A Crise explodiu com os fundos de pensão: azar dos aposentados

Caio Teixeira   
 
Em 2003 a parte séria e classista do movimento sindical combateu a reforma da previdência que em resumo transferia para fundos de pensão privados ou geridos por bancos privados, a responsabilidade pela aposentadoria integral dos servidores públicos. A reforma era reivindicação do “mercado de capitais”, ávido por colocar as mãos nas contribuções dos servidores, dinheiro limpo, fácil e seguro. Seguro para entrar nos bolsos deles, e totalmente inseguro para voltar aos nossos em forma de aposentadoria. Tanto é que na própria emenda constitucional aprovada debaixo de protestos, muita repressão policial e dos vidros quebrados na Câmara dos Deputados, está incluída a forma de gestão da “Contribuição Definida”. Por este sistema, que difere do “Benefício Definido”, a única coisa certa é o valor que pagamos por mês. Já o benefício a ser recebido um dia quando nos aposentarmos, vai depender das aplicações do fundo no mercado de capitais.
Muitos sindicatos do setor privado, especialmente ligados à CUT, por influência das bases dos bancários, petroleiros e eletricitários que possuiam fundos de pensão tidos como fortes, e das quais grande parte dos dirigentes sindicais viraram administradores de fundos de pensão não viram nada demais e até defenderam a reforma e a criação de fundos para os servidores públicos.
O artigo abaixo do professor de Jornalismo Econômico da USP, Bernardo Kucinski, mostra que a bandeira dos servidores “Previdência só pública” não só era corretíssima para os servidores como para todos os demais trabalhadores.
Para sorte dos servidores públicos, os tais fundos previstos na emenda constitucional ainda não foram criados e até que o sejam as aposentadorias continuam sendo integrais mesmo para quem tenha ingressado no serviço público depois da emenda. O momento é mais do que propício para levantarmos a bandeira de que os fundos nunca sejam criados uma vez que a insegurança deste sistema para a vida dos trabalhadores aposentados ficou flagrante e incontestável. Exatamente como dizíamos os manifestantes em 2003.
 
A conta da crise já chegou aos trabalhadores
 
Nem a crise é igual para todos. Parte das perdas bilionárias dos fundos de pensão nunca será recuperada. No Brasil, as perdas totais dos 350 fundos de pensão complementar superaram até outubro os R$ 40 bilhões, segundo a Secretaria de Previdência Complementar. Salvou-nos de um desastre maior, a demora do governo em autorizar os fundos a aplicar no exterior.
 
Bernardo Kucinski*
Mesmo sem recessão, trabalhadores de muitos países já estão pagando a conta maior da crise. E a baixa classe média também. O prejuízo sentido por quem aplicou em ações é só o mais evidente. O mais pesado e socializado dos prejuízos depois do dinheiro do contribuinte usado para capitalizar bancos, é o dos fundos de pensão.

No Brasil, 36% do patrimônio de R$ 460 bilhões dos fundos de pensão estão aplicados em bolsa, segundo o Conselho de Gestão da Previdência Complementar. Isso, sem contar os fundos de geração de benefícios livres, os VGBL, geridos pelos bancos comerciais com incentivo fiscal, alguns dos quais aplicam parte de seus recursos em ações. Com as enormes perdas deste ano, “só um milagre permitiria aos fundos de pensão cumprir suas metas atuariais este ano”, avalia o diretor de investimentos da Previ, Fábio Mozar.

As perdas totais dos 350 fundos de pensão complementar superaram até outubro os R$ 40 bilhões, segundo a Secretaria de Previdência Complementar. Salvou-nos de um desastre maior, a demora do governo em autorizar os fundos a aplicar no exterior. Entre as mais afetadas está a Previ que aplicou 65% do seu patrimônio em renda variável. Seu patrimônio encolheu de R$ 140 bilhões de reais em maio para R$ 125 bilhões em setembro.

Nos Estados Unidos a perda dos fundos de pensão é astronômica: US$ 2 trilhões, cerca de 20% do valor patrimonial, segundo estudos do Congresso americano. Na Coréia do Sul, o Fundo Nacional de Aposentadoria, o quinto maior do mundo, já havia perdido 1% do seu patrimônio até agosto, sem contar com o que vai perder de 105 milhões, aplicados em bancos americanos, dos quais US$ 60 milhões em ações e títulos do Lehman Brothers e do Merril Lynch e mais US$ 39 milhões perdidos em hipotecas da Fannie Mae e Freddie Mac.

Na Nova Zelândia, as autoridades revelaram perdas em dois dos maiores fundos de pensão o New Zeland Superanuation Fund (1%) e o Government Superanuation Fund ( 6,7%).

Um dia, parte do valor das ações vai se recuperar. Mas para muitos trabalhadores mais idosos, na faixa dos 60, prestes a se aposentar, não vai dar tempo. Se forrem participantes de planos em que o valor do benefício não é fixo, ou adiam sua aposentadoria por mais alguns anos, até que o valor das ações se recupere, ou se contentam com uma renda complementar menor. Nos planos de valor definido, o benefício é mantido na íntegra, mas as empresas terão que descobrir formas de tapar o buraco, obviamente aumentando os preços de seus produtos ou serviços – o que vai indiretamente em cima do povo – ou reduzindo salários futuros.

E o que dizer dos que gastaram seu dinheirinho nos fundos multi-mercado ou usaram seu FGTS na compra de ações? Quem vendeu no pânico por menos do que pagou, já perdeu. Mas ricos e classe média alta, aproveitam justamente a crise para aumentar suas carteiras de ações a preço de pechincha. São eles que estão comprando as ações que trabalhadores e remediados estão vendendo.

O bilionário americano Warren Buffett, retratado pela mídia como um herói, aproveitou para abocanhar uma fatia do Goldman Sachs, por US$ 10 bilhões, e já está comprando empresas da Islândia, quebrada pela crise. Pechinchas, para sua fortuna de 60 bilhões de dólares, a maior do mundo segundo a revista Forbes.

Mais perto de nós, Armínio Fraga, gestor do Fundo Gávea, “saiu às compras”, como anunciou efusivamente a ISTOÉ Dinheiro. Um dos preferidos pelos milionários, esse fundo está abocanhando empresas inteiras e participações. Ficou barato demais. De janeiro até o “crash” de nove de outubro, havia caído em R$ 1 trilhão o valor das ações na Bovespa.

As ações que mais caíram foram as da construção civil. Algumas empresas terão dificuldades em dar garantias para os financiamentos necessários ao término de suas obras. A ação da Inpar virou pó: despencou 93,6%. Em dezembro a companhia valia 1 bilhão de dólares, e na última terça-feira de setembro, só 61 milhões de dólares. A Abyara perdeu 89% do valor e a Even&Rossi 76%. Mas, de novo, o prejuízo direto não é da empresa que abriu seu capital vendendo ações ao público e sim de quem comprou. Muitas delas estão recomprando as mesmas ações por um décimo do preço que venderam.

Outra fatura da crise caiu na classe média e trabalhadores que colocaram suas economias em títulos de empresas (bonds) ou fundos mútuos e de investimento geridos por bancos em todo o mundo, com exceção dos fundos daqui mais conservadores, que aplicam a quase totalidade de seus recursos em papéis do Tesouro Nacional, com rendimento satisfatório e sem risco de calote. Uma pesquisa do Morningstar Inc. aferiu que 91% dos fundos mútuos em existência nas principais economias perderam dinheiro este ano.

Só a quebra do Lehman provocou prejuízos diretos de milhões. Em vários países, fundos de investimento e fundos de pensão aplicaram um total de US$ 110 bilhões em “senior bonds” do Lehman, títulos que não tinham nenhuma garantia e hoje valem a metade. Em Hong Kong, quarenta mil pequenos comerciantes e trabalhadores autônomos estão desesperados porque compraram cerca de US$ 2 bilhões em mini-bonds do Lehman, vendido por uma rede local de vinte bancos como aplicação segura e adequada a pequenos investidores. Mas deles os jornais mal falam. Todas as manchetes são dedicadas aos prejuízos dos bancos e ao pacote que os vai salvar, com dinheiro do contribuinte é claro.

 
(*) Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é colaborador da Carta Maior e autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).