Os Estados europeus, vários países emergentes, como o Brasil e a China, e outros da África, da Ásia e da América Latina, consideram que as coisas não podem continuar assim. A Internet não pode continuar sendo controlada por uma empresa subordinada ao governo dos EUA.
No fim de semana passado estive participando em um grande colóquio sobre o tema “Ética e comunicação – Direitos e informações no sistema global”. O encontro, organizado pela província de Veneza aconteceu perto dessa cidade, em uma pequena ilha chamada San Servolo, localizada na mesma lagoa, em um dos prédios restaurados com supremo gosto, que durante décadas serviram como asilo psiquiátrico para homens… Participavam alguns dos melhores especialistas italianos, como Roberto Savio, Giulietto Chiesa, Giovanni Cesareo e Fausto Colombo, debatendo em torno de algumas preocupações principais: o direito de ter acesso a uma informação confiável; a necessidade de contar com notícias autênticas, seguras e verificáveis; a expansão exponencial dos meios de comunicação de massas; o excesso de dados que circulam pela web; a fratura digital; a procura por novas formas de regulamentação e de governo das redes midiáticas.
Discutiu-se muito sobre a crise do jornalismo, sobre como os cidadãos organizados no que tenho chamado de quinto poder poderiam controlar melhor a mídia. E também se falou bastante das tecnologias abertas e da conveniência de transformar os programas digitais em bens comuns da humanidade.
Porém, os debates mais intensos e apaixonados giraram em torno dos temas que serão debatidos durante a 2ª Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que acontecerá em novembro próximo na Tunísia, patrocinada pela ONU. E, mais especificamente, sobre a questão do controle da Internet. Este problema tem se transformado em uma polêmica de alcance geopolítico uma vez que existe uma divergência importante entre os Estados Unidos, por uma parte, e a União Européia e os países emergentes, pela outra, para saber como deve ser modificada a gestão da Internet.
É evidente que, em um mundo cada vez mais globalizado e no qual as redes de comunicação (sendo a Internet a principal delas) têm uma importância estratégica, o controle dessas redes outorga à potência que o exerce uma superioridade estratégica decisiva. Da mesma maneira que no século XIX o controle e das rotas de navegação mundiais conferia à Inglaterra um domínio sobre todo o planeta.
Atualmente, a Internet está controlada pela empresa da Califórnia ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), a qual administra a Rede e atribui, por exemplo, os nomes de domínio (o .es da Espanha). Desde novembro de 1998, essa empresa está sob a tutela do Departamento de Comércio norte-americano, segundo consta em um acordo assinado entre o ICANN e o Governo dos Estados Unidos, válido até setembro de 2006.
No colóquio de San Servolo foi lembrado que na sexta-feira da semana passada, dia 30 de setembro, em Genebra, terminaram duas semanas de negociações infrutíferas entre os Estados Unidos e a União Européia, durante as quais se tentou pôr fim às profundas divergências sobre o controle e a regulação da Internet.
Os Estados europeus, vários países emergentes, como o Brasil e a China, e outros da África, da Ásia e da América Latina, consideram que as coisas não podem continuar assim. A Internet não pode continuar sendo controlada por uma empresa subordinada ao governo dos Estados Unidos. Esse será o debate central no próximo mês de novembro na Tunísia. O que está em jogo é a liberdade de expressão na Rede.
A cada dia, um maior número de países exigem a criação de uma nova autoridade internacional, abrigada no seio da ONU, que seja encarregada de garantir uma gestão independente e equânime da Internet. E cada vez são mais os cidadãos do mundo todo que apóiam essa nova exigência democrática.
Tradução: Naila Freitas/Verso Tradutores
Ignacio Ramonet é jornalista do Le Monde Diplomatique
Fonte: Agência Carta Maior