Bush deve promulgar em breve a lei que lhe dá o poder de “definir quem são os inimigos estrangeiros”. ‘Nossa democracia, a grande perdedora’, diz editorial do New York Times. Por David Brooks – Do La Jornada*
O Senado dos EUA aprovou na última quinta-feira (28/9) a tortura e o fim do direito fundamental de um acusado a ter acesso às provas contra si, no caso de todo estrangeiro (incluindo imigrantes) que sejam definidos como “inimigos” pelo presidente dos Estados Unidos.
O presidente George W. Bush promulgará logo esta lei, que ele e seus aliados consideram uma “ferramenta vital” na luta contra “o terror”, cujas medidas, dizem, já evitaram atentados “terroristas” nos últimos anos. A votação na noite de 28 foi de 65 a favor e 34 contra esta Lei de Comissões Militares, como é chamada.
Com a prévia aprovação do projeto na Câmara de Deputados e sua aprovação no Senado, o presidente Bush e seu governo conseguiram uma vitória legalizando uma série de medidas autorizadas pelo Executivo ao longo dos últimos quatro anos. Essas medidas recentemente foram consideradas ilegais pela Suprema Corte e violadoras das Convenções de Genebra.
Bush realizou uma inesperada visita ao Senado pela manhã para defender a aprovação do projeto, que foi denunciado por observadores da ONU, ex-advogados militares, muitos legisladores, organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, editorialistas e especialistas em direito constitucional e internacional.
A iniciativa da lei outorga um tipo de anistia para possíveis crimes de guerra cometidos por agentes norte-americanos nos últimos anos (por tortura, prisão clandestina, desaparecimentos, e outros), redefine pela primeira vez em mais de 50 anos as Convenções de Genebra, autoriza a tortura (o nome oficial é “técnicas de interrogatório”) e anula para sempre o direito dos detidos de contestarem as razões de sua prisão e o tratamento recebido.
Baseado no projeto aprovado, o presidente ou seus representantes têm o poder de designar qualquer cidadão do mundo, inclusive os imigrantes legais nos Estados Unidos, como um “combatente inimigo ilegal”, o que poderia possibilitar sua prisão por tempo indeterminado sem acesso a um tribunal. A lei também permitirá “os métodos de interrogatório” que se considerem “admissíveis”, ou seja, quem define o que é e o que não é tortura é o presidente, e a decisão permanece secreta.
Os tribunais norte-americanos não têm poder de interceder no novo sistema judiciário e militar que processará os “combatentes inimigos” até que se promulgue um veredito. Ninguém poderá processar o governo norte-americano por tais casos com base nas Convenções de Genebra. Provas obtidas por tortura poderão valer nestes processos se o juiz determinar que são “confiáveis”.
Mas a anulação do direito de habeas corpus, um princípio legal que antecede a Carta Magna do século XIII, que forma a base legal dos sistemas legais do Ocidente e que está consagrado na Constituição dos Estados Unidos, não tem precedente. Este conceito estabelece o direito de um prisioneiro conhecer as razões pelas quais está detido.
John. D. Hutson, ex-almirante e advogado militar de primeiro escalão na Marinha, argumentou perante os legisladores que o direito ao habeas corpus era fundamental para a identidade norte-americana. “Sem esse tipo de proteção, não passamos de mais uma república de banana”, declarou numa audiência da Comissão de Justiça do Senado.
Já o Diretor do Centro de Direitos Constitucionais, Vincent Warren, disse que essa lei “outorga ao presidente o privilégio de monarcas, permitindo-lhe encarcerar qualquer crítico como suposto “combatente inimigo”, que jamais verá um tribunal ou terá oportunidade de contestar sua prisão ou o tratamento a que foi submetido. Que diríamos se um outro país aprovasse uma lei tornando legal o seqüestro de um cidadão norte-americano e sua detenção por tempo indeterminado?
Outros advogados assinalaram que o habeas corpus foi submetido apenas quatro vezes na história do país, mas apenas por breves períodos de tempo e em territórios que eram zona de combate.
Na noite do dia 28 a Anistia Internacional expressou seu desapontamento e declarou que a aprovação “coloca em dúvida o compromisso dos Estados Unidos com os princípios fundamentais da justiça e de julgamentos imparciais”.
“Nossa democracia é a grande perdedora”, opinou o editorial do New York Times, sublinhando que os republicanos, seu presidente e os democratas iam aprovar a lei por motivos eleitorais na presente conjuntura política. Concluiu que no futuro os norte-americanos recordarão que “em 2006 o Congresso aprovou uma lei tirânica que será comparada com os momentos mais baixos de nossa democracia”.
* Editor do jornal mexicano La Jornada. Artigo publicado na Agência Carta Maior
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