Está marcada para o dia 13 de junho a continuidade do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam itens da emenda constitucional (EC) 103/2019, da reforma da Previdência. Estão sendo votadas em julgamento conjunto, por temas correlatos, as ADIs de números 6.254, 6.255, 6.256, 6.258, 6.271, 6.279, 6.289, 6.361, 6.367, 6.384, 6.385 e 6.916.
Nos últimos anos, ações judiciais questionando a reforma foram protocoladas por diferentes entidades. O STF, então, chamou a decisão geral para os ministros, agrupando as diversas ADIs em um único julgamento. Até o momento, já votaram os ministros Luís Roberto Barroso, relator das ações, Edson Fachin, Rosa Weber e Dias Toffoli, com divergências entre os votos dos três últimos e o parecer de Barroso. No dia 15 de dezembro do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos processos, e os devolveu em 23 de abril deste ano. Desde então, o julgamento chegou a ser marcado, mas ainda não aconteceu.
O que está em jogo
Entenda abaixo alguns dos principais itens em julgamento, todos eles questionados pelas ADIs:
Contribuição acima do salário mínimo – Em seu art. 1º, a emenda constitucional 103/2019 altera o art. 149 da Constituição definindo a previsão de que, “Quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário mínimo”. Atualmente, para os aposentados, aposentadas e pensionistas do serviço público federal, a contribuição incide sobre os valores que superam teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atualmente é de R$ 7.786,02. Os resultados “atuariais” se referem a receitas estimadas e obrigações projetadas. Conforme definição de relatório do Ministério da Previdência Social, o resultado atuarial “corresponde à diferença entre o Passivo Atuarial (Reservas Matemáticas Previdenciárias) e o Ativo Real Líquido (recursos financeiros já acumulados pelo RPPS, bens que possam ser convertidos em dinheiro e créditos a receber do ente federativo, devidamente reconhecidos, contabilizados e parcelados)”. |
Contribuição extraordinária – A reforma da Previdência de 2019 também alterou o art. 149 da Constituição para incluir a possibilidade de, quando houver déficit atuarial, ser implementada contribuição extraordinária tanto para servidoras e servidores ativos quanto para aposentados, aposentadas e pensionistas. Isso ocorreria após uma tentativa de equalizar a situação por meio de alteração na contribuição sobre as aposentadorias, que passaria a incidir sobre o valor dos proventos que supere o salário mínimo (veja item acima). |
Alíquota progressiva – Antes da reforma da Previdência, os servidores e servidoras federais contribuíam com alíquota fixa de 11%, independentemente dos salários. A EC 103, porém, introduziu a progressividade da alíquota. Assim, a contribuição passou a variar de 7,5% a 22%, com a seguinte configuração: até R$ 1.412,00 – 7,5%; de R$ 1.412,01 até R$ 2.666,68 – 9%; de R$ 2.666,69 até R$ 4.000,03 – 12%; de R$ 4.000,04 até R$ 7.786,02 – 14%; de R$ 7.786,03 até R$ 13.333,48 – 14,5%; de R$ 13.333,49 até R$ 26.666,94 – 16,5%; de R$ 26.666,95 até R$ 52.000,54 – 19%; acima de R$ 52.000,54 – 22%. |
Duplo teto – Até a aprovação da EC 103, servidoras e servidores aposentados acometidos por doenças graves e incapacitantes tinham direito a uma “imunidade do duplo teto”: a contribuição previdenciária era recolhida apenas sobre o valor que superasse o dobro do limite máximo estabelecido para os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que atualmente é de R$ 7.786,02 – ou seja, a alíquota incidiria apenas, hoje, sobre o que superasse R$ 15.572,04. A reforma da Previdência acabou com esse direito. |
Cálculo da pensão por morte – Antes da reforma da Previdência de 2019, a pensão por morte era equivalente a 100% da remuneração da servidora ou servidor falecido. Com a EC 103, porém, o cálculo mudou: a pensão equivale, agora, a 50% da remuneração do servidor falecido, com acréscimo de 10% por dependente, até o limite de 100%. No caso de servidor ou servidora da ativa, o cálculo é feito a partir da aposentadoria a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito. |
Quem já votou e como se posicionaram os ministros
Até o momento, quatro ministros votaram. Barroso apresentou seu parecer julgando improcedentes oito das doze ADIs (6.254, 6.256, 6.279, 6.289, 6.367, 6.384, 6.385 e 6.916). As outras quatro (6.255, 6.258, 6.271 e 6.361), o ministro considerou procedentes parcialmente. Dessa forma, votou para que seja dada interpretação às alterações promovidas pela EC 103 no art. 149, § 1º-A, da Constituição, no sentido de que a base de cálculo da contribuição de inativos e pensionistas possa ser majorada apenas “em caso de subsistência comprovada de déficit atuarial após a adoção da progressividade de alíquotas”. O referido artigo diz que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões”. Porém, Barroso acrescenta que essa exigência de tentativa prévia de alíquotas progressivas “pode ser considerada satisfeita caso o ente público demonstre (…) que a progressividade da contribuição acarretará, em concreto, agravamento da situação das contas públicas”. Em resumo, Barroso votou pela manutenção dos principais itens questionados pelas ADIs.
Edson Fachin foi o seguinte a votar e divergiu parcialmente de Barroso. Ele recusou, por ilegitimidade ativa das autoras, oito ADIs (6.289, 6.384, 6.385, 6.361, 6.258, 6.271, 6.367 e 6.256), acompanhou o relator para julgar duas ações improcedentes (6.279 e 6.916) e, finalmente, divergiu de Barroso julgando parcialmente procedentes as ADIs 6.254 (movida pela Associação Nacional dos Defensores Públicos), 6.256 e 6.255 (movidas, ambas, pela Associação dos Magistrados Brasileiros e outros).
Com seu voto, Fachin defendeu a inconstitucionalidade do trecho do art. 1º da EC que altera os parágrafos 1º-A, 1º-B e 1º-C do art. 149 da Constituição – ao contrário de Barroso, que apenas ofereceu interpretação ao parágrafo 1º-A do mesmo artigo. Os parágrafos que Fachin julgou inconstitucionais definem que, quando houver déficit atuarial, “a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo”; que, caso essa medida seja insuficiente, poderá ser instituída contribuição extraordinária tanto para ativos quanto para aposentados e pensionistas; e que essa contribuição extraordinária deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas.
Fachin também votou, no que se refere ao art. 25, § 3º, da EC, pela inconstitucionalidade da expressão “que tenha sido concedida ou”. Esse parágrafo diz que “Considera-se nula a aposentadoria que tenha sido concedida ou que venha a ser concedida por regime próprio de previdência social com contagem recíproca do Regime Geral de Previdência Social mediante o cômputo de tempo de serviço sem o recolhimento da respectiva contribuição ou da correspondente indenização pelo segurado obrigatório responsável, à época do exercício da atividade, pelo recolhimento de suas próprias contribuições previdenciárias”. Pelo voto de Fachin, os efeitos dessa medida não valeriam para os servidores e servidoras já aposentados e aposentadas, apenas para os futuros. E, em relação ao mesmo dispositivo, ele interpreta a expressão “que venha a ser concedida” assegurando que seja computado para efeitos de aposentadoria o tempo de serviço anterior à EC 20/1998, a reforma da Previdência aprovada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Por fim, Fachin dá interpretação ao art. 26, § 5º, da EC. A emenda define que, no cálculo do valor do benefício da aposentadoria (60% da média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações), deverá haver acréscimo de dois pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de vinte anos de contribuição. O referido parágrafo do art. 26, por sua vez, define que esse acréscimo deverá ser aplicado a alguns segurados, incluindo as mulheres filiadas ao Regime Geral de Previdência Social. A interpretação de Fachin é de que esse acréscimo também deve ser aplicado às mulheres servidoras vinculadas ao Regime Próprio da Previdência Social.
A ministra Rosa Weber e o ministro Dias Toffoli acompanharam o voto de Fachin. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista, faltando ainda os votos dos seguintes ministros e ministras: Alexandre de Moraes, André Mendonça, Carmen Lúcia, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Nunes Marques e Gilmar Mendes. O ministro Flávio Dino não irá votar porque foi nomeado em substituição a Rosa Weber, que já havia proferido seu voto antes de se aposentar, em setembro de 2023.
Assim, no que se refere aos cinco itens elencados acima nesta matéria, temos os votos de Edson Fachin, Dias Toffoli e Rosa Weber contrários às mudanças promovidas pela EC 103 na contribuição acima do salário mínimo e na instituição de contribuição extraordinária. Em ambos os casos, o ministro Luís Roberto Barroso votou favorável à EC 103. Já em relação aos demais itens destacados nesta matéria – alíquota progressiva e duplo teto –, a posição dos quatro ministros foi pela manutenção dos efeitos da reforma.
Veja abaixo os detalhes de cada uma das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs)
Ação | Entidades autoras | Conteúdo |
ADI 6258 | Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) | Alíquotas progressivas – questiona as alíquotas progressivas, a cobrança de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas sobre o valor dos proventos que superem o salário mínimo quando houver déficit atuarial e a previsão de instituição de contribuição extraordinária para os servidores públicos federais em caso de déficit. |
ADI 6289 |
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) | Aposentadorias com contagem recíproca sem confirmação de tempo de contribuição |
ADI 6384 |
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) | Critério de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente |
ADI 6385 |
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) | Pensões por morte |
ADI 6279 |
Partido dos Trabalhadores (PT) | Vários aspectos da reforma da Previdência |
ADI 6256 |
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) | Aposentadorias com contagem recíproca sem confirmação de tempo de contribuição: é preciso abrir exceção para os casos de averbação de tempo de serviço previstos em leis específicas ou anteriores à emenda constitucional 19/1998, que, por expressa disposição constitucional, equivale a tempo de contribuição |
ADI 6254 |
Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) | Vários aspectos da reforma da Previdência: questiona dispositivos que instituem contribuição previdenciária extraordinária e alíquotas progressivas, que revogam regras de transição anteriores, que anulam aposentadorias já concedidas com contagem especial de tempo e que dão tratamento diferenciado às mulheres do regime próprio e do regime geral de Previdência Social no que diz respeito ao acréscimo no benefício de aposentadoria |
ADI 6916 |
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) | Pensão por morte |
ADI 6367 |
Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) | Vários aspectos da reforma da Previdência |
ADI 6255 |
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) | Direito à transição – defende que a progressividade das alíquotas de contribuição previdenciária a que estão sujeitos (entre 14% e 19%) tem impacto desproporcional em seus subsídios sem que tenham sido criados benefícios correspondentes ao “abusivo aumento”. O pedido é para suspender as alíquotas progressivas e a possibilidade de instituição de tributo extraordinário ou ampliação a base contributiva das aposentadorias e pensões |
ADI 6361 |
União Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon) | Base de cálculo contributiva e contribuição extraordinária |
ADI 6271 |
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) | Vários aspectos da reforma da Previdência |
Com informações do Sintrajufe/RS