Por Altamiro Borges
Diante do rombo de R$ 40 bilhões da CPMF e do temor da recessão nos EUA, o debate sobre a reforma tributária volta a ganhar espaço na mídia. O governo Lula promete enviar uma proposta ao parlamento e trata o tema como algo puramente técnico. Já os mesmos ricaços, sonegadores, tucanos e demos, culpados pelo fim a CPMF, aproveitam o clima de incertezas na economia para exigir menos impostos.
Hipócritas, eles alegam que a tributação no país é uma das mais altas do mundo e pregam cortes na “gastança social”. Neoliberais, desatam uma nova onda conservadora em defesa do “estado mínimo”, embalada numa bandeira que desperta simpatias na sociedade.
O tema da reforma tributária é explosivo. O jogo de interesses que envolve é poderoso. Em certo sentido, a questão tributária é estratégica, já que condensa as contradições de classe na sociedade capitalista. A tributação reflete quem perde e quem ganha neste sistema. Quem banca a máquina pública, quem abocanha os recursos arrecadados, quem sonega e dribla o fisco. Devido às graves distorções deste sistema no país, que ajudam a explicar porque o Brasil ostenta um dos piores índices de desigualdade social no mundo, a reforma tributária é realmente uma forte exigência da atualidade, mas num sentido totalmente inverso ao pregado pelos neoliberais de plantão.
“Vai resmungar na… Europa”
Como revela excelente reportagem de Márcia Pinheiro na Carta Capital, intitulada “Leão atiça a desigualdade”, o sistema tributário brasileiro é dos mais injustos do planeta. “O assustador é que 70% dos impostos incidem sobre o consumo e apenas 30% sobre o patrimônio. Nos países desenvolvidos, a relação é oposta: 60% sobre o patrimônio e 40% sobre o consumo… Estudo do Unafisco [Sindicato dos Auditores Fiscais] comprova como a carga tributária é perversa. Quem ganha até dois salários mínimos gasta 45,8% da renda no pagamento de impostos indiretos, enquanto o peso para famílias com renda superior a 30 salários mínimos corresponde a 16,4%”.
Quanto à suposta fúria do Leão sobre a renda dos ricos empresários e da alta classe média, seria educativo se os adeptos do “Cansei” fossem morar na Europa ou mesmo nos EUA para deixarem de reclamar. O artigo desmonta este outro mito da mídia manipuladora. “A alíquota para pessoas físicas, aqui, vai de zero a 27,5%. Na Argentina, de 9% a 35%. Nos Estados Unidos, de zero a 35%, fora os impostos estaduais. Na França, varia de 5,5% a 40%… O imposto nativo sobre a renda tem baixa participação no total das receitas tributárias de apenas 6,6% do PIB, enquanto a média dos países europeus é de 13,6%. Além disso, no Brasil há apenas duas alíquotas, de 15% e 27,5%, enquanto nos EUA existem cinco categorias, o que torna o imposto mais justo”.
A manipulação dos números
Para a especialista Leda Paulani, professora de economia da USP, o sistema tributário brasileiro é injusto porque é regressivo – quem ganha menos paga mais impostos e o setor produtivo é mais penalizado do que os que lucram com a especulação financeira. Para ela, seria necessário reduzir as contribuições que incidem sobre o consumo, que atingem toda a população, e compensar esta perda com o aumento dos tributos diretos sobre a riqueza e a renda. Mas esta briga é titânica e a correlação de forças é adversa no parlamento. “A discussão sobre o patrimônio é a primeira a ser derrubada no plenário em qualquer tentativa de levar adiante a reforma tributária”, contesta.
Quanto ao volume arrecadado, também há muita manipulação. De janeiro a outubro, a Receita arrecadou R$ 484 bilhões – 14% a mais do que no mesmo período de 2006. Parte deste aumento decorreu do próprio crescimento econômico de 5,2% nos três primeiros trimestres. Outra parte derivou da maior eficiência da fiscalização sobre os sonegadores. Além disso, como alerta Amir Khair, ex-secretário de Finanças da capital paulista, outra fatia enriquece os rentistas por meio de juros que remuneram títulos da dívida pública. “Da carga tributária de 34,2%, em 2006, foram abatidos 6,8% em juros. O que a União teve em caixa, na verdade, foi 27,4% do PIB para custeio e investimento. E não os alardeados 40% sempre sacados da cartola dos que reclamam da carga”.
As benesses para os ricaços
Na prática, o trabalhador é quem paga mais impostos no Brasil, já que o tributo é descontado na folha de pagamento. O chamado setor produtivo também sofre em decorrência do efeito cascata dos tributos. Já os tubarões contribuem bem menos proporcionalmente, quando não sonegam ou driblam o fisco através das isenções e elisões fiscais (brechas na legislação) e da informalidade. Parte destes bilhões não arrecadados é desviada para os paraísos fiscais no exterior. No caso da economia informal, Pedro Tolentino, presidente da Unafisco, afirma que é impossível mensurar o desfalque, “mas há cálculos de que, para cada um real pago à Receita, um real é sonegado”.
A revista Carta Capital ainda registra outras três benesses concedidas aos ricaços. Até hoje não foi regulamentado o Imposto sobre Grandes Fortunas, apesar de ser contemplado na Constituição de 1988. Já os latifundiários e barões do agronegócio são beneficiados pelas medíocres alíquotas do Imposto Territorial Rural (ITR), além de contarem com a precária estrutura de fiscalização no campo. “Por fim, os grandes sonegadores abrigam-se no Judiciário, diz Khair. ‘Uma execução fiscal leva anos e anos para ser resolvida’. Não raro, quando a decisão sai, o devedor já fechou as portas, mudou a razão social ou lançou mão de outra manobra para não quitar os débitos”.
De todos os setores da burguesia beneficiados pelo injusto sistema tributário o que menos pode reclamar é o capital financeiro. Principalmente a partir do reinado de FHC, em 1995, a legislação privilegiou banqueiros e rentistas. “A remuneração dos juros de capital próprio permitiu que os cinco maiores bancos do sistema financeiro nacional tivessem uma redução nas despesas com encargos tributários no montante de R$ 2,1 bilhões em 2005. Isso num ano em que lucro líquido das instituições registrou expressivo crescimento de 49,9%, para R$ 18,8 bilhões. Fora que os investidores estrangeiros são isentos de impostos quando adquirem títulos da dívida pública”.
(*) Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
Fonte: DIAP