A mobilização dos servidores do TRT colheu um presente de Natal – este sim! – na Justiça Federal. Nesta terça-feira, 2 de dezembro, o Juiz Federal Substituto Cláudio Roberto da Silva deferiu liminar para determinar à Administração do Tribunal que se abstenha de efetuar, na folha de pagamento dos servidores representados pelo SINTRAJUSC, o desconto da contribuição previdenciária incidente sobre a gratificação natalina.
A vitória é resultado do esforço administrativo e jurídico colocado em prática desde que, em 21 de novembro, a Administração comunicou à Coordenação do Sindicato que faria o desconto. De lá para cá foi chamada Assembléia, iniciada no dia 27 e retomada no dia 28, depois de uma reunião de quase duas horas e meia com a Administração do Tribunal, que manteve a decisão de desconto nos salários. A comissão de servidores que participou da reunião apresentou uma série de argumentos para respaldar a decisão dos trabalhadores, tomada na Assembléia do dia 27, de aprovar ação na Justiça contra a medida. A Assessoria Jurídica do Sindicato entrou com a ação já na sexta-feira passada.
Num dos trechos da liminar, o Juiz diz o seguinte: “Como em qualquer processo de revisão de pagamentos, não se pode afetar a propriedade do administrado, salvo se demonstrado que este a ela não tem direito. Os pagamentos incorporados ao patrimônio dos servidores só podem ser afetados se observados o devido processo legal e o direito à ampla defesa, garantidos constitucionalmente (artigo 5.º, LIV e LV, da CF/88). O processo administrativo é o meio de legitimar o exercício dos poderes administrativos. No caso, verifica-se que a ré deixou de atender aos mencionados princípios constitucionais. Embora desde 12 de junho de 2007 (fl. 523v) já houvesse a Administração iniciado o procedimento com vista a ver restituídos os valores indevidamente pagos os servidores, nem os beneficiários, nem o SINTRAJUSC que os havia substituído no processo judicial, foram instados a se manifestar a respeito da legalidade do ato e da correção dos cálculos”.
O Juiz ainda observa que, em 11 de dezembro de 2007, o Dr. Jorge Luiz Volpato, então Presidente do TRT, determinou a divulgação da planilha de cálculo para consulta individualizada aos servidores, ordem que não foi cumprida: “Tais planilhas somente foram disponibilizadas aos interessados na iminência do desconto (…) com o propósito não de lhes garantir o exercício do contraditório (viabilizando-lhes se contrapor previamente à legalidade do ato e aos cálculos apresentados), mas de mera comunicação”. Isso, avaliou inicialmente o Juiz, caracteriza que houve violação ao devido processo legal.
Para as cerca de 110 pessoas que estiveram na Assembléia do dia 27 – numa demonstração de capacidade de mobilização dos servidores – ficou claro que havia uma série de elementos que demonstravam o equívoco de tal desconto, começando pela ausência de negociação prévia com o Sindicato e os servidores. Além dessa falta de diálogo, a Assessoria Jurídica do SINTRAJUSC explicou que a jurisprudência do STJ e TRF/4 era pacífica quanto à ilegitimidade da Administração para cobrança de descontos previdenciários não-efetuados na época própria. Além disso, não havia qualquer determinação judicial para realização de tais descontos retroativos nos autos do mandado de segurança coletivo 3917/99, impetrado pelo SINTRAJUSC.
O esforço concentrado, nesta última semana, para evitar a tentativa da Administração de descontar 10% do salários dos servidores, mais uma vez mostrou a força dos trabalhadores do Judiciário. Que seja assim em 2009, quando iremos lutar por nosso Plano de Carreira!
LEIA O TEXTO DA LIMINAR:
AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2008.72.00.013492-7/SC
DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)
O Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário de Santa Catarina – SINTRAJUSC, na condição de substituto processual, ingressa com a presente ação contra a União, através da qual pretende obter provimento jurisdicional liminar que impeça a ré de promover o desconto mensal de 10% (dez por cento) nos proventos dos substituídos, a título de restituição ao erário.
Narra que, por força de liminar obtida nos autos do Mandado de Segurança n. 3917/99, a Administração deixou de descontar em folha a contribuição previdenciária incidente sobre a gratificação natalina. Prossegue dizendo que a ordem foi denegada, decisão já transitada em julgado após a interposição dos recursos cabíveis.
Alega que os servidores beneficiados com a liminar revogada foram informados, por e-mail, que terão que ressarcir, a partir de dezembro deste ano, os valores referentes aos tributos que deixaram de ser descontados.
Sustenta, todavia, que não lhes foi oportunizada prévia manifestação a respeito, destacando, ainda, não ser a via prevista no art. 46, § º da Lei n. 8.112/90 adequada para o ressarcimento almejado. Tudo a evidenciar a violação ao devido processo legal.
Vieram-me os autos conclusos para análise da antecipação dos efeitos da tutela.
É o breve relatório.
Decido.
Em 15 de dezembro de 1999, o relator do Mandado de Segurança n. 3917/99, impetrado pelo SINTRAJUSC contra ato atribuído ao Juiz-Presidente e ao Diretor-Geral do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, deferiu o pedido de liminar para afastar a cobrança da contribuição social sobre a base de cálculo prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.783/99, inclusive de valores retroativos, assegurando, por ora, a todos os servidores públicos civis federais em atividade na Justiça do Trabalho da 12ª Região o desconto sobre as parcelas que compõe a base de cálculo prevista pelas Leis 9.630/98 e 8.852/94 (fl. 249).
A aludida liminar produziu efeitos até a prolação da decisão de fls. 403/407, oportunidade em que o Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região a revogou expressamente, denegando a ordem.
Daí porque a Juíza-Presidente daquele Tribunal proferiu a seguinte decisão administrativa:
Adotem-se as providências necessárias para o desconto em folha de pagamento, nos termos do §1º do art. 46 da Lei nº 8.112/90, com redação dada pela MP nº 2.225-45/2001, dos valores que deixaram de ser descontados a título de contribuição previdenciária sobre a Gratificação Natalina, por força da liminar concedida nos autos do MS-3917/1999, referentes ao período de maio/1999 a junho de 2004, após ampla divulgação, inclusive ao Sindicato da classe, autor da demanda.
Busca a administração, pois, a reposição do indevidamente percebido pelos servidores com respaldo no art. 46 da Lei 8.112/90, que dispõe:
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário serão previamente comunicadas ao servidor e descontadas em parcelas mensais em valores atualizados até 30 de junho de 1994.
§ 1º A indenização será feita em parcelas cujo valor não exceda 10% da remuneração ou provento.
§ 2º A reposição será feita em parcelas cujo valor não exceda 25% da remuneração ou provento.
§ 3º A reposição será feita em uma única parcela quando constatado pagamento indevido no mês anterior ao do processamento da folha.
Primeiro tópico passível de apreciação refere-se à natureza alimentar das verbas em discussão e a impossibilidade do desconto referido.
Importante que a parcela seja entendida no conceito amplo de vencimentos. Em relação aos vencimentos, em razão de sua irredutibilidade e impenhorabilidade, impossível o desconto unilateral. Neste sentido, RT 614/81:
Funcionário Público – Vencimentos – Pagamento a maior – Desconto efetuado posteriormente em folha de pagamento pela Administração – Inadmissibilidade – Ausência de permissão expressa do servidor – Impenhorabilidade legal – Questão a ser decidida mediante regular processo para eventual repetição do indébito ou regresso – Recurso improvido – Declaração de voto (TJSP).
Se pagou mal ao servidor, não pode a Administração forçá-lo a aceitar posterior desconto em folha de pagamento, uma vez que os vencimentos daquele são impenhoráveis por expressa disposição legal, devendo a questão ser decidida em regular processo para eventual repetição do indébito ou o devido regresso.
(TJ/SP Ap. 74.247-1. 1ª C., julg. 02-09-86. Rel. Des. Álvaro Lazzarini).
Na declaração de voto, o Des. Cândido Rangel Dinamarco, remetendo a trabalho seu (Impenhorabilidade de vencimentos e descontos feitos pela Administração. in RT 547/16), argumenta: “… Sustento, em síntese, que, se os vencimentos dos funcionários públicos são impenhoráveis por expressa disposição de lei federal, jamais poderiam ser objeto de apossamento arbitrário pela Administração. Se nem o juiz, imparcial e à vista de um título executivo, tem o poder de determinar legitimamente a expropriação dos vencimentos ou parte deles, como aceitar que, unilateralmente e no exercício arbitrário de seus possíveis direitos, venha a Administração a fazê-lo?”
Já em outro julgado do mesmo Tribunal (RT 661/73), tem-se a confirmação da orientação, como anoto:
Funcionário Público – Vencimentos – Percepção de parcelas indevidas – Descontos que só poderão ser efetuados pela Administração mediante autorização do funcionário – Remuneração impenhorável, salvo as exceções legais previstas no art. 649, IV, do CPC (TJSP).
Funcionário público. Vencimentos. Percepção de parcelas indevidas. Desconto efetuado pela Administração sem autorização do funcionário. Inadmissibilidade. Se lhe pagou, por esta ou aquela causa, parcelas indevidas, não pode a Administração descontá-las dos vencimentos do funcionário sem autorização dele. É que, sendo os vencimentos impenhoráveis (rectius, inexpropriáveis), salvo as exceções legais (art. 649, IV, do CPC), não podem, a fortiori, constituir objeto de desconto unilateral, imposto pela Administração, a pretexto de exercício do poder, de autotutela, por satisfazer-se de algum crédito. Fora absurdo pudesse a Administração obter fora do processo jurisdicional o que dentre deste lhe é vedado.
Tais julgados não chegam ao ponto de entender descabida a repetição, mas apenas entendem ilegal o desconto unilateral.
Como em qualquer processo de revisão de pagamentos, não se pode afetar a propriedade do administrado, salvo se demonstrado que este a ela não tem direito. Os pagamentos incorporados ao patrimônio dos servidores só podem ser afetados se observados o devido processo legal e o direito à ampla defesa, garantidos constitucionalmente (artigo 5.º, LIV e LV, da CF/88). O processo administrativo é o meio de legitimar o exercício dos poderes administrativos.
No caso, verifica-se que a ré deixou de atender aos mencionados princípios constitucionais.
Embora desde 12 de junho de 2007 (fl. 523v) já houvesse a Administração iniciado o procedimento com vista a ver restituídos os valores indevidamente pagos os servidores, nem os beneficiários, nem o SINTRAJUSC que os havia substituído no processo judicial, foram instados a se manifestar a respeito da legalidade do ato e da correção dos cálculos.
Bem de ver que, em 11 de dezembro de 2007, o Dr. Jorge Luiz Volpato, então Juiz-Presidente do TRT-12, determinou a divulgação da planilha de cálculo para consulta individualizada aos servidores (fl. 103), ordem esta não cumprida pelos motivos expostos pelo Diretor do SEPPP às fls. 111/114.
Tais planilhas somente foram disponibilizadas aos interessados na iminência do desconto (fls. 119/123), com o propósito não de lhes garantir o exercício do contraditório (viabilizando-lhes se contrapor previamente à legalidade do ato e aos cálculos apresentados), mas de mera comunicação.
Quer parecer, assim, em juízo sumário de cognição, que houve violação ao devido processo legal.
Há, diante desse contexto, verossimilhança nas alegações deduzidas na exordial.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação exsurge do caráter alimentar dos vencimentos, sobre os quais incidiriam os descontos.
Ante o exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a ré que se abstenha de efetuar descontos em folha de pagamento dos servidores representados pelo SINTRAJUSC, a título de reposição ao erário, em decorrência da decisão final do Mandado de Segurança n. 3917/99.
Cite-se e intimem-se.
Autorizo a citação em carga, certificando a Secretaria tal providência.
Intime-se o autor a regularizar sua representação processual, apresentando documento hábil, consistente nas declarações individuais ou outro de igual valor, que o legitime a figurar no pólo ativo da demanda, na qualidade de representante processual, sob pena de extinção do feito. Isso porque versa a presente demanda, de rito ordinário, sobre o reconhecimento de direitos individuais, de titularidade exclusiva dos substituídos, podendo o sindicato autor agir em nome destes somente mediante representação (art. 5º, XXI, da CF).
Florianópolis, 02 de dezembro de 2008.
CLÁUDIO ROBERTO DA SILVA
Juiz Federal Substituto