DIA DO TRABALHADOR: UMA HISTÓRIA DE LUTA E LUTO
Com quantas lutas se faz um direito?
Com quantas vidas se faz um feriado?
1 – A ORIGEM DO PRIMEIRO DE MAIO: OS MÁRTIRES DE CHICAGO
Na madrugada de 30 de abril de 1886, sexta-feira, sob influência das lutas socialistas e anarquistas ao redor do mundo, um panfleto foi distribuído por toda a cidade de Chicago, nos EUA, e dizia o seguinte: “A partir de hoje nenhum operário deve trabalhar mais de 8 horas por dia: 8 horas de trabalho, 8 de repouso e 8 de educação”. No dia seguinte, 1º de maio, muitas fábricas pararam com operários em greve e várias manifestações aconteceram na cidade. Mas na segunda-feira (03 de maio) um ato causou comoção. Durante um piquete que ocorria em frente a uma marcenaria, policiais e guardas da fábrica começaram a atirar sem advertência prévia e mataram pelo menos quatro operários, deixando dezenas de feridos e centenas de presos.
Na madrugada da terça-feira seguinte, 04 de maio, os trabalhadores, indignados, organizaram uma manifestação para o mesmo dia, como protesto contra o assassinato de seus companheiros que lutavam pela redução da jornada. 180 policias aguardavam a ordem para dispersar a manifestação. Quando a concentração já estava acabando, foi dada ordem para os policiais avançarem com violência, usando cassetetes sobre a plebe. Neste momento, um explosivo os atingiu. Em resposta, os policiais saíram atirando a esmo nos trabalhadores. Ao final, dezenas foram mortos e centenas ficaram feridos. Esse episódio ficou conhecido como Massacre na Praça Haymarket (Haymarket Massacre). Foi a partir desses acontecimentos que o 1º de maio passaria para a história como um dia de luto, resistência e solidariedade dos trabalhadores.
2 – DO LUTO PARA A LUTA: 1º DE MAIO COMO DIA INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES
Em 09 de outubro de 1886, um julgamento foi realizado às pressas pelo ocorrido nos primeiros dias de maio daquele ano em Chicago. Sem direito de defesa, 8 trabalhadores foram condenados, sendo 4 deles enforcados. Nada aconteceria aos policiais envolvidos. Esse julgamento seria anulado em 1892, sob a denúncia de corrupção de juízes e jurados e de falsas testemunhas. Nesse ínterim, a memória dos mártires de Chicago permaneceria na mente dos trabalhadores. Ano após ano foram realizadas manifestações em memória desses que tombaram na luta. A principal delas ocorreu em 1º de maio de 1890, convocada tanto como homenagem aos companheiros mortos, quanto como jornada de lutas, com greves, manifestações e barricadas. Essa mobilização foi encampada pela II Internacional Socialista e alastrou-se para outras partes do mundo, como Inglaterra, França, Alemanha, Argentina, México, Cuba, Argélia, Tunísia. Assim, a primeira comemoração internacional do primeiro de maio ocorreria em 1890, sempre com a bandeira da redução da jornada de trabalho à frente e a lembrança dos mártires de Chicago atrás.
3 – O PRIMEIRO DE MAIO CHEGA AO BRASIL: SEGUE A LUTA PELA JORNADA DE 8 HORAS
No Brasil, a primeira comemoração do 1º de maio só ocorreria em 1895, na cidade de Santos, por iniciativa do Centro Socialista nos primeiros anos da República. No século seguinte, desde as primeiras décadas, algumas categorias passaram a conquistar por meio de greves o direito a 8 horas de trabalho, pelo menos formalmente. Em 1907, os marmoristas da construção civil foram pioneiros na conquista da limitação da jornada de trabalho de 8 horas. Na esfera legal, algumas legislações estaduais apareceram para regulamentar esse direito, sempre como resposta a greves dos trabalhadores organizados. Porém, em cada uma dessas greves, os líderes sindicais permaneciam em risco constante de serem presos, deportados ou mesmo mortos pelas forças de segurança, pois a greve não era ainda vista como um direito, mas como um delito.
O 1º de maio tornou-se feriado nacional em 1924 (consagrado à confraternização das “classes operárias”, lembrando os “mártires do trabalho”), mas o decreto do governo federal silenciou sobre a jornada de 8 horas. Como é de hábito, o governo estava fazendo pirotecnia para iludir os trabalhadores, pois a decretação do feriado, por si só, não resultou em efeitos concretos na vida dos trabalhadores. A maioria do empresariado seguiu desrespeitando por décadas o cumprimento deste feriado, obrigando os operários a trabalharem normalmente neste dia.
4 – PRIMEIRO DE MAIO NA ERA VARGAS: DÁDIVA OU CONQUISTA?
A jornada de 8 horas de trabalho diárias – primeira bandeira do 1º de maio – somente seria regulamentada na esfera federal em 1932, já sob o governo de Getúlio Vargas, mas ainda limitada aos trabalhadores urbanos. A partir da década de 1940, Vargas se apropriará da bandeira do 1º de maio dos trabalhadores e passará a apresentar como dádiva aquilo que foi conquistado. O “mito da outorga” dos direitos trabalhistas ganha força em rede nacional no programa de rádio “A Voz do Brasil”. Grandes eventos são realizados em estádios lotados, apresentando o dia do trabalhador como um dia de festa financiado pelo governo, deixando de lado a memória de luta daqueles que morreram pelos direitos que foram posteriormente transformados em leis na Era Vargas. Em 1º de maio de 1940, o salário-mínimo é instituído. Em 1º de maio de 1941 é a vez da criação da Justiça do Trabalho, que teve seu primeiro protótipo em 1923. Em 1943, era sancionada a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que reunia em um único documento o conjunto de leis conquistadas a ferro e fogo pelos trabalhadores nas últimas décadas.
5 – O PRIMEIRO DE MAIO NA ATUALIDADE: LUTANDO CONTRA A UBERIZAÇÃO
Hoje, passados mais de um século dos mártires de Chicago e dos mártires brasileiros, infelizmente a classe trabalhadora se encontra às vésperas de um primeiro de maio em que a conquista das 8 horas de trabalho está não só ameaçada, mas gravemente violada e desrespeitada. Atualmente, a imposição de formas de trabalho precarizadas, em que o trabalhador precisa se submeter a 10, 12, 14 horas de trabalho para sobreviver está se tornando a regra. Sob o discurso da modernização, a uberização impõe-se como modelo de organização do trabalho que desrespeita os direitos conquistados pela classe trabalhadora, mas especialmente a limitação de jornada de 8 horas. É um modelo que vem para se tornar a regra para as demais categorias na revolução digital e cabe aos trabalhadores resistirem a isso. Estamos vivendo um período de clara retração das lutas sociais (com diminuição das organizações sindicais combativas), de redução dos direitos sociais e de perda do horizonte de uma outra sociedade anticapitalista (que era o objetivo das principais lutas sociais há 100 anos no Brasil e no mundo).
6 – O FUTURO DO PRIMEIRO DE MAIO: PARA ALÉM DA JORNADA DE TRABALHO
Diante das tendências atuais do capitalismo 4.0 (uberização, precarização, flexibilização, superexploração), é oportuna a advertência do filósofo alemão Walter Benjamin de que “É preciso cortar o pavio que queima antes que a faísca chegue à dinamite”. Assim, em vez de pensarmos em legalizar a uberização, que só intensifica a centelha da barbárie, em nosso tempo devemos rememorar os mártires de Chicago para retomar sua bandeira de redução da jornada de trabalho e avançar nessa luta. A história do 1º de maio deve nos servir como aviso de incêndio, para que possamos ver as saídas de emergência do labirinto capitalista. Movimentos como o VAT (Vida Além do Trabalho) e propostas como a semana de 4 dias são algumas janelas de saída desse labirinto. Porém, precisamos mais do que isso. É necessário construir portões de saída da exploração capitalista, pois não podemos mais aceitar que nossos companheiros continuem sendo mortos em vida, sem direito a um tempo fora do trabalho. Contra o cemitério da barbárie, façamos da utopia realidade num mundo de efetiva igualdade, como já sonhavam aqueles companheiros que nos legaram o feriado de 1º de maio.