Terça-feira, 17 de outubro, foi Dia Internacional de Combate à Pobreza. Mais de 23,5 milhões de pessoas em 100 países participaram de manifestações por políticas públicas para que as Metas do Milênio possam ser atingidas.
Dezenove anos depois da memorável manifestação contra a pobreza em Paris convocada pelo padre Joseph Wresinski, a qual, em outubro de 1987, levou mais de 100 mil pessoas a tomarem a Praça Trocadero para homenagear as vítimas da extrema pobreza, da fome e da violência no mundo, o dia 17 de outubro de 2006 bateu o recorde (segundo o instituto Guinness World Records) de uma manifestação mundial conjunta, com mais de 23,5 milhões de pessoas participando de atos contra a pobreza em cerca de 100 países.
Eleito ainda em 1987 pela ONU como o Dia Mundial de Combate à Pobreza Extrema, este ano o 17 de outubro foi o ponto alto da campanha Chamada Global de Ação contra a Pobreza (GCAP, na sigla em inglês), lançada oficialmente pelo presidente Lula durante o Fórum Social Mundial de 2005 em Porto Alegre e que congrega várias ONGs internacionais de ajuda humanitária e direitos humanos.
Segundo Fernanda Carvalho, socióloga e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase, coordenador do GCAP no Brasil), a campanha foi pensada para durar inicialmente um ano.
“2005 era ano de revisão das metas do milênio. A Chamada Global foi pensada como mobilização da sociedade civil que fizesse pressão sobre os governos para que tomassem medidas concretas para que se cumprissem as Metas do Milênio. Como foi o mesmo ano da reunião da Organização Mundial do Comércio, decidimos pressionar o organismo para que levasse em consideração os países mais pobres e em desenvolvimento”, explica Fernanda.
Mas a os poucos avanços dos Estados individualmente e dos organismos e instituições internacionais e multilaterais, no sentido viabilizar a redução de 50% dos índices de pobreza no mundo em 2015, como requerem as Metas do Milênio, ficou evidenciado na revisão do acordo. “Na revisão das metas se viu que os países não estavam fazendo esforço necessário para mudanças estruturais que combatessem efetivamente a pobreza extrema. O perdão das dívidas [dos países mais pobres, anunciado em 2005] pelo G-8 foi limitado, diante do pedido de 100% do financiamento da dívida. A iniciativa multilateral para o perdão da dívida foi para 19 países que terão entre 21% e 79% da dívida cancelada. Mas o que foi perdoado são aquelas dívidas que não seriam pagas de jeito nenhum” pondera a pesquisadora.
Em março deste ano, o GCAP decidiu pela continuidade da mobilização focada na pressão sobre os governos por políticas públicas de erradicação da pobreza e redução das desigualdades, relações comerciais e financeiras mais justas e perdão das dívidas dos países mais pobres.
Brasil
No Brasil, onde, segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), 52 milhões de pessoas vivem na pobreza – e destas 1/3 está em situação de miséria -, o foco da GCAP tem sido combater os mecanismos de concentração de renda e riqueza como principal causador da pobreza, por um lado, e por outro a luta pelas reformas agrária e tributária como instrumento de distribuição de renda e por políticas de promoção da igualdade de gênero e raça.
Na mesma direção, organizações feministas articuladas na Marcha Mundial de Mulheres (MMM) realizaram uma série de manifestações nesta terça, uma vez que cerca de 70% das pessoas atingidas pela pobreza no mundo são do sexo feminino. Segundo a coordenação da Marcha, houve protestos no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Mossoró, Rio Grande do Norte, e em Parintins, Amazonas, reunindo no total mais de 3 mil ativistas.
Segundo Sonia Coelho, membro da ONG Sempreviva Organização Feminista (SOF) em São Paulo, os protestos visaram principalmente empresas multinacionais que tem burlado sistematicamente as legislações trabalhistas no emprego da mão de obra feminina irregular. Como exemplo, Sonia sita a empresa de cosméticos Avon, pioneira na utilização de vendedoras autônomas. Desenvolvendo o conceito de “renda complementar”, a empresa utilizaria hoje a mão de obra de cerca de 500 mil “revendedoras” no país, mulheres que acabam tendo na atividade sua única forma de renda. Sem gozar dos direitos trabalhistas assegurados por lei, este trabalho seria altamente lucrativo para a empresa e manteria as mulheres numa situação indefinida de submissão.
Para Nalu Faria, membro da coordenação da MMM no Brasil, o problema da exploração do trabalho feminino “invisível e subvalorizado”, tem de ser combatido política e estrutralmente. Nesse sentido, poderiam ser contrapostas as iniciativas que buscam despertar nas mulheres o “espírito empreendedor” do trabalho autônomo e precarizado, disseminadas em larga escala pelo modelo neoliberal, e os projetos de economia solidária, onde o processo organizativo reforça a politização e a busca de direitos das trabalhadoras.
“É preciso combater o simples gerenciamento da pobreza. Como, por exemplo, a luta pela regulamentação da profissão da prostituta ao invés de questionar a condição à que as mulheres são submetidas. A Luta por transformações estruturais se dá no cotidiano, como o aumento do salário mínimo, uma das bandeiras da Marcha. Hoje a classe média brasileira é contra o aumento do salário porque ficaria caro manter uma empregada doméstica, por exemplo. A questão é que temos que defender o direito de todas as mulheres, o que significa combater situações onde mulheres repassam trabalhos menos valorizados para outras mulheres mais vulneráveis”, explica Nalu.
Fonte: Agência Carta Maior