretora do Sintrajud e servidora da Justiça Federal, que recentemente também registrou duas tentativas de suicídio.
“Temos que nos ver como uma comunidade. Por dia, nós passamos no mínimo oito horas juntos para não termos amizade no local de trabalho” afirmou Zair Palhares, servidora que trabalhou no TRT por 28 anos e se aposentou no ano passado.
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Uma mensagem?
Natural do Rio Grande do Norte, Amanda chegou ao Fórum Ruy Barbosa em agosto deste ano. Era filha única e tida pelos colegas de trabalho como uma pessoa alegre, simpática, com vontade de aprender. “Ela cumprimentava a todos, conversava. Na quinta-feira nós conversamos sobre ioga, meditação. Só Deus sabe o que se passava com ela”, contou Marcelino, colega da mesma vara.
Embora não se saiba a motivação para o ato de Amanda, de maneira geral o suicídio no local de trabalho pode ser uma mensagem, um alerta de que algo não vai bem. “Taxar um motivo seria leviano, pois o ato pode não estar relacionado ao trabalho, mas é a ponta de um iceberg, tem muito mais embaixo”, disse Daniel Luca, psicólogo e assessor do Sintrajud.
O dia a dia nos tribunais tem levado servidores do Judiciário ao adoecimento e afastamento. Durante o ato, muitos relataram situações de assédio moral e de opressão.
“Muitos servidores estão adoecidos, tomando remédio controlado, indo ao psiquiatra. Pode ser que o caso da Amanda seja isolado, mas a gente sabe do dia a dia dos tribunais. Temos que discutir nossas relações de trabalho e aumentar a nossa solidariedade”, completou o psicólogo. “O que nós vivemos é a prática do abuso, do assédio”, disse uma servidora.
“Nós chegamos aqui como vitoriosos, em busca de um sonho. Mas não demora muito para perceber que não representamos muita coisa para a instituição. Só representamos algo para nossos colegas e amigos. O assédio é institucional”, disse Marcus Vergne, diretor de base do Sintrajud e servidor da JT.
Reunião com a presidência
No mesmo dia em que Amanda morreu, diretores do Sintrajud se reuniram com a presidência do TRT-2 para definir, em um trabalho conjunto, medidas emergenciais no que diz respeito à saúde dos trabalhadores.
Os dirigentes solicitaram à administração do Tribunal que o expediente desta terça-feira começasse às 13h e que fossem suspensos os trabalhos na 62º vara, na qual Amanda trabalhava. No entanto, a presidente do TRT-2, Sílvia Regina Pondé Galvão Devonald, considerou que não seria viável suspender os trabalhos do Tribunal, dado o grande número de audiências. O Sintrajud não concorda com essa postura e lamenta a decisão da presidente.
O Sindicato obteve da presidência o agendamento de uma nova reunião, no dia 5 de novembro, quando serão discutidas a implantação de um programa permanente de saúde, a democratização da gestão do Tribunal e outras medidas para melhorar as condições de trabalho dos servidores.
“Temos que cobrar uma atitude do Tribunal, como a implantação de um concurso de remoção interna e ações que cuidem da nossa saúde”, ressaltou um servidor. “Uma administração é responsável pela saúde dos trabalhadores”, completou Henrique Sales, também servidor da JT.
Ato de repúdio
Ainda na segunda-feira, 13, enquanto os servidores lamentavam a morte de sua colega de trabalho nas redes sociais, a juíza da 26ª vara, Elisa Andreoni, publicou em sua página do Facebook uma desagradável e desrespeitosa mensagem sobre a morte de Amanda.
Indignados com a atitude, ao final do ato os servidores realizaram um protesto em frente à 26ª vara e, em uma só voz, leram um texto de homenagem à Amanda Priscila, escrito pelo colega Tauff Ganem de Abreu.
Em Santos, servidores também realizaram um ato e fizeram um minuto de silência em homenagem a Amanda Priscila. Foto: divulgação