Estado é condenado a pagar dois milhões a inocente que passou 13 anos no cárcere

Estado brasileiro foi condenado em última instância a pagar R$ 2 milhões por danos morais e materiais ao cidadão Marcos Mariano da Silva, de 58 anos, mantido preso ilegalmente por mais de 13 anos no presídio Aníbal Bruno, em Recife-PE.
Naquilo que ficou constado em ata do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como o mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileiro, o julgamento aconteceu ontem, dia 19 de outubro de 2006 na Primeira Turma da Corte Superior, responsável entre outros encargos, pela uniformização de indenizações em direito público.
Por unanimidade, os ministros reconheceram a extrema crueldade a que foi submetido um cidadão pelas instituições públicas. “Marcos Mariano foi preso sem inquérito, sem condenação alguma, e sem direito a nenhuma espécie de defesa”, sustentou o advogado. “Foi simplesmente esquecido no cárcere, onde ficou cego dos dois olhos e submetido aos mais diversos tipos de constrangimento moral”. Além de ter contraído tuberculose na prisão, o brasileiro foi acusado de participar de diversas rebeliões, ficando inclusive mantido em um presídio de segurança máxima por mais de seis meses, sem direito a banho de sol.
“É o caso mais grave que já vi”, assinala a ministra Denise Arruda. “Mostra simplesmente uma falha generalizada do Poder Executivo, do Ministério Público e do Poder Judiciário”. Marcos foi preso em 27 de julho de 1985 e conseguiu o habeas-corpus em 25 de agosto de 1998. Segundo o advogado, a inocência do suposto réu só começou a ser discutida depois que o policial Roberto Galindo assumiu no presídio Aníbal Bruno e decidiu fazer um mutirão judicial para resolver os casos da penitenciária. “O assessor jurídico ficou espantado”, disse. “Não havia nada que justificasse a prisão, a não ser o encaminhamento de um simples ofício”.

Julgamento

“Esse homem morreu e assistiu sua morte no cárcere”, afirmou o ministro Teori Zavaschi. “O pior é que não teve período de luto”, prosseguiu consternado. Marcos viu, durante o período em que permaneceu na prisão, a desagregação de toda a família. Então, casado e com onze filhos, em meados de 87, hoje não lhe restaria nada. Segundo o advogado, apenas uma pensão concedida pelo estado de Pernambuco por meio de um projeto de lei em junho deste ano, no valor de R$ 1.200,00. Os filhos teriam se espalhado mundo afora.
O advogado José Afonso Bragança defendeu o valor da indenização, que na primeira instância teria sido pleiteado em seis milhões de reais. “Imaginem os filhos que cresceram injustamente com a imagem de um pai presidiário?”, perguntou. Os ministros consideraram esse caso ser muito pior do que o de um pai que perde um filho na porta de uma escola ou de torturas, por exemplo. Julgaram a questão “excepcionalíssima”, por ser um dos mais longos sofrimentos que o Estado impôs a um cidadão.
A ministra Denise Arruda realçou que Marcos Mariano da Silva perdeu a capacidade de se movimentar, de ser um ser autônomo. “Aqui não se trata de generosidade”, disse. “Aqui se trata de um brasileiro que vai sobreviver não se sabe como”. A primeira instância fixou o valor em R$ 356 mil. O Tribunal de Justiça de São Paulo fixou o valor em R$ 2 milhões, o que foi mantido pelo STJ.
O ministro Luiz Fux, relator do processo, reviu o posicionamento de indenização quanto ao caso. E ao final do julgamento, deu ganho de causa a Marcos Mariano, fazendo inclusive constar no relatório e voto se tratar do mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira, no que foi aceito à unanimidade.

História

A história aponta também o caso dos irmãos Naves como de grande repercussão em falhas judiciais. Joaquim Naves e Sebastião Naves foram presos em Araguari-MG e demoraram longos oito anos até que ficasse provada a inocência dos réus. O caso de Marcos Mariano é curioso por ele já ele ter passado antes dos 13 anos de cárcere, mais seis anos na prisão pela mesma acusação. Após o pedido de prisão preventiva formulado pelo juiz, ele teria voltado irregularmente à prisão. O advogado sustenta que, ao todo, foram 19 anos de prisão. Esses detalhes, contudo, não foram discutidos durante o julgamento. A defesa coube ao advogado José Afonso Bragança Borges, que chorou ao final do julgamento.

Fonte: STJ