Ao responder a uma pergunta sobre a suposta existência de manifestações racistas de negros contra brancos no Brasil, a ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), respondeu que compreende a ocorrência deste tipo de comportamento. A declaração está repercutindo na grande imprensa como de incentivo ao racismo. Mas uma leitura mais atenta da declaração completa da ministra desfaz o mal-entendido.
A ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir) concedeu nesta terça-feira (27) uma entrevista à jornalista Denize Bacoccina, da BBC Brasil, para lembrar os 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo Império Britânico, tido como o ponto de partida para o fim da escravidão em todo o mundo.
Ao responder a uma pergunta da jornalista sobre a suposta existência de manifestações racistas de negros contra brancos no Brasil, a ministra respondeu que compreende a ocorrência deste tipo de comportamento. A ministra frisou que não aprova nem estimula este tipo de comportamento, mas avalia que é uma reação natural de quem foi “açoitado a vida inteira”. Segundo a BBC, as palavras da miunistra foram as seguintes: “Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”.
Apesar de todas ressalvas que buscou frisar em sua resposta, a declaração da ministra está repercutindo na maior parte dos órgãos da grande imprensa como sendo uma declaração de incentivo ao racismo.
Até as 17h40 desta terça-feira não havia no site da Secretaria nenhum comentário sobre as declarações da ministra, mas no próprio site da Seppir consta a biografia de Matilde Ribeiro. Nela, não há espaço para dúvidas sobre o compromisso da ministra com o combate a todas as formas de racismo.
Confira abaixo a íntegra da entrevista da ministra à BBC Brasil:
De acordo com as estatísticas, a proporção de negros abaixo da linha da pobreza na população brasileira é de 50%, enquanto entre os brancos é de 25%. Quando isso vai começar a mudar?
Matilde Ribeiro – As ações neste momento ainda são na ordem da estruturação das políticas. Por exemplo, no Ministério da Saúde estamos incluindo o quesito cor nos formulários. Precisamos ter referência do que adoece e morre a população brasileira, para poder ter programas específicos.
A secretaria já tem quatro anos, o que se pode perceber de resultado prático neste período?
Matilde Ribeiro – Na educação, uma lei de 2003 obriga o ensino da história e cultura afro-brasileiras para as crianças, desde o início. O processo de implementação está em curso. É muito difícil ter números, resultados concretos. Mas já tem alguns resultados. Por exemplo, o (programa) Prouni, de bolsas de estudos para alunos carentes de escolas, já concedeu em menos de três anos mais de 200 mil bolsas no Brasil, dos quais 63 mil negros e 3 mil indígenas.
E em quanto tempo a senhora acha que poderemos ter uma situação de igualdade, onde as pessoas sejam julgadas pelo mérito, independentemente da raça?
Matilde Ribeiro – No Brasil, o racismo não se dá por lei, como foi na África do Sul. Isso nos levou a uma mistura. Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão. Há um debate se aqui a questão é racial ou social. Eu diria que é as duas coisas. O Brasil tem 507 anos. Há quase 120 anos, em 1888, foi assinado um decreto como este que o presidente assinou dizendo que não havia mais escravidão no Brasil. Só que não houve uma seqüência. Hoje, o fato de os negros e os indígenas serem os mais pobres entre os pobres é resultado de um descaso histórico. Então fica muito difícil hoje afirmar quanto tempo.
Como o Brasil se coloca no contexto internacional? O Brasil gosta de pensar que não tem discriminação e gosta de se citar como exemplo de integração. É assim que a senhora vê a situação?
Matilde Ribeiro – É o seguinte: chegaram os europeus numa terra de índios, aí chegaram os africanos que não escolheram estar aqui, foram capturados e chegaram aqui como coisa. Os indígenas e os negros não eram os donos das armas, não eram os donos das leis, não eram os donos dos bens de consumo. A forma que eles encontraram para sobreviver não foi pelo conflito explícito. No Brasil, o racismo não se dá por lei, como foi na África do Sul. Isso nos levou a uma mistura. Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão. Há um debate se aqui a questão é racial ou social. Eu diria que é as duas coisas.
E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?
Matilde Ribeiro – Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.
Neste mês, a Grã-Bretanha comemora os 200 anos da proibição do comércio de escravos, coisa que no Brasil só aconteceu muito tempo depois. O Brasil ainda continua atrasado nesta área?
Matilde Ribeiro – Não, nós temos acompanhado os fóruns internacionais. O Brasil é um dos países mais progressistas neste aspecto de legislação e de ação efetiva. A legislação no Brasil é extremamente avançada. Não é pela via legal que o racismo acontece. O que falta é mudança de postura das pessoas. Não adianta só o governo fazer. Muito já foi feito, mas como você disse no início: alterou os índices? Ainda não, portanto temos muito a fazer.
Fonte: Vermelho