por Altamiro Borges*
No momento em que o governo Lula alardeia o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), garantindo que ele gerará empregos e renda, o mundo do trabalho sofre um ataque cerrado que há muito não se via. De uma única vez, estão em pauta a Emenda 3, que estimula a precarização do trabalho; mudanças regressivas na Previdência, com a redução do auxílio-doença e o aumento da idade de aposentadoria; e duras restrições ao direito de greve do funcionalismo público e dos trabalhadores dos “serviços essenciais”. Como afirma o secretário-geral da CUT, Quintino Severo, “é um dos piores momentos para os trabalhadores”. “Há um ataque generalizado aos direitos. Estamos em perigo”, concorda o deputado Paulinho, da Força Sindical.
A perversa emenda TV Globo
No caso da Emenda 3, ela surgiu como contrabando no bojo da votação do projeto da Super-Receita. A sua aprovação confirmou a correlação extremamente desfavorável aos trabalhadores no parlamento. A emenda proíbe os fiscais de multarem empresas que substituam trabalhadores registrados por prestadores de serviço (pessoa jurídica, PJ), o que, na prática, estimula a sonegação dos direitos trabalhistas e incentiva, inclusive, a ampliação do trabalho escravo. A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) já advertiu para o risco de retrocesso no combate à escravidão no campo. Alertado, o presidente Lula, num ato de coragem pouco usual e revelador de seu instinto de classe, vetou a medida. A gritaria do capital, porém, é violenta.
A guerra, com nítido viés de classe, está declarada e ainda não se sabe quem será o vencedor. As entidades patronais e a sua mídia venal – a medida já foi batizada de “emenda da TV Globo” – colocaram suas tropas em campo para pressionar o governo e para “seduzir” os parlamentares. Já no outro extremo, o sindicalismo superou suas divergências e uniu forças para apoiar o veto presidencial. Nos últimos dias, os trabalhadores voltaram às ruas, com greves e passeatas que também há tempos não se via. Destaque para a greve do Metrô Paulista, alvo da fúria autoritária de José Serra que demitiu cinco diretores do sindicato, e para os protestos dos metalúrgicos de Caxias (RS). O tema também foi o principal destaque das manifestações do 1º de Maio.
Bombeiros, incendiários e lutadores
Diante do impasse, os conciliadores se apressam como bombeiros da crise, o capital manobra para bancar o mesmo veneno com outro invólucro e o sindicalismo ameaça com novas greves e evita o terreno adverso do parlamento. O Ministério da Fazenda deve apresentar nos próximos dias uma “alternativa” à Emenda 3, que preserve os direitos de algumas categorias e flexibilize a fiscalização em outros setores. A idéia é legalizar a contratação das PJs em casos específicos, como o dos profissionais liberais. “Reconhecemos que é lícita a contratação de pessoas jurídicas em alguns casos, mas queremos evitar a precarização”, concilia o ministro Guido Mantega. A proposta alternativa, entretanto, não contentou nem o capital nem o trabalho.
Ciente de que é difícil derrubar o veto, o patronato parece que agora abraçou a proposta do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), presidente da Comissão de Trabalho e membro da base aliada do governo. Pegando carona no debate da Emenda 3, ele propõe que os direitos trabalhistas sejam negociados “livremente”, sem qualquer mediação ou fiscalização do Estado. Para “evitar a polêmica” sobre a ação dos fiscais, o deputado defende que a Carteira de Trabalho seja substituída por um cartão magnético e que a negociação coletiva dê lugar às negociações individuais e diretas. “Os defensores da precarização perderam o senso de realidade”, reage Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Já as centrais sindicais ameaçam radicalizar a pressão caso o veto presidencial seja derrubado ou qualquer outra medida, com o mesmo teor, seja aprovada. “Vamos parar o Brasil”, garante o presidente da CUT, Artur Henrique. “A gente vai tocar mais fogo ainda”, concorda o deputado Paulinho. O próprio ministro do Trabalho, Carlos Lupi, do mesmo partido do presidente da Força Sindical (PDT), avalia que não há clima para qualquer rasteira nos trabalhadores. “Se o vetor for derrubado, vai ser um divisor de águas no nosso governo. Vamos ter uma luta de classes com conseqüências que não sabemos quais serão”, adverte. Numa atitude progressista, ele se posicionou frontalmente contra a Emenda 3, “que estimula o trabalho escravo”.
Regressões na Previdência Social
Se não bastasse a acirrada luta contra a Emenda 3, os trabalhadores também estão diante de outras graves ameaças. Desde março, o Fórum Nacional da Previdência Social, a instância tripartite criada pelo governo, orquestra novos ataques aos direitos previdenciários. Neste caso, os patrões e o governo demonstram maior sintonia contra o trabalho. As centrais sindicais inclusive já advertiram que poderão abandonar seus acentos neste fórum assimétrico. Entre outras idéias regressivas, governo e patrões discutem elevar a idade mínima da aposentadoria para 65 anos, reduzir as contribuições previdenciárias das empresas e incentivar os fundos privados de pensão – tudo bem ao gosto das corporações capitalistas, em especial da ditadura financeira.
Para piorar, conforme noticiou a Agência Carta Maior, “os trabalhadores do setor privado também correm o risco de enfrentar mais obstáculos para obter benefícios da Previdência. Por interesse do governo, o Senado tenta votar projeto de senador Aloizio Mercadante (PT-SP) que muda o cálculo do valor do auxílio-doença pago pelo INSS e, na prática, reduz o pagamento. A despesa com o benefício explodiu nos últimos anos e o Ministério da Previdência diz que há distorções. Mas, para as centrais, a pretexto de corrigir as distorções, todos os trabalhadores serão prejudicados. Estima-se que o valor do benefício cairia até 80%”. Já o novo ministro da Previdência, Luiz Marinho, passou a defender uma estranha redução das pensões.
Diante da insólita idéia, o jornalista Jânio de Freitas aproveitou para tirar uma casquinha dos sindicalistas-ministros. “A proposta com que o sindicalista Luiz Marinho, ex-presidente da CUT, inaugura a sua estada como ministro da Previdência é de um reacionarismo imoral. Quer esse sindicalista a redução das pensões por morte à sua metade, com o eventual acréscimo de 10% se houver, além da viúva, dependente menor. Isso, neste país que ostenta a mais indecente aposentadoria dos assalariados, assistência social que é uma humilhação e salários que não permitem ao trabalhador se prover nem sequer minimamente para os males da velhice”, fustiga o colunista, um ácido crítico do governo Lula e do chamado “neopeleguismo”.
Restrições ao direito de greve
Por último, o governo confirmou que ultima a redação de um projeto de lei para restringir o direito de greve dos servidores públicos e dos trabalhadores dos “serviços essenciais”, como os metroviários, condutores de ônibus e funcionários do setor de saúde. O ministro Paulo Bernardo, outro sindicalista que se converteu ao credo neoliberal e é hoje o principal representante do “paloccismo” no governo, já antecipou que o projeto deverá proibir a greve em determinadas categorias, fixar quorum mínimo para as assembléias e instituir o corte de salários por dias parados. “A Constituição diz que o servidor tem direito de fazer greve, mas temos que preservar os interesses do cidadão. A greve tem que ter limites”, insiste o ministro-sindicalista.
Essa proposta anti-sindical e inconstitucional veio à tona no exato momento do lançamento do PAC, o que gerou desconfianças do sindicalismo sobre o real alcance deste plano de crescimento. O petardo não surgiu por acaso. Ocorre que o PAC define que a folha de pagamento do funcionalismo só poderá ter aumento real de salário de 1,5% anual na próxima década. A medida, que não afeta apenas os interesses dos servidores, já que sinaliza para um estancamento do crescimento do próprio Estado, tende a ser o estopim de várias greves dos servidores públicos. Daí a precipitação do governo ao lançar um projeto de restrição ao direito de greve, o que pode manchar a própria biografia do presidente Lula, oriundo das lutas grevistas e do sindicalismo.
A idéia gerou imediata reação. Em nota oficial, a CUT exigiu a regulamentação do direito de negociação do funcionalismo e rejeitou a proposta de Paulo Bernardo. “Falar em proibir as greves em determinados setores é um absurdo”. A entidade dos servidores federais, Condesef, também chiou: “Estão tentando desconstruir o que conquistamos na Constituição de 1988, que nos permite o direito de greve e de organização sindical”. Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que “o direito de greve foi assegurado aos servidores públicos. É preciso apenas, por via de lei complementar, estabelecer a forma do seu exercício e não a da sua proibição. Se a intenção for a da restrição já está se prenunciado uma visível inconstitucionalidade”.
Autonomia e pressão das ruas
Como se nota, o momento é de um ataque frontal aos direitos dos trabalhadores e exigirá muita habilidade e combatividade do sindicalismo. Ele precisará combinar com maestria a firme defesa de sua autonomia, com a intensificação da pressão das ruas e a inteligência política para não fazer o jogo dos inimigos. No caso da Emenda 3, somente os sectários não percebem que é preciso apoiar o veto do presidente Lula, que se choca com os interesses do capital. Já nos outros pontos – reforma previdenciária, restrição ao direito de greve e arrocho dos servidores –, ele não poderá vacilar no combate às idéias regressivas gestadas no governo Lula.
Ao menos na retórica, a CUT sinaliza que não adotará a mesma postura passiva tomada quando da primeira reforma da Previdência do governo Lula, em 2003. Na ocasião, a central perdeu importantes sindicatos do funcionalismo, indignados com a ausência de autonomia da sua central na unificação da resistência. Agora, aparentemente o tom é diferente. Mesmo a Força Sindical parece ter mudado de atitude, radicalizando suas críticas a qualquer medida contrária ao trabalho e, inclusive, somando-se à luta do funcionalismo. Outros movimentos também se preparam para o confronto, como ficou visível no recente Encontro Nacional contra as Reformas Neoliberais, que reuniu mais de 5 mil ativistas do Conlutas, Intersindical e pastorais da igreja.
Há consenso de que é preciso unificar e intensificar a pressão social. Estas contendas, que expressam o real antagonismo de classe no Brasil, serão decididas nas ruas. “Não está no Congresso a nossa resistência. Está fora, na nossa capacidade de mobilização”, afirma Quintino Severo, dirigente da CUT. “Aqui não passa de 150 os que votam com os trabalhadores. Para ter mais do que isso, é preciso ter pressão popular”, concorda Paulinho da Força. Inclusive no item da Emenda 3, a tendência maior é de que o Legislativo derrube o veto presidencial ou formule outro contrabando sobre a precarização. “Não temos segurança de que o veto será mantido”, diz Quintino. “Se puser o veto em votação, temos certeza que perdemos”, acrescenta Paulinho.
*Altamiro Borges, Miro é jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)
Fonte: Portal Vermelho