Quando a caricatura oprime
O caso das caricaturas de Maomé continua a se desdobrar. O papa Bento XVI afinal se pronuncia, com um mês de atraso. E o ministro Roberto Calderoli se vê forçado a deixar o governo direitista italiano, após exibir-se numa camiseta (por baixo do terno e gravata) com a caricatura que retrata o profeta como um terrorista.
A liberdade de expressão é uma grande coisa. Nós, brasileiros, privados dela durante a ditadura militar, sabemos disso muito bem.
Mas a liberdade de expressão não isenta quem se expressa de responder pelo que expressou. E a blasfêmia caricatural, abraçada pelos fundamentalistas da “guerra ao terror” sob o comando da Casa Branca, expressa racismo, intolerância, fundamentalismo, provocação, “choque de civilizações” na mais abjeta acepção do termo, aquela que Adolf Hitler assinaria embaixo.
O “lado Ocidental” o nega, mas essas caricaturas não são uma experimentação abstrata sobre os limites da liberdade de expressão. Incidem sobre uma realidade muito concreta, de um pedaço do mundo que sangra sob o tacão das botas dos ocupantes, no Iraque, Afeganistão e Palestina, para citar só os casos mais notórios.
Por isso emerge uma onda de protestos que se espalha pelo Oriente, e transborda para as comunidades de seus exilados econômicos no Primeiro Mundo. Eles têm razão. Exprimem a justa rebeldia dos que não aceitam a sina de povos de segunda categoria.
É aos ocupantes e opressores que convém ver os oprimidos se dividirem entre oprimidos orientais e ocidentais, muçulmanos, cristãos ou ateus, desta ou daquela casta, raça, meridiano ou paralelo. A estes, todos, interessa, ao contrário, a identidade de fundo dos que se rebelam contra a opressão.
Dentro de um mês este será um tema em destaque no capítulo asiático do Fórum Social Mundial, em Karachi, Paquistão. Em Karachi, como nos capítulos de Bamako e Caracas, deve ecoar, com a força das coisas justas, o chamamento para que os oprimidos se unam, enfrentem e vençam seus opressores. Ecoará, também, a mensagem de que no lugar da política imperialista de impor a ferro e fogo seus interesses e receitas, é possível a interação e o intercâmbio entre as culturas e os valores de cada povo, preservando-se e enriquecendo suas singularidades.
Fonte: Diário Vermelho