Estudo revela que juízes brasileiros tendem a favorecer parte mais forte

Um estudo realizado em 2006 por dois pesquisadores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) revela que o resultado de julgamento realizado no Brasil pode variar conforme a parte envolvida no processo. Brisa Lopes de Mello Ferrão e Ivan César Ribeiro, responsáveis pelo estudo apresentado na Faculdade de Berkley (Califórnia, EUA), analisaram 1.019 acórdãos judiciais e constataram “um franco e consistente favorecimento da parte mais forte”.
A pesquisa veio à público a partir da coluna do jornalista Elio Gaspari, veiculada neste domingo (4/2) pelos jornais O Globo e Folha de S. Paulo. Última Instância acessou o teor do estudo, um paper com 13 folhas em português, postado no Berkeley Program in Law & Economics, por meio do link http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/26.
“Constata-se de forma significante que uma parte mais forte que tenha uma cláusula contratual a seu favor tem 45% a mais de chance de ver o contrato mantido, se comparado a uma parte mais fraca que também tenha uma cláusula contratual a seu favor”, revela o estudo. “Essa parte mais forte terá uma chance maior de ver o contrato que lhe é favorável afastado apenas quando existirem mais normas cogentes [normas jurídicas que não podem ser derrogadas pelas partes] (ou seja, em áreas como a trabalhista, ambiental e previdenciária), entretanto essa redução da probabilidade de preservação do contrato será bem mais modesta (em torno de 15%).”
O objetivo dos pesquisadores foi o de testar de forma empírica a teoria de que os magistrados brasileiros tendem a favorecer a parte mais fraca em um processo como forma de realizar justiça social. Esse “viés pró-devedor” criaria a chamada insegurança jurídica, prejudicando em última análise o crescimento econômico, por meio da atração de investimentos.
A teoria advém de um texto de 2003 de autoria de Pérsio Arida, Edmar Bacha e André Lara Resende, intitulado: “Crédito, Interesse e Incerteza Jurisdicional: Conjecturas sobre o Caso do Brasil”. Dois outros trabalhos reforçariam a teoria, um coordenado por Bolivar Lamounier e outro por Armando Castelar Pinheiro, ambos de 2002.
No entanto, o estudo de Brisa e Ribeiro revelam justamente o contrário. “A hipótese, de acordo com nossa proposição, carece de fundamentos microeconômicos”, dizem os pesquisadores. “Mesmo o argumento tradicional desses teóricos, de que a venda de veículos por alienação fiduciária teria uma taxa de juros menor em função da certeza jurisdicional, carece de comprovação empírica.”
(http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/26.)

Na prática, a teoria é outra…

Lamounier realizou uma pesquisa de opinião com magistrados para saber como eles decidem em casos em que devem escolher entre manter os contratos ou “praticar justiça social”. Em seu trabalho, Pinheiro buscou medir a politização das decisões judiciais, a partir da opinião de 741 magistrados sobre duas posições extremas: manter estritamente o contrato ou afastar o contrato para fazer justiça social. Os dois estudos revelaram um posicionamento entre os juízes pró-devedor, ou a favor da justiça social.
Na prática, os resultados colhidos por Brisa e Ribeiro apontam no sentido inverso. Após a realização de um teste empírico, o estudo confronta as duas hipóteses —pró-devedor ou não— analisando o resultado da regressão com 181 acórdãos selecionados —ao invés de trabalhar com dados de pesquisa de opinião entre os juízes. Em cada acórdão, foi observado se foram mantidas as cláusulas contratuais e qual parte do processo foi favorecida.
Os pesquisadores utilizaram ainda um modelo de regressão chamado modelo de probabilidade probit, que mostra as modificações nas probabilidades de o contrato ser mantido, a partir do aumento das variáveis envolvidas.
“Não existe favorecimento voluntário à parte em desvantagem na relação, assim como o juiz não exorbita em suas atribuições, protegendo estas partes além do disciplinado em lei”, afirmam os pesquisadores no estudo. “O favorecimento dos economicamente privilegiados não se dá através da intervenção direta, mas sim de uma neutralidade que ignora as maiores chances de defesa que o litigante organizacional naturalmente tem a seu favor.”
Quando o processo em questão refere-se às áreas tidas como fundamentais para a “segurança jurídica” —ou seja, as mais ligadas à economia—, aumenta o percentual de respeito ao contrato nas decisões judiciais. A manutenção desse tipo de contrato, em geral, acaba favorecendo a parte mais forte nessa relação.
“Nas áreas apontadas como problemáticas por Pinheiro (2002) e Arida et al (2005), nomeadamente as de crédito e juros bancários e relações comerciais, aponta um crescimento da probabilidade de manutenção do contrato de 39% para 45%, quando são isolados os efeitos da edição de normas cogentes”, diz o estudo.

Fonte: Última Instância