O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes defendeu que o tamanho e as atribuições da Justiça do Trabalho sejam repensados, com o repasse de parte dos julgamentos à Justiça comum. As declarações foram dadas em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico e ao Anuário da Justiça Brasil 2024, que será lançado em maio no STF.
Falando sobre as mudanças nas relações de trabalho com a crescente uberização e as respectivas discussões legislativas e judiciais a esse respeito, o ministro questionou: “A grande pergunta que se fará no futuro é que órgão judicial vai decidir esses conflitos que virão das relações não mais de emprego, mas nas relações de trabalho em geral, como, por exemplo, o que chamam de uberização. Se isso irá para a Justiça do Trabalho ou para a comum”. E completou: “o que será a Justiça do Trabalho, levando em conta as mudanças daquilo que chamamos de empregos tradicionais. Todos anunciam as mudanças radicais nesse campo, e há atividades que desaparecem. O mundo do trabalho está vivendo uma verdadeira revolução e isso certamente terá efeitos sobre os empregos tradicionais e sobre a própria forma das relações de emprego e de trabalho”.
Na mesma entrevista, Mendes elogiou a reforma trabalhista de 2017 e a “flexibilização das relações de emprego”, além de criticar decisões recentes da Justiça do Trabalho relacionadas aos trabalhadores vinculados a empresas que operam por meio de plataformas, como a Uber: “Tenho a impressão de que avançamos muito, graças inclusive à reforma trabalhista do governo Michel Temer. Muitas questões foram legisladas ali, como o trabalho temporário. Havia uma questão que se arrastava muito e gerava muita polêmica — e ainda gera alguma no TST —, que é a questão dos terceirizados e o que era para determinadas empresas atividade-fim e atividade-meio. Isso agora está pacificado graças à jurisprudência do Supremo, mas ainda chegam muitas reclamações com a afirmação de que o TST está descumprindo decisões do Supremo. E agora temos a questão dos aplicativos e dessa flexibilização”, disse o ministro.
STF não têm reconhecido vínculo entre empresas de app e trabalhadores, ao contrário da Justiça do Trabalho
O STF não tem reconhecido o vínculo da categoria com as empresas que operam via aplicativo, diferentemente do que têm determinado diversas decisões da Justiça do Trabalho. Essas divergências têm gerado discussões a respeito da afirmação da competência constitucional da Justiça do Trabalho.
Quando reconheceu a terceirização irrestrita, o STF passou a negar vínculo de emprego a profissionais que atuam como pessoas jurídicas, os “PJs”, mesmo que estes tenham que cumprir obrigações, até mesmo horário, de trabalhadores com carteira assinada. Ficariam com os ônus, mas não com as garantias determinadas pela CLT. O Supremo tem cassado decisões de TRTs e do TST que vão de encontro a esse entendimento.
Gilmar Mendes acusou JT de “frustrar a evolução dos meios de produção”
Em novembro do ano passado, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar uma “engenharia social” para “frustrar a evolução dos meios de produção”. O que também pode ser entendido como: a JT busca assegurar os direitos de trabalhadores e trabalhadoras contra a precarização do emprego e a retirada de todos os direitos. Em maio, em um caso que teve grande repercussão, Alexandre de Moraes derrubou uma decisão que reconhecia vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e uma plataforma e tirou o caso da Justiça do Trabalho, remetendo-o à Justiça comum. Por outro lado, o ministro Luiz Fux já voltou atrás em um caso sobre pejotização, concordando com a decisão que reconheceu o vínculo. Edson Fachin e Rosa Weber têm defendido, nos casos analisados por eles, a manutenção de decisões da Justiça do Trabalho contra a pejotização. Fachin afirmou, em um desses casos, “que a discussão acerca da possibilidade do reconhecimento de vínculo do obreiro diretamente com a empresa contratante no caso da constatação do uso de pessoa jurídica com o fito de mascarar a relação de emprego e, com isso, fraudar a legislação trabalhista”.
No final de fevereiro, o Supremo determinou que a decisão da Corte relativa ao vínculo empregatício de trabalhadores e trabalhadoras vinculados a empresas que operam por meio de aplicativos tenha repercussão geral. Agora, os ministros deverão decidir se há ou não vínculo entre os trabalhadores e as plataformas de aplicativos e quais serão os critérios para análise dos casos na Justiça.
Com informações do Sintrajufe-RS. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil