Por Altamiro Borges*
Acossado pela “elite branca”, que articula o golpista “Cansei”, o presidente Lula precisa tomar cuidado para também não perder de vez o apoio de um importante segmento dos trabalhadores. No mês passado, o governo mais uma vez surpreendeu o sindicalismo ao enviar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar que cria as chamadas fundações estatais de direito privado. De imediato, a CUT e a Força Sindical condenaram a proposta por ela representar a privatização disfarçada dos serviços públicos e o fim da estabilidade do funcionalismo, que passaria a ser contratado por meio da Consolidação das Leis do Trabalho [CLT].
As centrais e as entidades do funcionalismo vão recorrer judicialmente contra o projeto e não descartam a possibilidade de uma greve geral no setor. “Ele acaba com a estabilidade e isto torna o serviço público ainda mais vulnerável aos fatores políticos”, critica Quintino Severo, secretário-geral da CUT. “A grave situação dos serviços públicos, em especial na saúde e na educação, não pode recair sobre os ombros do funcionalismo. Ela é resultado da falta de investimentos no setor e dos superávits gerados para pagar a dívida sob o controle do sistema financeiro”, acrescenta João Carlos Gonçalves, o Juruna, dirigente da Força Sindical.
Interferência do Banco Mundial
O projeto das fundações estatais foi fabricado nos laboratórios do Ministério do Planejamento, hoje o principal reduto neoliberal depois da queda do ministro Antônio Palocci. Ele é bastante abrangente e perigoso. “O Poder Público poderá instituir fundações estatais com personalidade jurídica de direito privado para o desenvolvimento de atividades que não tenham fins lucrativos, não sejam exclusivas do Estado e não exijam o exercício do poder de autoridade, em áreas como educação, assistência social, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura, desporto, turismo, comunicação e previdência complementar do serviço público”.
Este contrabando teve a assistência direta dos tecnocratas do Banco Mundial, conforme atesta documento disponível na página eletrônica deste órgão do capital financeiro. Ele foi acionado para realizar avaliações e propostas visando “aumentar a qualidade da gestão e racionalizar o gasto público”. Em maio passado, o jornal O Globo revelou que “o relatório do Banco Mundial foi coordenado pelo especialista-líder em saúde do Bird no Brasil, Gerard La Forgia”. Estes e outros fatos graves confirmam a suspeita de que as fundações estatais fazem parte da estratégia mundial do sistema financeiro para abocanhar altos lucros nos serviços públicos privatizados.
Os paradigmas neoliberais
Um documento prévio do Ministério do Planejamento também confirmou sua afinidade com os dogmas neoliberais. Revelou que o governo Lula “deu início em 2005 a uma série de estudos e análises críticas sobre as atuais formas jurídico-instituiconais da administração pública, com o objetivo de propor ajustes que conduzam a um arcabouço legal mais consistente e afinado com os novos paradigmas e desafios impostos à gestão pública”. O intento principal do Ministério seria o de regulamentar a Emenda Constitucional número 19, de junho de 1998, imposta por FHC e acusada, inclusive pelo partido do presidente, de emenda da contra-reforma do Estado.
Caso este projeto vingue, ele consolidará a privatização do setor público iniciada no governo Collor de Mello e agravada no reinado de FHC. Como afirma a professora Sara Granemann, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “a contra-reforma estatal que permitiu à iniciativa privada transformar quase todas as dimensões da vida social em negócios, ao definir de modo rebaixado o que são as atividades exclusivas do Estado – ação que permitiu a entrega das estatais ao mercado pela via das privatizações – tem no Projeto Fundação Estatal um estágio aprofundado da transformação do Estado em mínimo para o trabalho e máximo para o capital”.
Anarquia de mercado
Entre outros prejuízos, as fundações estatais poderão visar o lucro, realizando parcerias com a iniciativa privada, o que é uma aberração no setor público, que deveria ter como único objetivo o bem-estar da sociedade, que paga impostos. Na prática, seguirão as danosas experiências das Organizações Sociais [OS] e de muitas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público [OSCIP], já implementadas pelo tucanato em São Paulo, com péssimos resultados na qualidade dos serviços. Elas ainda serão regidas por estatutos próprios, o que trará a anarquia do mercado ao setor público, e não terão qualquer mecanismo de controle da sociedade sobre os serviços.
O projeto também garante que “as fundações estatais que atuarem nas áreas sociais gozarão de imunidade tributária sobre o patrimônio, renda ou serviços relacionados com suas finalidades essenciais e serão isentas da contribuição da seguridade social”. Esta outra aberração, bem ao gosto do “deus-mercado”, permitirá que as fundações utilizem os recursos do Estado, mas não contribuam para a formação do fundo da seguridade que sustenta a própria política social. Ao ficarem isentas de impostos e contribuições, elas serão alvo da cobiça das empresas privadas, representarão mais um fardo nas receitas do Estado e fragilizarão a seguridade social.
Desemprego e rotatividade
Além da piora dos serviços, a fundação estatal é um duro golpe nos direitos dos trabalhadores. A forma de contratação será a do regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho [CLT], com o fim da estabilidade no emprego dos servidores públicos. Segundo a cínica justificativa do Ministério do Planejamento, “nas áreas em que atua de forma concorrente com a iniciativa privada, é indispensável que o Estado possa aplicar o regime celetista, mais flexível e aberto à inovação e à especialidade”. Na verdade, essa mudança visa golpear a estabilidade do servidor, estimular a rotatividade no emprego e reduzir o poder de barganha do sindicalismo deste setor.
Como um ente “autônomo”, cada fundação terá o seu próprio quadro de pessoal e, como efeito, o seu plano de cargos e salários, o que fragmentará e estimulará a divisão do funcionalismo – mais uma vez golpeando a sua capacidade de resistência e organização. Como afirma Denise Motta, integrante da executiva nacional da CUT, esse projeto não serve à sociedade e nem aos trabalhadores e precisa ser derrubado. “Está na contramão das iniciativas do governo federal de fortalecer importantes áreas das políticas públicas, através da contratação de 30 mil servidores concursados… A precarizaçao do trabalho – traduzida na perda de estabilidade no emprego – não é compatível com o real desenvolvimento que todos pretendemos”.
*Altamiro Borges, Miro é jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro ‘As encruzilhadas do sindicalismo’ (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
Fonte: Vermelho