A Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher foi sancionada pelo presidente Lula, dia 7 de agosto, e receberá o nome de Lei Maria da Penha Maia. O projeto foi elaborado por um grupo interministerial a partir de um anteprojeto de organizações não-governamentais. O governo federal o enviou ao Congresso Nacional no dia 25 de novembro de 2004. Lá, ele se transformou no Projeto de Lei de Conversão 37/2006, aprovado e agora sancionado. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres colocou à disposição um número de telefone para denunciar a violência doméstica e orientar o atendimento. O número é o 180, que já recebe três mil ligações por dia.
A biofarmacêutica Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado. Ela virou símbolo contra a violência doméstica. Em 1983, o marido de Maria da Penha Maia, o professor universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, deu um tiro e ela ficou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos de idade. A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984. Oito anos depois, Herredia foi condenado a oito anos de prisão, mas usou de recursos jurídicos para protelar o cumprimento da pena. O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica. Herredia foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje, está em liberdade.
Após às tentativas de homicídio, Maria da Penha Maia começou a atuar em movimentos sociais contra violência e impunidade e hoje é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no seu estado, o Ceará. Ela comemorou a aprovação da lei. “Eu acho que a sociedade estava aguardando essa lei. A mulher não tem mais vergonha [de denunciar]. Ela não tinha condição de denunciar e se atendida na preservação da sua vida”, lembrou. Maria da Penha recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressão. “Não adianta conviver. Porque a cada dia essa agressão vai aumentar e terminar em assassinato.”
Quatro agressões por minuto
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) disse que o caso de Maria da Penha Maia não é isolado e que muitas mulheres sofrem agressão dentro de casa. Segundo ela, o espancamento atinge quatro mulheres por minuto no Brasil. E acrescentou que muitas não denunciam por medo ou vergonha de se expor. Uma pesquisa realizada em 2001 pela Fundação Perseu Abramo estima a ocorrência de mais de dois milhões de casos de violência doméstica e familiar por ano. O estudo apontou ainda que cerca de uma em cada cinco brasileiras declara espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem. Dentre as formas de violência mais comuns destacam-se a agressão física mais branda, sob a forma de tapas e empurrões, sofrida por 20% das mulheres; a violência psíquica de xingamentos, com ofensa à conduta moral da mulher, vivida por 18%, e a ameaça através de coisas quebradas, roupas rasgadas, objetos atirados e outras formas indiretas de agressão, vivida por 15%.
Juizados especiais
A Lei Maria da Penha estipula a criação, pelos tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal, de um juizado especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para dar mais agilidade aos processos. Além disso, as investigações serão mais detalhadas, com depoimentos também de testemunhas. Atualmente, o crime de violência doméstica é considerado de “menor potencial ofensivo” e julgado nos juizados especiais criminais junto com causas como briga de vizinho e acidente de trânsito. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, afirmou que vai recomendar a criação. “O Poder Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça, tem a intenção de fazer recomendar a todos os judiciários estaduais, que são autônomos e independentes, a criação dos juizados especiais que cuidam da violência doméstica”.
Prisão em flagrante
O Brasil triplicou a pena para agressões domésticas contra mulheres e aumentou os mecanismos de proteção das vítimas. A Lei Maria da Penha aumentou de um para três anos o tempo máximo de prisão – o mínimo foi reduzido de seis meses para três meses. A nova lei altera o Código Penal e permite que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Também acaba com as penas pecuniárias, aquelas em que o réu é condenado a pagar cestas básicas ou multas. Altera ainda a Lei de Execuções Penais para permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.
A lei também traz uma série de medidas para proteger a mulher agredida, que está em situação de agressão ou cuja vida corre riscos. Entre elas, a saída do agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e cancelar procurações feitas em nome do agressor. A violência psicológica passa a ser caracterizada também como violência doméstica. A mulher poderá também ficar seis meses afastada do trabalho sem perder o emprego se for constatada a necessidade de manutenção de sua integridade física ou psicológica. O Brasil passa a ser o 18.º da América latina a contar com uma lei específica para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, que fica assim definida: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. O texto define as formas de violência vividas por mulheres no cotidiano: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Fonte: Radiobrás/Agência Brasil/Ag.Estado/SEPM/Cfemea