A partir de amanhã, a cidade oeste-africana de Bamako, capital do Mali, será durante cinco dias a sede do Fórum Social Mundial (FSM). A sexta edição do Fórum, este ano, adota um formato “policêntrico”, com eventos ou “capítulos” sucessivos em três continentes. O de Bamako será o primeiro, entre 19 e 23 de janeiro. Deve receber 30 mil participantes, dos cinco continentes, mas sobretudo da África, relativamente pouco representada nas edições anteriores do evento que proclama que “um outro mundo é possível”.
Logo depois de Bamako, o Fórum Social Mundial reúne-se em Caracas, na Venezuela. E mais tarde em Carachi, principal metrópole do Paquistão.
A seção mais concorrida do FSM-2006 deve ser a venezuelana, entre 24 e 29 de janeiro: pode chegar a 120 mil participantes e terá um forte empenho do movimento revolucionário bolivariano, liderado pelo presidente Hugo Chávez.
“Fórum dos pobres” não teme dificuldades
Já o evento em Carachi enfrenta dificuldades. Teve de ser adiado de janeiro para uma data ainda por definir, devido às seqüelas do terremoto de outubro último, que fez 54 mil vítimas fatais no país. Além disso, o regime paquistanês do general Pervez Musharraf não é propriamente um entusiasta dos movimentos sociais e da contestação antineoliberal: instalou-se em 1999 graças a um golpe militar e desde 2001 permite a ocupação não declarada do país por tropas dos EUA, a pretexto de colaborar no combate às guerrilhas do vizinho Afeganistão.
As dificuldades, porém, não desestimulam os protagonistas do “Fórum dos Pobres”, que teve sua primeira edição em 2001, em Porto Alegre, no Brasil, como contraponto ao “Fórum dos Ricos”, o Fórum Econômico Mundial, que desde os anos 40 se reúne anualmente em Davos, na Suíça, patrocinado pelas maiores multinacionais do planeta. Em cinco anos, mesmo nadando contra a corrente dominante neoliberal, o FSM tem sido um crescente sucesso de público (o último, 12 meses atrás, teve 200 mil participantes, de 6.872 organizações de 151 países). Enquanto seu rival viu-se constrangido à defensiva ideológica, recorrendo cada ano a uma ginástica mais esforçada na tentativa de escapar da pecha de defensor do grande capital globalizador.
Irrequieto como se espera de quem pretende mudar o mundo, o FSM vem experimentando também no seu formato. As três primeiras edições foram em Porto Alegre, a quarta em Mumbai, na Índia, a quinta de novo na capital gaúcha e agora ele experimenta esta versão policêntrica, tricontinental. Em 2007, será a vez de Nairobi, no Quênia.
Os prós e contras de Bamako, Caracas e Carachi serão intensamente debatidos, como de costume, em busca de novos caminhos de avanço. Para o futuro, há que fale num retorno à fixação em Porto Alegre, ou em novos modelos de itinerância.
A África “se prepara febrilmente”
Conforme anunciava ontem o diário senegalês Walfadjiri, “a sociedade civil africana se prepara febrilmente para o Fórum Social Mundial de Bamako”. Entre vários exemplos, o jornal cita a ONG África prostituição, que “denunciará a miragem européia e seus perigos para os jovens emigrantes: prostituição, droga e violência”.
Um tema que afeta populações de vários países africanos é a pandemia da Aids. Outro é a pressão pelo fim dos subsídios dos países ricos aos seus produtos agrícolas, em especial o algodão, fortemente subsidiado pelos EUA.
Os alteromundialistas africanos qualificam de vitória a realização pela primeira vez na África de um Fórum Social Mundial. “Os países africanos são os que têm mais problemas no mundo. É por eles que se bate a sociedade civil mundial. Ao virem ao Mali, as pessoas tocarão de perto nossas realidades e verão o combate travado por nossas populações, na base, por nossas ONG, nossos governantes, para sair da pobreza”, diz Jean-Marie Gyengané, coordenador de uma coalizão de 78 ONGs, citado pelo Walfadjiri.
O “capítulo” de Bamako não é restrito aos africanos. Hugo Chávez vem de confirmar sua presença. Cerca de 50 parlamentares de diferentes partes da Europa também ali estarão. Em contrapartida, muitos habitantes do continente-sede encontrarão dificuldades de transporte: com freqüência é mais fácil e mais barato viajar para a Europa que para o vizinho Mali. Mas é inevitável que a África ocupe o centro das atenções. Uma TV por satélite, a Africable, retransmitirá os debates.
O ensinamento de Timbuctu
O artigo do Walfadjiri se pergunta, talvez com uma ponta de ironia, se “a África, berço da humanidade, irá dar à luz um mundo novo”. Mas registram que as organizações senegalesas farão o seu fórum social nacional, em março, assim como as de outros países do continente. A edição 2007 do FSM, em Nairobi, poderá dar uma boa medida do quanto esses esforços irão frutificar.
O Mali, com 10 milhões da habitantes, é um país de transição entre as duas partes do continente – o Magreb, ao norte, que pertence ao mundo árabe, e a áfrica ao sul do deserto do Saara, onde se concentram as marcas da pobreza, das epidemias e das guerras locais. Ex-colônia francesa, conquistou a independência política em 1960.
Bamako, capital, tem 900 mil habitantes e é cortada pelo rio Niger. Seiscentos quilômetros rio acima, fica a lendária cidade de Timbuctu, hoje decadente: na Idade Média foi um florescente centro comercial e fundou sua universidade no século 14, antes da de Coimbra, em Portugal – um exemplo, entre muitos, de que as determinantes do desenvolvimento e do subdesenvolvimento estão em permanente mutação, desmentindo os tabus do determinismo racial ou geográfico.
Para mais informações, no sítio do FSM em português, visite a página http://www.forumsocialmundial.org.br.
Fonte: Diário Vermelho