Venezuela, Paquistão e Mali sediam Fórum Social Mundial em 2006

Reunido entre os dias 20 a 22 em Barcelona, Espanha, o Conselho Internacional (CI) do Fórum Social Mundial (FSM) bateu o martelo em relação à estrutura do chamado Fórum Policêntrico do ano que vem, um FSM que ocorrerá simultaneamente, nas mesmas datas do Fórum Econômico Mundial de Davos (provavelmente entre 24 e 29 de janeiro), nas capitais venezuelana, Caracas, paquistanesa, Karatchi e do Mali, Bamako.
Proposto já durante o FSM deste ano, em Porto Alegre, o Fórum em Caracas está em estágio avançado de organização, puxado por um Conselho Hemisférico composto por entidades de toda a América Latina. Contando com uma sede definida (a universidade central), um Comitê Organizador local e uma fundação independente que captará os recursos necessários para sua realização, o capítulo venezuelano já está partindo para uma consulta púbica sobre as temáticas do evento.
Por outro lado, Mali e Paquistão ainda enfrentam grandes desafios, já que têm apenas cerca de seis meses para montar sua parte do FSM de forma representativa. Mali apresentou sua candidatura ao FSM 2006 enquanto país africano do processo nesta reunião, data limite proposta pelo CI, mas não foi muito além disso, faltando definir desde a sede até os demais processos organizativos.
Já o comitê asiático do FSM 2006 se reuniu recentemente – com participação de representantes de Paquistão, Índia, Sri Lanca, Bangladesh, Nepal, Indonésia, Filipinas, Tailândia, Vietnam, Japão, Coréia, Mongólia e Jordânia –, e decidiu-se apresentar ao CI duas propostas de eventos: um em Karatchi em janeiro, simultâneo a Caracas e Bamako (e que reuniria prioritariamente os países do centro-sul asiático e do Oriente Médio), e outro em junho, também parte do FSM Policêntrico, que priorizaria os países do oeste e do sudoeste, e poderia acontecer na Mongólia ou na Indonésia, como explicou a indiana Nanditah Shah, membro do comitê asiático.

Paquistão

A candidatura do Paquistão ao FSM 2006, que também já havia sido aventada em Porto Alegre, no FSM 2005, nunca foi muito tranqüila. Governado por uma ditadura militar desde 1999, o Paquistão pode ser considerado um dos mais expressivos exemplos da adoção do neoliberalismo político e econômico, além de ter colocado as suas forças armadas, comandadas pelo presidente General Parvaz Musharaff, a serviço dos EUA nas invasões do Afeganistão e do Iraque.
Em um rápido resumo da conjuntura local, Faham Kahn, membro do comitê organizador paquistanês e ex-prefeito de Karatchi pelo partido comunista, explica que o governo vive uma situação bastante delicada, uma vez em que se esforça em vender a imagem de uma “ditadura benevolente” de muçulmanos moderados, mas que acabou transformando o país em uma “Cuba do tempo do [ditador] Batista”.
“Para se ter uma idéia, as Forças Armadas paquistanesas são o maior empreendedor empresarial do país. Possuem de redes de distribuição de gasolina à industrias de armas, bancos, imobiliárias, etc. Já o primeiro escalão do governo todo tem mais que um pé nos EUA. Musharaff têm todos os familiares lá, com green-card. O Primeiro Ministro é o presidente licenciado do City Bank ou City Corp. da Ásia. Por isso digo que somos uma Cuba de Batista. Se se fala de uma agenda neoliberal, estamos falando do Paquistão”, diz Kahn.
Segundo ele, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 aos EUA (país de quem o Paquistão sempre foi política e economicamente dependente), os americanos requisitaram as forças armadas paquistanesas como mercenários no Afeganistão e no Iraque, usando-as também como potencial arma contra o Irã, Síria e Índia.
“Mas esta proximidade com os EUA, que controlam também os sete ou oito partidos políticos maiores do país, não agradou à direita religiosa muçulmana, que se voltou contra Musharaff. Este agora busca suporte nos liberais, os antigos progressistas, e se esforça para mostrar que não é assim tão ditador. Mas quando os partidos mais de esquerda tentaram exigir a sua demissão das Forças Armadas este ano, o que dividiria o poder no país em dois, ele se negou. Quanto a nós, não deve se opor ao FSM porque este levanta a bandeira contra o neoliberalismo e a guerra, mas não machuca se isso não for um desafio político, que só será feito pelos partidos políticos; que,por sua vez, estão nas mãos dos EUA” explica Kahn.
Com esta posição, a coordenação local já negociou com os ministros do governo tanto a sede do Fórum – um enorme centro de exposições pelo qual o governo cobrará, em seis dias, o valor de uma única diária (ou 80 mil dólares),quanto a política de vistos de entrada para os delegados dos demais países. “Vamos apresentar ao governo o argumento de que a Índia acabou liberando todo mundo no FSM 2004, que aconteceu em Mumbai. Se em todos os países estão fazendo eventos do FSM, não seria o Paquistão o único a dificultar as coisas. A nossa maior preocupação agora é com a tradução para os cerca de 10 mil participantes que esperamos”, diz o organizador.

Perspectivas

Para o finlandês Teivo Teivanen, membro do CI, a reunião destes dias serviu principalmente para tirar dúvidas e acalmar os mais preocupados com o FSM 2006. Segundo ele, dissipou-se um pouco o medo de que o evento venezuelano seria tomado pelo governo chavista, ou que seria o único – mesmo que, sem dúvida, será o mais forte -, ou ainda que um evento no Paquistão legitimaria o seu ditador.
“Outras questões, como a dicotomia sobre o FSM como ‘espaço de debate’ ou ‘ator político’ também estão mais resolvidas, no sentido de que, sem romper a idéia de espaço, o FSM buscará mecanismos de implementar ações concretas. Falou-se ainda no FSM 2007, que deverá ocorrer em Nairobi, no Quênia, e aventou-se a volta do FSM ao Brasil em 2008, sem que seja necessariamente em Porto Alegre. Isso quer dizer que o formato policêntrico também não é uma questão definida.”, diz Teivanen.

Fonte: Agência Carta Maior