Juíza Luislinda Santos denuncia racismo institucional no FSM

 

 

A filha de Iansã, Luislinda Santos, 66 anos, a primeira juíza negra do Brasil, nasceu com a bênção e a proteção da Rainha dos ventos e dos raios, da Deusa da fertilidade e da coragem. Ela decretou a sua primeira sentença ainda criança, aos 9 anos, numa aula de matemática. A filha de Luiz, motorneiro de bonde, e da costureira Lindaura estava contente com o compasso de madeira que seu pai havia comprado à custa de muito suor. Mas, quando o professor viu que o material não era de plástico, ironizou, com malícia e preconceito: “Você não devia estar estudando, e sim cozinhando feijoada para branca!”.
Ainda hoje os olhos da primeira juíza negra e de cabelo rastafári se enchem de lágrimas ao lembrar da cena que definiu seu futuro: “Vou ser juíza para te prender!”, vaticinou, diante do professor racista. Luislinda não é mulher de desonrar a palavra, mas resolveu usar o poder com ações mais graves e imprescindíveis para mudar a mentalidade de um país e fazer com que todos reconheçam a importância da educação no processo de formação dos jovens: quando não está em atividade nos tribunais visita comunidades pobres da periferia de Salvador, capital de um estado que tem 85% da população de negros para difundir seus projetos sociais e ajudar as famílias mais carentes.
Hoje [29] pela manhã, na conferência com o tema “Mulher: crise econômica e emancipação”, no Fórum Social Mundial Temático da Bahia, a juíza, conhecida na Bahia como o Ruy Barbosa de saias, pelo acúmulo de experiência e sabedoria, fez uma intervenção que roubou a cena, como ocorre aonde chega com seus projetos sociais e educacionais e o seu poder de intermediar conflitos extrajudicialmente. Ela escolheu o tema “Racismo institucional” e suas palavras instalaram o silêncio e a emoção entre os participantes e teriam feito corar de vergonha qualquer juiz de pele branca ou desembargador que porventura estivesse presente.
“Por que não consigo ser desembargadora? Porque sou mulher e negra: essa é a verdade!”, indagou e em seguida sentenciou, ao narrar sua experiência nos tribunais baianos, sempre valorizando a ocupação de espaços públicos pela mulher, de qualquer cor ou credo que seja. “Queremos e podemos ocupar esses espaços porque trabalhamos com honestidade e competência e jamais tivemos na história do Brasil uma ministra negra no Superior Tribunal de Justiça, no STF, em qualquer lugar, nas prefeituras, nos governos, não, nunca uma mulher negra ocupou cargos como estes no Brasil”, afirmou, em tom de crítica.
Com vários prêmios nacionais por suas ações sociais, LuisLinda falou com orgulho, por telefone, com a assessoria de imprensa da Fenajufe, sobre os projetos “Balcão de Justiça e Cidadania”, que resolve conflitos de populações de bairros pobres de Salvador, áreas de remanescentes dos quilombos e comunidades indígenas, o “Leia: é bom!”, que distribui livros em escolas públicas e entre as famílias carentes e o “Lendo, Aprendendo e Aguardando Justiça”.
A ideia do projeto é sair pelas escolas públicas levando livros e resolvendo pequenos conflitos de forma extrajudicial. “Ensino o método de solução de conflitos fora dos tribunais, por meio do diálogo e da conciliação”, explicou a juíza.
A coordenadora de comunicação social da Fenajufe, Sheila Tinoco, que assistiu à conferência e aos debates fez uma intervenção após a fala da magistrada sugerindo que fossem feitas pesquisas pelo Conselho Nacional de Justiça e outros órgãos para medir o grau de preconceito contra as mulheres, sobretudo as negras. “As mulheres negras nunca ocupam cargos comissionados, cargos de diretorias e mesmo entre os homens são muito poucos os negros que ocupam essas posições”, observou Sheila. “Temos de questionar o que está acontecendo dentro dos tribunais, porque a mulher negra trabalh nas piores condições possíveis”, concluiu.

Crise e oportunidade para debater o mundo

O debate sobre a mulher e a emancipação ocorreu na parte da manhã e à tarde foi a vez da mesa redonda Crise&Oportunidades. Para o consultor jurídico do Ministério das Comunicações, Marcelo Bechara, o FSM 2010 em Porto Alegre e em Salvador é mais uma prova de que o Brasil já se consolidou em termos de discussões de uma nova agenda social. A posição brasileira no mundo atualmente é completamente diferente da postura política que o país exibia dez anos atrás durante o primeiro evento, quando as discussões em torno do neoliberalismo estavam no auge.
“Este fórum é importante porque é mais uma oportunidade para se discutir e refletir sobre a crise financeira mundial, a crise da fome, e a necessidade de mudanças e deve sair algo destes debates, porque as grandes decisões da história sempre nasceram de idéias e de discussões filosóficas”, acredita Bechara. Para ele, o lema do evento “Um outro mundo é possível” responde ao poder de reagir e de sonhar das novas gerações e ao fato da evolução de uma consciência universal que já existe, uma consciência coletiva que observa as alterações climáticas, a fome, as guerras e que deseja mudar o mundo. “Esse fórum é uma ambiente de respostas e uma espécie de observatório dos problemas locais e mundiais”, afirmou; “Não podemos perder a capacidade de sonhar e de contribuir para que ocorram transformações positivas no planeta”, concluiu.

Fonte: Assessoria de Imprensa da Fenajufe, por Carlos Tavares