O ex-presidente e atual secretário especial de direitos humanos do governo argentino, Eduardo Luis Duhalde, confirmou os planos do país de propor a criação de um organismo permanente que vem sendo denominado por ele mesmo de “Mercosul dos direitos humanos”. A manifestação oficial da Argentina deve ser apresentada na 3ª Reunião das Altas Autoridades Competentes em Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados, entre 20 e 24 de março em Buenos Aires, quando o golpe de estado que atingiu o país, completa 30 anos.
A partir da institucionalização desse novo fórum, Duhalde anunciou que pretende coordenar esforços específicos voltados para as “investigações sobre os crimes contra a humanidade nas ditaduras do Cone Sul”. “Que seja um dos marcos de repúdio ao golpe”, disse.
Para a representante dos Familiares de Mortos e Desaparecidos no Brasil, Suzana Lisboa, a criação dessa instância no âmbito do Mercosul é fundamental. “Já que os governos desses países, na época das ditaduras latino-americanas, fizeram parte da Operação Condor para reprimir, matar e torturar os militantes de esquerda, é importante que agora eles se unam para a punição desses crimes que são de lesa humanidade”, observa.
Suzana alerta apenas para que, ao compartilhar sistemas de informações como o Infoseg – da Secretaria Nacional de Segurança Pública –, o governo brasileiro se certifique de que mandados de prisão já vencidos contra militantes de esquerda estejam fora do sistema. Não foram poucos, segundo ela, os constrangimentos vividos por algumas dessas pessoas detidas em aeroportos ou impedidas de tirar algum documento por ainda estarem fichadas como na época da ditadura militar.
A criação do organismo permanente possibilitará a garantia de padrões, entre os países membros do Mercosul, em temas como o dos sistemas penitenciários. A experiência da Argentina em relação aos crimes cometidos pelas ditaduras latino-americanas também poderá ser disponibilizada como ferramenta para outros países. O secretário Duhalde afirmou que sua secretaria possui vasta informação sobre a coordenação das operações repressivas dos anos 70 e propôs “socializar a informação” e compartilhar “o acesso aos arquivos de cada país”. “Queremos trabalhar na construção de indicadores comuns para medir os direitos essenciais como educação, saúde e trabalho, que nos permitam traçar um mapa concreto da situação de cada país e das diferenças existentes para poder corrigi-las”, afirmou.
Em entrevista para o jornal argentino “Pagina 12”, Duhalde argumentou que “a Argentina pode dar uma contribuição importante para os outros países do Mercosul na discussão sobre as conseqüências dos governos terroristas”. Mesmo reconhecendo que a Argentina não é a “dona da verdade” nesse assunto, ele garante que o seu país, “pode dar uma contribuição importante aos outros países para que se discutam as conseqüências deixadas pelos governos terroristas”. Segundo ele, no Mercosul os debates, em geral, estão numa etapa primária. “Isto nos obriga a contribuir com esses países e a demonstrar que este tema não divide à sociedade, mas sim permite, no futuro, a partir da justiça, da verdade e da memória fechar um passado que de outra forma seguirá aberto e sempre presente”. Duhalde acredita que “não se pode construir a cidadania do futuro sobre o esquecimento e a negação. É possível percorrer este caminho sem debilitar a democracia. Não se trata de pensar em possíveis golpes de Estado, senão de garantir que não exista o risco futuro de conspirações contra o Estado democrático. Na Argentina, o que foi bandeira da sociedade civil, hoje é bandeira do Estado”.
A criação de uma nova instância, para Duhalde, rompe com a tradição de que o Mercosul estava mais dedicado as questões econômicas. “Tem um caráter de avanço”, observa. O objetivo é trabalhar com uma agenda mais ampla e projetos estratégicos, como “Niños Sur” – programa desenvolvido para tratar das crianças e no combate a pornografia infantil, envolvendo os diferentes países, além das fronteiras. Na opinião dele, “o importante é conseguir que o conjunto dos países compatibilizem as leis internas para convergir numa legislação comum sobre direitos humanos”.
Ainda na mesma entrevista, Duhalde foi questionado se nessa instância criada no Mercosul poderiam ser resolvidos os pedidos de extradição do ditador Alfredo Stroessner – exilado no Brasil – feitos pela Argentina e pelo Paraguai com base na Operação Condor. O secretário de Direitos Humanos afirmou que esse assunto tem a ver com a competência da Justiça de cada país. “Isso aponta para questões de princípios. Queremos trabalhar para construir indicadores comuns, para medir direitos essenciais, como a educação, a saúde e o trabalho, que nos permita ter um mapa concreto da situação de cada país e dos desníveis existentes, para que possam ser corrigidos”.
Sobre os esquadrões da morte, principal problema no Paraguai e no Brasil – conforme relatório da Anistia Internacional do ano passado – ele lembrou que o tema está diretamente ligado a um problema maior, que é o da disputa da terra e citou trabalhos que estão sendo desenvolvidos pela ONU, PNUD e OEA para ajudar na busca de soluções comuns.
Duhalde considera as violações de direitos humanos nas prisões um eixo comum na região. “É uma conta pendente, uma situação quase limite. Trata-se de seres humanos em situação de prisão que são uma caldeira explosiva, como se vê na Argentina, no Brasil e em outros países. É preciso além de uma mudança na legislação, uma mudança de infra-estrutura”, garante. E acrescenta que o maior problema é o descompasso entre a situação carcerária e a possibilidade de construção de novos presídios.
A primeira reunião das Altas Autoridades Competentes em Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados foi realizada em maio de 2005 no Paraguai, onde os quatro presidentes – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – assinaram um acordo para trabalhar em conjunto contra qualquer possibilidade de alterações da democracia e de violações sistemáticas de direitos humanos. Em novembro, houve uma nova reunião, no Uruguai, num seminário com o título de “Memória, verdade e justiça de nosso passado recente”, no qual os países membros reafirmaram o compromisso de “atuar coordenadamente para promover a preservação da memória, a busca da verdade e a ação da justiça” frente aos crimes das ditaduras.
Fonte: Agência Carta Maior