A proposta de emenda constitucional (PEC) que nasceu de sugestão do deputado Delfim Netto e ganhou apoio no Executivo deverá incluir o congelamento, por sete a oito anos, dos gastos de custeio do governo nos mesmos valores reais das despesas deste ano e também dos gastos com pagamento de pessoal e encargos nos três poderes. Ou seja: congelamento das despesas correntes da União em seus valores reais. Isso significa que, até que o déficit zero seja alcançado, elas não poderão crescer acima da inflação. A proposta prevê também que a desvinculação das receitas da União passe dos atuais 20% para 40%.
No primeiro ano do programa, a “poupança do setor público” (superávit primário) seria elevada em 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja: o superávit passaria dos atuais 4,25% para 4,75% do PIB. Nos anos seguintes, haveria novas elevações, conforme o necessário para atingir a meta. Até 2009, o setor público (União, Estados e municípios) teria “poupado” o suficiente para equilibrar o pagamento de toda a conta de juros de suas dívidas (déficit nominal zero). Com isso, Delfim Netto acha que a taxa de juros real, atualmente acima de 13% ao ano, cairá muito, talvez para 6% ao ano já em 2009. “Os juros vão cair dramaticamente”, afirmou Delfim.
Ele diz que já no próximo ano o governo poderá trabalhar com uma taxa real substancialmente menor que os 10% estimados na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Acho que é perfeitamente possível que os juros reais caiam para 8% em 2006”, afirmou. Para isso, é necessário um “choque de gestão” no setor público, a começar pela Previdência Social e na área da saúde. Nesse sentido, circulou ontem (7) no noticiário econômico a informação de que o novo ministro da Previdência poderá ser um técnico do Ministério da Fazenda. Cogitou-se o nome de Murilo Portugal, que foi secretário do Tesouro entre 1992 e 1996. Antes de retornar ao Ministério da Fazenda em maio deste ano como secretário-executivo do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ele era diretor do Brasil junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
O homem da sombra
Mas o nome mais provável é o de Joaquim Levy, atual secretário do Tesouro Nacional, já que Portugal seria um nome chave para assumir o Banco Central caso o presidente Lula decida mesmo substituir o atual presidente do banco, Henrique Meirelles. Levy é doutor em economia pela Universidade de Chicago. No Ministério da Fazenda, ele assumiu a Secretaria do Tesouro Nacional em janeiro de 2003 no início do governo Lula depois de ser secretário-adjunto de Política Econômica nos dois últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Ele também foi economista-chefe do Ministério do Planejamento e trabalhou no FMI entre 1992 e 1999.
Na opinião do economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Levy é a figura fundamental neste jogo de interesses do capital financeiro. “É o homem poderoso, verdadeiro César, que fica na sombra”, diz ele. O problema é que a massa de juros paga cresce incessantemente com essa política macroeconômica. É preciso, portanto, buscar fontes de recursos. Segundo o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro (PTB-PE), como o Plano Delfim implica em uma contenção ainda maior dos gastos públicos, há preocupação em relação à grande demanda por investimentos em infra-estrutura no país. Para ele, o problema é compatibilizar essa proposta com investimentos.
Os gastos previstos
Se há resistências de empresários ao arrocho nos investimentos, o mesmo não se pode dizer quanto aos gastos sociais. Segundo o economista Márcio Pochmann, professor da Universidade estadual de Campinas (Unicamp), se o governo brasileiro quisesse colocar em prática este ano a idéia de déficit nominal zero teria de aumentar seu aperto fiscal em R$ 42,5 bilhões.
O valor é o que seria necessário para cobrir todos os gastos previstos com pagamentos de juros da dívida previstos até o final de 2005. “Esse corte seria feito em maior escala na Previdência Social (R$ 19,7 bilhões), seguida de corte de benefícios dos funcionários públicos (R$ 8,5 bilhões) e também diz respeito à saúde (R$ 5,7 bilhões), que seria a terceira categoria da área social a ser mais atingida pelos cortes dos recursos”, disse.
Na avaliação de Pochmann, feita ontem (7) à Agência Brasil, 1,2 milhão de pessoas deixariam de ter acesso ao seguro desemprego com o corte estimado de R$ 1,8 bilhão sendo uns dos itens que viabilizariam a economia para se alcançar o déficit zero. Na área da saúde, ele acredita que 1,1 milhão de portadores do HIV ficariam sem tratamento, que tem custo mensal por paciente de R$ 5,2 mil. Em educação, o corte de R$ 2,7 milhões representaria 20% menos do orçamento para a área.
A Constituição de 1988
Carlos Lessa diz que, com essa proposta, quem fatura com a renda financeira tem tudo para melhorar ainda mais a vida. “Quanto maior volume de capital no sistema financeiro, mais rica a pessoa é”, afirma ele. Faz sentido. O Brasil é o campeão mundial de juros. Se há déficit é porque o Estado está pagando, em juros, muito mais do que arrecada com o já escandaloso superávit primário. Eis o sentido da proposta de aumentar as desvinculações ligadas à assistência social.
Na opinião de Carlos Lessa, essa é a última coisa importante, no que diz respeito à área social, que sobrou na Constituição de 1988. “Esse é o sentido do déficit nominal zero”, diz ele. “Como não dá mais para cortar investimentos públicos, que chegou praticamente a zero, só tem uma coisa para cortar: o social”, afirma. Lessa alerta que os conservadores estão se aproveitando da confusão política para fazer a articulação em torno da PEC do Plano Delfim.
A reeleição de 2006
Parlamentares afirmam que o tema não terá uma tramitação fácil no Congresso. Armando Monteiro, da CNI, diz que o trânsito de uma proposta como essa não é fácil, mas é possível. Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, é viável a aprovação da PEC ainda este ano. “Qualquer coisa que seja feita para melhorar a situação do país é viável”, afirmou. O ministro disse ainda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou-se “simpático” à idéia de “aprofundar o debate” sobre a proposta. “Se houver consenso, a PEC pode ser enviada ao Congresso ainda este ano”, disse Bernardo.
O ministro do Planejamento disse ainda que a proposta é, na verdade, um aprofundamento da atual política e coloca a discussão numa perspectiva de médio e longo prazos. “Quando o Delfim fala em buscar o déficit nominal zero nos próximos cinco, seis, sete anos, isso tem de ser entendido como a busca de uma evolução, um desdobramento que não vai no sentido oposto ao que está sendo feito pelo governo”, comentou. O ministro negou que o preço político para aprovar essa PEC seja a desistência do PT em disputar a reeleição em 2006. “Não vejo como relacionar uma coisa com a outra. Se isso for uma proposta viável, boa para o país, vamos angariar apoio. Não pode ser vinculada a um debate eleitoral”, disse Bernardo.
A questão principal
Sobre o corte de gastos em áreas sociais, Palocci disse que no caso da saúde a atual Constituição fixou vinculação de verbas até 2004 e que este ano seriam estabelecidas novas regras de repasse. “Não há nada que garanta mais os gastos sociais do que o equilíbrio nas contas públicas. Quem pensa o contrário não entendeu a idéia do Delfim Netto”, disse. Segundo Palocci, estudo já divulgado mostra que nos cinco anos anteriores ao governo Lula a despesa corrente real cresceu a uma média de 5,4% ao ano. Nos dois primeiros anos do atual governo, essa média caiu para 3,4% ao ano. “Mas é desejável que esse percentual caia ainda mais, por isso debatemos o avanço do país”, disse.
A questão principal prometida pela proposta de Delfim Netto, a queda na taxa de juros, não será contemplada na PEC. “Você não pode enviar uma proposta de objetivo fiscal e achar que o juro vai cair como num passe de mágica. O juro cai quando a inflação controlada exige da política monetária menos esforço”, disse. Atualmente, a taxa básica (Selic), está em 19,75% ao ano. Palocci comentou que todos os convidados do jantar de terça-feira “pensam o Brasil a longo prazo”, o que garantiria um “debate de boa qualidade”. “O mais importante é que haja um compromisso da sociedade em torno disso”, afirmou. A pergunta óbvia é se banqueiros e grandes industriais representam a sociedade.
Fonte: Diário Vermelho (Osvaldo Bertolino)