Movimentos sociais lançam Carta contra golpismo

A CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais) lançou nesta terça-feira, 21/06, na capital federal a “Carta ao Povo Brasileiro”, como resposta à crise política gerada a partir das denúncias de esquema de corrupção nos Correios. Com a participação de mais de quarenta entidades dos movimentos sociais e religiosos, as entidades congregadas na CMS deram entrevista coletiva à imprensa para divulgar o conteúdo da carta, no Centro Cultural de Brasília.
Na coletiva, fizeram parte da mesa: Dom Tomás Balduíno (CPT – Comissão Pastoral da Terra), João Pedro Stédile (MST), Luís Marinho (CUT), Gustavo Petta (UNE), Nalú Faria (Marcha Mundial das Mulheres), Vander Geraldo da Silva (Conam – Confederação Nacional de Associação de Moradores), Consuelo Gonçalves (Conen – Confederação Nacional de Entidades Negras), Pastor Hervino (Conic) e José Antônio Moroni (Abong).
Após a leitura da carta para a imprensa, os jornalistas fizeram perguntas aos representantes das entidades que compunham a mesa da coletiva. Segundo Stédile, a carta é produto de uma análise de conjuntura do país; de um debate e convergência de opiniões de mais de cem entidades que redundou no documento que os movimentos divulgaram para a imprensa. Ainda segundo o representante do MST, trata-se de uma manifestação das várias áreas da sociedade brasileira em relação à crise política em curso.

Duas saídas

No final da coletiva, o presidente da UNE chamou a atenção para um aspecto da conjuntura política diante do quadro de instabilidade; “ou o Governo se torna mais refém dos setores conservadores [diante da crise] ou muda agora; senão mudar [a política econômica e a relação com o Congresso] vai agonizar até 2006”.
Na verdade, o Governo tem duas saídas para a crise instalada. Uma de caráter conservador, que é a manutenção da atual política econômica e uma relação política com o Congresso que privilegia a barganha com as bancadas partidárias a partir da liberação de emendas ao orçamento para votar as matérias de interesse do Planalto.
A outra é a construção de uma ampla base social e política para promover as mudanças rumo ao desenvolvimento. A síntese dessa compreensão, segundo o Pastor Hervino, é a construção “de uma maioria qualificada, ao invés de maioria ampla”, pontuou.
Entretanto, é preciso que se diga que para construir essa maioria qualificada é necessário realizar reformas estruturais na política. Ou seja, apesar de constatar que isso é necessário, o Governo, na prática, não pode prescindir da maioria ampla para manter a estabilidade do país.

“Transformar o limão em limonada”

Os setores políticos e ideológicos têm comportamentos diferentes diante da instabilidade política instalada com a crise. “As forças políticas reacionárias se aproveitam da crise para tirar mais proveito da Administração”, afirmou Dom Tomás Balduíno. Ele disse ainda que os movimentos sociais devem aproveitar-se da crise, diferentemente dos setores reacionários e conservadores, “para cobrar mudanças na política econômica”.
Stédile completou o raciocínio de Balduíno afirmando que o Governo precisa “transformar o limão em limonada”. Isto é, diante da instabilidade política, o Planalto precisa se posicionar e construir alternativas, junto com os movimentos sociais, de modo a romper com a agenda negativa e passar à agenda positiva. Segundo Stédile, o objetivo da “Carta ao Povo Brasileiro” é fazer uma reflexão com a sociedade sobre a corrupção, “a essência é mudar a natureza do Governo e não procurar ‘bode expiatório’”.

A Carta

A “Carta ao Povo Brasileiro” propõe ao Governo Lula, ao Congresso Nacional e a sociedade civil medidas contra a corrupção e apóia uma “ampla investigação de todas as denúncias de corrupção que estão sendo analisadas” no Legislativo e em outras esferas da Administração Pública.
O documento, depois de analisar o quadro político e de tecer opiniões acerca da evolução dos acontecimentos – desde a publicização das denúncias até o seu tratamento pelos órgãos competentes – elenca sete medidas para enfrentar as turbulências políticas geradas a partir das entrevistas e depoimentos do deputado e presidente licenciado do PTB, Roberto Jefferson (RJ), pivô da crise.
Pela carta, as entidades se posicionam “contra a corrupção e a desestabilização política do Governo: por mudanças na política econômica, pela prioridade nos direitos sociais e por reformas políticas democráticas!”. Com este chamamento, os movimentos sociais desejam estimular a construção de uma agenda positiva, já que parte da grande imprensa “turbina”, de forma desonesta, a agenda negativa.
O documento acentua que “a sociedade brasileira mudou e decidiu por mudanças” ao eleger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E continua: “é com a força desta história recente, mas vigorosa, de fortalecimento e radicalização da democracia em nosso país que nós, representantes das organizações populares, das organizações não governamentais, do movimento sindical, dos movimentos sociais e personalidades, que queremos convocar toda a sociedade brasileira, cada cidadão e cada cidadã, para uma grande e contínua mobilização que torne possível enfrentar a crise política e fazer prevalecer os princípios democráticos”, pontifica.

Desejo das elites

Na carta, as entidades chamam a atenção para, segundo os subscritores, o que está por trás da “cruzada moralista” iniciada a partir, ora vejam, das denúncias feitas por Roberto Jefferson.
“De olho nas eleições de 2006, as elites iniciaram através dos meios de comunicação uma campanha para desmoralizar o Governo e o Presidente Lula, visando enfraquecê-lo, para derrubá-lo ou obrigá-lo a aprofundar a atual política econômica e as reformas neoliberais, atendendo [assim] aos interesses do capital internacional”.

Pretexto

De cultura e vezo autoritários, as elites econômicas brasileiras, sob o pretexto de apurar denúncias de corrupção, estimulam um movimento de desestabilização do “Governo legitimamente eleito”, destaca a carta.
Diante desse quadro de provocação, as entidades preocupadas “com o processo democrático e também com as denúncias de corrupção que deixaram o povo perplexo, vimos a público dizer que somos contra qualquer tentativa de desestabilização do Governo (…)”.

Alternativa

Emparedado por contradições que produzem esquizofrenia no Governo, o Planalto se movimenta em face da crise. O primeiro passo foi o afastamento de José Dirceu da Casa Civil. O próximo pode ser uma reforma ministerial de modo a incorporar setores aliados descontentes com o tamanho de sua participação no Governo.
Essa política esquizofrênica se manifesta, de um lado por uma política econômica de juros altos, que privilegia o capital financeiro, o capital rentista [especulativo] em detrimento da produção; de outro, o discurso que anuncia como prioridade as questões sociais e uma acertada política externa soberana e de alianças, sobretudo comerciais, com as nações em desenvolvimento.
Em face ao desnorteamento do Governo, os movimentos sociais apontam como opção “retomar o projeto pelo qual foi eleito, e que mobilizou a esperança de milhões de brasileiros e brasileiras”. E vai além. “Projeto este que tem como base a transformação da sociedade e do Estado brasileiros, uma sociedade dividida entre os que tudo podem e tudo têm e aqueles que nada podem e nada têm”, finaliza a carta.
Nesta quarta-feira, 22/06, a CMS se encontra com Lula para entregar-lhe a carta. No dia 1º de julho, no Congresso da UNE em Goiânia, a CMS promove um ato político, que segundo os coordenadores dos movimentos sociais, deverá reunir 20 mil pessoas contra a desestabilização do Governo Lula.

Leia a íntegra da Carta

CARTA AO POVO BRASILEIRO

Contra a desestabilização política do governo e contra a corrupção:
Por mudanças na política econômica, pela prioridade nos direitos sociais e por reformas políticas democráticas!

A sociedade brasileira mudou e, na Constituinte de 1988, decidiu por mudanças. Constituiu novos poderes e elegeu novos governantes, para promover processos de transformação social. Criou novas estruturas, combateu velhas instituições e gerou novos mecanismos para fazer valer os direitos de todas e cada uma das pessoas a uma vida digna.

Com a força desta história recente, mas vigorosa, de fortalecimento e radicalização da democracia em nosso país que nós, representantes das organizações populares, das organizações não governamentais, do movimento sindical, dos movimentos sociais e personalidades, convocamos toda a sociedade brasileira, cada cidadão e cada cidadã, para uma grande e contínua mobilização que torne possível enfrentar a crise política e fazer prevalecer os princípios democráticos.

Nas últimas eleições, com a esperança de realizar mudanças na política neoliberal que vinha sendo praticada desde 1990, o povo brasileiro elegeu o Presidente Lula. Até este momento, avaliamos que pouca coisa mudou e presenciamos um mandato cheio de contradições. De um lado, o governo seguiu com uma política econômica neoliberal, resultado de suas alianças conservadoras. De outro, adotou um discurso da prioridade social e uma política externa soberana e de aliança com as nações em desenvolvimento. A eleição do Lula reacendeu as esperanças na América Latina, e influiu de forma positiva em alguns conflitos políticos na região.

De olho nas eleições de 2006, as elites iniciaram, através dos meios de comunicação uma campanha para desmoralizar o governo e o Presidente Lula, visando enfraquecê-lo, para derrubá-lo ou obrigá-lo a aprofundar a atual política econômica e as reformas neoliberais, atendendo aos interesses do capital internacional.

Preocupados com o processo democrático e também com as denúncias de corrupção que deixaram o povo perplexo, vimos à publico dizer que somos contra qualquer tentativa de desestabilização do governo legitimamente eleito, patrocinada pelos setores conservadores e antidemocráticos.

Exigimos completa e rigorosa investigação das denúncias de corrupção, feitas ao Congresso Nacional e à imprensa, e punição dos responsáveis. Sabemos que a corrupção tem sido, lamentavelmente, o método tradicional usado pelas elites para governarem o país.

Exigimos também a investigação das denúncias de corrupção, por ocasião da votação da emenda constitucional que aprovou a reeleição e dos processos de privatização das estatais ocorridas no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Trata-se, portanto, de fundamentar a vida política em princípios éticos como a separação entre interesses privados e interesses públicos, de transparência nos processos decisórios e a promoção da justiça social.

Diante da atual crise, o governo Lula terá a opção de retomar o projeto pelo qual foi eleito, e que mobilizou a esperança de milhões de brasileiros e brasileiras. Projeto este que tem como base à transformação da sociedade e do Estado brasileiros, uma sociedade dividida entre os que tudo podem e tudo têm e aqueles que nada podem e nada têm.

Por isso, vimos a público defender, e propor ao governo Lula, ao Congresso Nacional e a sociedade civil, as seguintes medidas:

1- Realizar e apoiar uma ampla investigação de todas as denúncias de corrupção que estão sendo analisadas no Congresso Nacional e punir os responsáveis;

2- Excluir do governo federal setores conservadores que querem apenas manter privilégios, afastar autoridades sobre as quais paira qualquer suspeição e recompor sua base de apoio, reconstruindo uma nova maioria política e social em torno de uma plataforma anti-neoliberal;

3- Realizar mudanças na política econômica no sentido de priorizar as necessidades do povo e construir um novo modelo de desenvolvimento. A sociedade não suporta mais tamanhas taxas de juros, as mais altas do mundo, sob o pretexto de combater a inflação. A sociedade não sustenta a manutenção de um superávit primário, que apenas engorda os bancos.Os recursos públicos têm de ser investidos, prioritariamente, na garantia dos direitos constitucionais, entre eles, emprego, salário-mínimo digno, saúde, educação, moradia, reforma agrária, meio ambiente, demarcação das terras indígenas e quilombolas;

4- Realizar, a partir do debate com a sociedade, uma ampla reforma política democrática. Uma reforma que fortaleça a democracia e dê ampla transparência ao funcionamento dos partidos políticos e aos processos decisórios. Por isso, somos favoráveis à fidelidade partidária, ao financiamento público exclusivo das campanhas, à exclusão das cláusulas de barreira, e à apresentação de candidaturas em listas fechadas com alternância de gênero e etnia, obedecendo critérios de representação política pluriétnica e multiracial. Queremos também a imediata regulamentação dos processos de democracia direta, que implica o exercício do poder popular mediante plebiscitos e referendos, conforme proposta apresentada pela CNBB e a OAB ao Congresso Nacional;

5- Fortalecer os espaços de participação social na administração pública e criar novos espaços nas empresas estatais e de economia mista, viabilizando o controle social e real compartilhamento do poder;

6- Fortalecer as iniciativas locais em favor da cidadania e da participação e da educação popular, como por exemplo os comitês pela ética na política, conselhos de controle social, escolas de formação política;

7- Enfrentar o monopólio dos meios de comunicação, garantindo sua democratização, inclusive através do fortalecimento das redes públicas e comunitárias.

Neste momento de mobilização, conclamamos as forças democráticas e populares a se mobilizarem para realizar manifestações de rua e protestos, e trabalhar para promover as verdadeiras mudanças que o país e o povo precisa.

Brasília, 21 de junho de 2005.

Atenciosamente,

Seguem-se entidades e movimentos da sociedade e da CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais)

CUT – Central Única dos Trabalhadores
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
CMP – Coordenação dos Movimentos Populares
UNE – União Nacional de Estudantes
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
ABONG – Associação Brasileira de ONG
INESC – Instituto de Estudos SocioEconômicos
CNBB/PS – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/Pastorais Sociais
PO Nacional – Pastoral Operária Nacional
Grito dos Excluídos
Marcha Mundial de Mulheres
UBM – União Brasileira de Mulheres
UBES – Uniao Brasileira de Estudantes Secundários
CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras
JOC – Juventude Operária Cristã
MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados
MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação
Federação Nacional dos Advogados
CONAM – Confederação Nacional de Associações de Moradores
UNMP
Ação da Cidadania Contra a Fome a Miséria e pela Vida
CEBRAPAZ
ABRAÇO – Associação Brasileira de Rádios Comunitárias
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CPT – Comissão Pastoral da Terra
FENAC – Federação Nacional das Associações
AMB – Articulação de mulheres brasileiras
CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
IBRADES – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
EDUCAFRO – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes
MSU – Movimento dos Sem Universidade
CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
ANPG – Associação Nacional dos Pós Graduandos
CSC – Corrente Sindical Classista
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
IBASE – Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Econômicas
Federação Nacional dos Economistas
Sindicato dos economistas do DF
Conselho Nacional de Iyalorixás e Ekedes Negras
CBJP – Comissão Brasileira Justiça e Paz
Campanha Jubileu Brasil contra as dívidas e contra a Alca

Fonte: Diap