Causou forte impacto na mídia a manifestação do economista Paulo Tafner, do IPEA, que concluiu um estudo no qual, em linhas gerais, afirma ser a Previdência Social brasileira um exemplo de generosidade para com seus beneficiários. Segundo o pesquisador, “fatores como a ausência de idade mínima para a concessão de aposentadorias por tempo de contribuição, limites de idade para viúvas ou comprovação de dependência financeira para ter direito a pensões por morte fazem do sistema de Previdência Social do Brasil um dos mais “generosos” do mundo”.
Ainda que tal conclusão seja baseada em alguns aspectos nos quais o economista tem alguma razão, não podemos concordar com a conclusão a que se chegou, por diversos motivos.
A Previdência deveria ser – assim exige a Constituição, como um de seus objetivos – um sistema capaz de gerar proteção social a todos os trabalhadores e seus dependentes, por razões de doença, acidente de trabalho, maternidade, idade avançada, reclusão e morte. Todavia, por conta de distorções que existem, não na legislação, mas na gestão do sistema, tal proteção não atinge praticamente a metade daqueles que deveriam contar com o seguro social.
Fenômenos como o da informalidade das relações de trabalho, a sonegação fiscal, a ausência de tratamento justo das graves questões envolvendo a interpretação das regras jurídicas pelos próprios servidores do INSS responsáveis pelo atendimento ao público, entre outros motivos, levam o cidadão brasileiro, certamente, a uma conclusão extremamente oposta à da pesquisa do IPEA.
Não pode ser chamada de “generosa” uma Previdência que não fiscaliza o “trabalho sem carteira assinada”, permitindo que a fraude aos Direitos Sociais seja quase a regra (metade da mão-de-obra do País), em vez de exceção. A conseqüência da informalidade é nociva para toda a sociedade, pois o trabalhador sem registro não consegue, por exemplo, caso sofra um acidente ou seja vitimado por doença, receber o benefício que lhe seria devido, porque, por força da interpretação que se dá, teria ele que provar – por documentos – que trabalha em condições típicas de um empregado. Com isso, apesar de ter trabalhado, terá de viver na indigência, pois nem irá trabalhar, nem terá renda que possa substituir o seu rendimento. Da mesma forma, se este trabalhador sem registro vem a falecer, seus dependentes não terão direito à supostamente “generosa” pensão paga pelo INSS, porque deles também será exigida a comprovação de que ele era trabalhador, quando o dever de verificar se tal informação é verdadeira ou não deveria ser do órgão previdenciário, que tem auditores-fiscais para este fim. O resultado é o mesmo: a família do trabalhador ficará à mercê da caridade alheia.
É incorreto apelidar de “generosa” a Previdência quando esta demora meses para reconhecer o direito de seus segurados, por falhas no atendimento ao público, decorrentes de uma visão equivocada de que, a princípio, o segurado pode estar ali para fraudar os cofres públicos, exigindo que a pessoa se dirija várias vezes à agência do INSS, que muitas vezes somente concede o benefício depois de ser acionado judicialmente, causando graves prejuízos à subsistência das pessoas, como nas hipóteses em que o trabalhador move ação trabalhista contra o seu empregador para ver reconhecida a relação de emprego e o INSS não considera suficiente a decisão judicial da Justiça do Trabalho para computar o tempo trabalhado para fins de aposentadoria.
Na condição de membro integrante do Fórum Nacional da Previdência Social, convém deixar claro que tal conclusão foi fortemente contestada por diversos outros membros, na reunião de terça-feira passada (10/4), não se caracterizando, portanto, como pensamento dominante entre seus participantes.
Seguimos conscientes de que qualquer alteração que vise tornar a Previdência Social brasileira verdadeiramente justa, e não falsamente generosa, passa, obrigatoriamente: a) pela inclusão de todos os trabalhadores no sistema, combatendo a sonegação e a informalidade; b) pela substituição do pensamento de que cabe ao trabalhador comprovar a condição de segurado, quando é o Poder Público dotado de pessoas que têm por dever verificar o cumprimento da legislação – leia-se, os auditores-fiscais da agora “Super-Receita”; e finalmente c) que se estabeleça um tratamento justo e adequado aos segurados e seus dependentes, eliminando a demora na solução dos processos administrativos de concessão e revisão de benefícios, com isso evitando que pessoas que durante anos a fio cederam sua força de trabalho à sociedade não venham a ser tratados como indigentes, resgatando o caráter fundamental desta insubstituível política social.
Carlos Alberto Pereira de Castro
Presidente da AMATRA 12