Os conflitos e a violência rural no Brasil cresceram nos três primeiros anos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o livro Direitos Humanos no Brasil 2 – Diagnóstico e Perspectivas, lançado ontem (28), há duas explicações para isso: aumento no número de ocupações, quando os trabalhadores viram a possibilidade de acesso à terra pela esperada reforma agrária; e a reação contrária dos ruralistas que buscaram intimidar os trabalhadores e seus movimentos.
O assunto é tratado no artigo “Direito Humano à Terra: a construção de um marco de resistência às violações”, assinado por Antônio Canuto, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e Leandro Gorsdorf, da entidade Terra de Direitos. O texto compõe a obra que traz um monitoramento dos direitos humanos no país. Parceiros na publicação: Movimento Nacional de Direitos Humanos; Plataforma Brasileira de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Processo de Articulação e Diálogo entre as Agências Ecumênicas Européias e Parceiros Brasileiros; e entidades da Miseror (Igreja Católica da Alemanha) no Brasil.
De acordo com informações do artigo, baseadas em dados da CPT, houve crescimento na expulsão de famílias de propriedades rurais, entre 2002 e 2005: passou de 1.156, em 2002, para 2.907 no ano seguinte (151% a mais). Em 2004, subiu para 3.063 famílias expulsas, e em 2005 chegou a 4.336. Já o número dos que sofreram agressões físicas, em 2002, chegou a 26. Saltou para 405 um ano depois. Nos anos seguintes foram 30, em 2004, e 63 em 2005. Já os feridos passaram de 18, em 2002, para 48 em 2003; 325, em 2004, e 166, em 2005. A tortura também foi utilizada contra os trabalhadores; 20 casos registrados em 2002; 16 no ano seguinte; 54 em 2004 e 33 um ano depois.
O número de ocupações de terra, que em 2002 foi de 184, mais que dobrou em 2003, passando para 391, crescendo para 429 (2004) e chegando a 437 (2005). Isso se refletiu no número de assassinatos cometidos pelos poderes público (policiais militares) e privado. Saltou de 43, em 2002, para 73 no ano seguinte – 69% maior. Em 2004, caiu para 39, e em 2005 para 38. Número de prisões: em 2002, 158 camponeses foram presos, e em 2003 chegou a 380 (crescimento de 140%). Em 2004, as prisões somaram 421, caindo para 261 no ano seguinte.
“Os trabalhadores, animados com a sua ascensão ao poder (via Lula), viram que havia chegado a hora de ver realizado o direito a ter acesso à terra. Daí o salto no número de ocupações em 2003 e 2004. Ao incremento das ações dos camponeses, houve um crescimento impressionante de agressões aos direitos deles. Latifundiários e empresários rurais, assustados com a vitória de Lula, orquestraram uma reação forte”, ressalta o artigo de Canuto e Gorsdorf.
Aliado a essa ação, prossegue o texto, os proprietários rurais encontraram no Poder Judiciário “um forte aliado”. Sublinham os autores: “Mais do que lento para julgar crimes cometidos contra os trabalhadores, ele (Judiciário) tem-se mostrado sempre muito ágil e rápido no julgamento das ações em que os camponeses figuram como réus”. Dado: de 2002 para 2003, o número de famílias despejadas teve um acréscimo de 263%. Mais de 100 mil pessoas, por ano, de 2002 a 2005, sofreram com as expulsões da terra, segundo a CPT.
Por outro lado, atesta o artigo, “salta à vista” a impunidade dos crimes cometidos contra os trabalhadores rurais. De acordo com dados do CPT, de 1985 a 2005 ocorreram 1.063 conflitos com morte. Foram assassinadas 1.425 pessoas entre trabalhadores, lideranças, agentes de pastoral e outros que apóiam a luta pelo direito à terra. Somente 78 desses homicídios foram julgados, e apenas 67 executores e 15 mandantes condenados. “A impunidade alimenta cada vez mais a força dos que violam os direitos dos trabalhadores do campo e a espiral da violência”, frisa os autores.
Já o número de conflitos no campo impressiona. Nos anos anteriores ao primeiro ano do governo Lula, só em 1998 o número ultrapassou o milhar (1.100). Em 2003 subiu para 1.690, depois para 1.801 (2004) e chegou a 1.881 no ano seguinte. O mesmo se reflete na quantidade de pessoas envolvidas: em 1998, rompeu a barreira do milhão (1.139.086). Em 2002, foi de 451.277. Já em 2003 voltou a superar a casa do milhão (1.190.578) – 167% maior que no ano anterior. Nos anos seguintes, a quantidade de envolvidos em conflitos caiu, mas permaneceu acima do milhão: em 2004, 1.083.232 pessoas, e 1.021.355 um ano depois.
“Isso tudo reflete uma tendência que explicita o crescente processo de criminalização dos movimentos sociais ligados a lutas sociais de reivindicação dos direitos econômicos, sociais e culturais. A resposta dada pelo Estado acaba por ser a repressão por intermédio do direito penal, e não a concretização dos direitos postos na Constituição e nos tratados e convenções internacionais”, finaliza os autores.
Fonte: Agência Brasil