Por Marcela Cornelli
O Plenário da Câmara aprovou ontem a Medida Provisória 131/03, que libera o plantio e comercialização da safra de soja transgênica de 2004. Vários partidos da base aliada, inclusive o PT, liberaram suas bancadas para que cada deputado votasse como quisesse, devido às discordâncias em relação a essa liberação. A plantação do produto no Brasil já chega a 58 milhões de hectares.
ACORDO
O relator da MP, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), acatou duas emendas da Oposição, em acordo que acelerou a votação
Uma das mudanças concede anistia aos agricultores que plantaram sementes contrabandeadas de soja transgênica antes da safra de 2003, selando a isonomia entre os produtores. O outro artigo incluído no relatório da MP autoriza o registro provisório no Registro Nacional de Cultivares e a multiplicação das mais de 40 variedades de sementes de soja geneticamente modificada que permaneciam embargadas por decisão judicial no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Segundo o deputado Moacir Michelleto (PMDB-PR), autor da emenda que propôs a liberação da reprodução das sementes, trata-se de uma medida que garante o abastecimento de sementes de soja geneticamente modificadas. “Esse artigo ficará submetido à lei da biossegurança. Elas poderão ser incineradas no futuro se o projeto em questão assim estabelecer”, assinalou.
Edélsio Vigna, coordenador de política de segurança alimentar da ONG Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), classificou a inclusão do artigo como “lamentável”. “A lei de biossegurança que foi enviada pelo Executivo ao Congresso prevê que o organismo transgênico só pode ser liberado se for analisado caso a caso. Não adianta nada liberar a multiplicação das sementes da Embrapa, pois a empresa utiliza a tecnologia da Monsanto, que continuará a ganhando na venda do glifosato (herbicida). É preciso investir no desenvolvimento da tecnologia para substituir essa tecnologia”.
Na discussão do tema, os deputados que se pronunciaram a favor da MP apresentaram argumentos como o ganho de produtividade proporcionado pelo uso desse tipo de semente; a necessidade de desenvolvimento de biotecnologia no País; e o fato de que a soja transgênica exige menos agrotóxicos.
Para os deputados contrários à medida, os riscos à saúde e ao meio ambiente foram os principais argumentos. Segundo os parlamentares, o uso de elementos transgênicos pode provocar o desaparecimento de várias espécies de insetos e outros animais, afetando a cadeia alimentar, além de não haver segurança na liberação para o consumo humano. Foram citados ainda estudos feitos na Inglaterra que indicam a produção de toxinas por elementos geneticamente modificados.
O texto aprovado isenta os plantadores de apresentarem licenças ambientais e de efetuarem o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima), mas veda a comercialização dos grãos da safra de 2003 geneticamente modificados como sementes. A comercialização da safra de soja transgênica a ser colhida no próximo ano deverá ocorrer até 31 de janeiro de 2005. Esse prazo ainda poderá ser prorrogado por mais 60 dias pelo Executivo.
A MP também determina que será proibido o plantio das variedades geneticamente modificadas nas áreas de unidades de conservação, nas terras indígenas, nas áreas de proteção a mananciais de uso para abastecimento público e em áreas prioritárias de conservação da biodiversidade a serem definidas pelo Ministério do Meio Ambiente. Uma Comissão de Acompanhamento com representantes de diversos ministérios envolvidos no tema e de outros órgãos acompanhará o cumprimento das regras da medida.
PROTESTO
Pouco antes da votação, manifestantes do Acampamento Chico Mendes da Via Campesina (liga internacional que reúne movimentos sociais de camponeses a qual faz parte o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), instalados em Brasília desde 12 de setembro, fizeram uma manifestação contra a aprovação da MP 131. “Queremos dizer que o povo brasileiro não é cobaia de veneno e de semente transgênicas. Ficaremos acampados até a lei de biossegurança ser devidamente aprovada”, declarou Ivanildo Vieira, um dos integrantes do protesto.
OUTROS PONTOS DO TEXTO:
– São proibidos o plantio e a comercialização de sementes relativas à safra de grãos de soja geneticamente modificada de 2004.
– O consumidor deverá ser informado, em rótulo adequado, a respeito da origem da soja transgênica e de seus derivados e da presença de organismo geneticamente modificado;
– A responsabilidade por danos ao meio ambiente e a terceiros deverá ser assumida também pelas empresas detentoras da patente da soja geneticamente modificada;
– Os royalties devidos às empresas detentoras da patente de soja transgênica serão cobrados apenas na comercialização das sementes, e não na dos grãos;
– Ficam vedados, em todo o território nacional, a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias aplicáveis à cultura da soja para gerar plantas estéreis; também é proibida qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos;
– Para obter empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), o produtor de soja convencional que não estiver abrangido por portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, não apresentar notas fiscais de sementes certificadas ou a certificação dos grãos a serem usados como sementes, deverá firmar declaração simplificada de produtor de soja convencional;
– O produtor de soja geneticamente modificada que não assinar o Termo de Compromisso ficará impedido de obter empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do SNCR; não terá acesso a eventuais benefícios fiscais ou creditícios; e não será admitido em programas de repactuação ou parcelamento de dívidas relativas a tributos e contribuições instituídos pelo Governo Federal;
– O Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta que os produtores serão obrigados a assinar até 9 de dezembro de 2003 não terá mais eficácia de título executivo extrajudicial. Esse aspecto foi considerado inconstitucional pelo relator porque altera matéria processual civil, que, de acordo com a Constituição, não pode ser modificada por Medida Provisória.
Fontes: Agências Câmara e Carta Maior