Deu no New York Times: você está sendo vigiado

A notícia circula em todos os meios de comunicação mundo afora desde a semana passada e a cada dia surgem novos detalhes: os internautas estão sendo monitorados pelo governo dos Estados Unidos. E-mails, áudios, vídeos, fotografias, documentos. A Agência de Segurança Nacional e o FBI têm acesso a tudo o que circula nos servidores de nove grandes empresas de internet americanas. Mais do que isso, Facebook, Google, Microsoft e outras companhias de tecnologia facilitaram o envio de dados de usuários ao governo. Por aqui, como o SINTRAJUSC noticiou, o TRT-12 migrou o e-mail dos servidores e juízes para o Gmail, o novo e-mail corporativo do Tribunal. O Gmail pertence ao Google. O Sindicato insiste na gravidade da decisão do TRT-SC, ainda mais diante da comprovação de que não há privacidade pessoal ou institucional na internet.

Contra o Google havia processos e investigações por quebra de privacidade em vários países, tanto por razões pessoais, como uso de imagens, quanto comerciais e de estado. Mas agora está comprovado: não se trata de fatos isolados. A vigilância do que circula na internet é uma política de estado. Em sua justificativa para o que potencialmente representa uma invasão maciça na vida privada de bilhões de usuários da internet em todo o mundo, o presidente Barack Obama afirmou: “Não se pode ter 100% de privacidade e 100% de segurança”.

O espantoso é a forma de repercussão do fato no Brasil. Na Europa, os governos e a população estão debatendo o assunto a sério. Por aqui, se reproduz o que sai na mídia internacional sem que haja a menor reflexão sobre as implicações da denúncia.

 

Empresas receptivas

Segundo o New York Times, um dos mais influentes jornais em circulação, dentre as grandes empresas, o Twitter se recusou a colaborar, mas outras foram mais receptivas: “De acordo com participantes dessas negociações, a lista das que aceitaram conversar inclui Google, Microsoft, Yahoo, Facebook, AOL, Apple e Paltalk. Elas foram legalmente requisitadas a compartilhar seus dados com base na Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (Fisa, em inglês). Repassar informações em cumprimento à Fisa é uma obrigação legal, mas facilitar o trabalho do governo em obter dados não o é. Por isso, o Twitter pôde se recusar a cooperar de forma mais ampla”.

Em pelo menos dois casos, segundo o jornal, no Google e Facebook, “uma das propostas discutidas era criar uma versão digital dos escritórios onde as empresas guardam suas informações sigilosas, geralmente em grandes servidores. Por meio desses portais, o governo pediria os dados e as companhias os forneceriam”. O executivo-chefe do Google, Larry Page, respondeu: “O governo americano não tem acesso direto ou uma ´porta dos fundos' para obter informação armazenada em nossos servidores. Nós fornecemos dados de usuários ao governo apenas em cumprimento à lei”.

Mais um trecho da notícia: “Comunicados de Facebook, Microsoft, Yahoo, Apple, AOL e Paltalk seguiam o mesmo argumento. Mas, em vez de uma ´porta dos fundos´ para acessar os servidores, as companhias foram essencialmente requisitadas a fazer uma caixa postal fechada e dar a chave ao governo, segundo os envolvidos nas negociações. O Facebook, por exemplo, elaborou um sistema nesse formato para o pedido e a coleta de dados por parte das autoridades.”

A existência dessas negociações, segundo o jornal, revela como as companhias de internet, cada vez mais no centro da vida privada dos cidadãos, se relacionam com agências de espionagem, interessadas em seu vasto acervo de e-mails, vídeos, conversas on-line, fotos e conteúdos de pesquisa. Governo e empresas de tecnologia trabalham juntos.

Os pedidos com base na Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (Fisa) podem variar de solicitações sobre um usuário específico a uma vasta gama de dados, como um acervo de pesquisas sobre um determinado termo em mecanismos de busca. No ano passado, o governo dos EUA fez 1.856 requerimentos amparados nessa lei, um aumento de 6% em relação a 2011.

A fonte que revelou ao jornal britânico The Guardian o programa secreto de grampos telefônicos e vigilância na internet do governo americano, Edward Snowden, 29 anos, ex-agente da CIA, disse: “Minha única motivação é informar o público, assim como dizer o que é feito em nome dele e o que é feito contra ele. Eu não tenho intenção de esconder quem eu sou porque não fiz nada errado. Eu não me vejo como um herói porque o que estou fazendo é de meu próprio interesse: não quero viver em um mundo onde não há privacidade nem espaço para a exploração intelectual e a criatividade. O que eles (o governo) estão fazendo é uma ameaça existencial à democracia.”

Ter acesso a tudo o que circula na internet, violando os direitos dos cidadãos, não está garantindo a tão almejada segurança para os EUA. “As falhas de segurança continuam ocorrendo nos EUA não por falta de quantidade de informações, que eles têm de sobra, mas por falta de capacidade de analisar essas informações”, disse à Agência Estado João Roberto Martins Filho, professor de ciência política da Universidade Federal de São Carlos e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa. Ele lembrou que os serviços de inteligência tinham informações sobre os autores do atentado na Maratona de Boston, no dia 15 de abril, mas isso não impediu que ele ocorresse.

Robert Baer, ex-agente da CIA e autor de três livros sobre terrorismo, disse à imprensa que o problema do programa do governo é que ele recolhe de forma indiscriminada uma quantidade enorme de dados e os mantém arquivados em um banco de dados, possibilitando o mau uso da informação: “Se eu tiver o número do seu celular, tenho o número de seu cartão de crédito, sei onde você jantou ontem, posso reconstruir sua vida toda”, exemplificou. “É disso que as pessoas têm medo.”

Mesmo a mídia conservadora concordou que há dois aspectos perturbadores do programa dos EUA: ele é sigiloso e legal. Isso mostra como é temerário colocar toda a comunicação interna de servidores e magistrados nas mãos de uma empresa privada monitorada (e se deixando monitorar!) pelo governo dos EUA.