Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. Rosa Luxemburgo
Por Marcela Cornelli, jornalista
Duas vitórias na Lei Maria da Penha merecem ser lembradas neste 8 de março. No dia 9 de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a Constitucionalidade dos Art. 1, 33 e 41 da Lei Maria da Penha e eliminou a representatividade da vítima em processo criminal contra o agressor. Mesmo assim há muito ainda no que se avançar. Muitos temas de grande importância são esquecidos e/ou relegados ao segundo plano pela sociedade organizada, movimentos sociais e sindicais, como as diferenças salariais entre homens e mulheres, a violência, o preconceito, a descriminalização do aborto, a desvinculação da imagem do corpo da mulher à venda de mercadorias em propagandas, principalmente à do álcool, uma droga legalizada que devasta mais do que muitas drogas proibidas, e, talvez, o principal de todos: o papel da mulher pré-estabelecido pela sociedade, o que ela deve sonhar, sentir, como agir, pensar e se vestir.
Podemos achar que as questões de gênero já estão superadas e que o discurso feminista não se faz mais necessário, porém basta ir às ruas e perguntar por que as mulheres ainda sofrem violência? Por que são estupradas? A culpabilização da mulher ainda é forte no pensamento da sociedade. O machismo continua latente. “Ela foi estuprada porque pediu, vestia roupas curtas. Estava pedindo isso”, ou então “apanha porque gosta, porque se cala”. Frases que mostram o quanto o debate sobre estes assuntos se faz necessário e urgente.
Agora virou moda. Toda semana notícias na mídia mostram o sequestro e/ou a morte de jovens mulheres simplesmente porque resolveram terminar o relacionamento. A sociedade assiste a tudo amortecida, sem reação. A indignação é passageira. Polícia, justiça e governos muitas vezes fazem pouco caso e a mídia só usa do sensacionalismo, ninguém reflete, debate, aprofunda e propõe mudanças. É preciso um abuso acontecer no Big Brother Brasil para ficar dias sendo comentado, mas depois tudo cai no esquecimento, no máximo vira Ibope. A mulher ainda é um troféu, uma posse para o homem. É educada para ser sim ainda dona de casa e, mesmo que trabalhe fora, precisa estar sempre bonita para os padrões (patrões) capitalistas. Conquistou, sim, mais espaço na política, mas muitas vezes acabam se tornando números para cumprir cotas, sem voz ativa de verdade. No mercado de trabalho, que oprime e explora, são os salários mais baixos. As mulheres negras sofrem duplamente com o preconceito. E ainda tem o sofrimento das mulheres lésbicas e trans, que são violentadas sexualmente pelo estupro corretivo, assunto ainda velado na mídia burguesa, e, por conta disso, pouco debatido pela sociedade.
Marcantes também são as diferenças sociais. Enquanto mulheres de classe média alta podem fazer um aborto em segurança, mulheres empobrecidas se sujeitam a clínicas clandestinas ou a métodos nada seguros, realizados em suas próprias casas, recorrendo aos hospitais públicos quando o aborto já foi feito e precisam de cuidados. No entanto, o preconceito moral e religioso atinge a todas, independentemente de classe.
Os números de violência contra a mulher seguem alarmantes. Segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado, realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo*, 6 em cada 10 brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de violência doméstica e o parceiro (marido ou namorado) é o responsável por mais de 80% dos casos de violência. Ainda de acordo com a pesquisa, embora apenas 8% digam já ter batido “em uma mulher ou namorada”, um em cada quatro (25%) diz saber de “parente próximo” que já bateu e metade (48%) afirma ter “amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater na mulher”. Assustadoramente, dos homens que assumiram já ter batido em uma parceira, 14% acreditam que agiram bem e 15% afirmam que o fariam de novo. Outra pesquisa realizada pelo DataSenado* em 2011 revela que o medo continua sendo a razão principal (68%) para evitar a denúncia dos agressores e 66% das brasileiras acham que a violência doméstica e familiar contra as mulheres aumentou, mesmo depois da Lei Maria da Penha. Mesmo assim ainda há homens que acham que a Lei deva protegê-los, reivindicação que deve ser pelos anos de opressão que sofreram.
A luta por direitos trabalhistas, políticos e sociais está longe de terminar. Não dá para falar em 8 de março sem tocar nestes assuntos. É preciso, sim, acirramos o debate de gênero e do quanto o capitalismo e suas leis e moral impedem a igualdade de direitos na nossa sociedade. Enquanto só nos indignarmos e não nos movermos, como dizia Rosa Luxemburgo, não saberemos as correntes que nos oprimem. Que não só o 8 de março, mas todos os dias sejam dias de luta pelos direitos das mulheres, pela libertação de nossas correntes!
* Dados publicados na Agência Patrícia Galvão: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/