Governo e movimentos populares definem agenda na Bolívia

Organizações populares e o novo presidente da Bolívia, Eduardo Rodríguez, estabeleceram ontem (12) uma agenda para atender às reivindicações dos movimentos sociais. Entre as principais reivindicações está a nacionalização do gás. Foram 20 dias de protestos, que culminaram com a substituição do ex-presidente Carlos Mesa. A saída irregular de gás para Brasil e Chile, entre outros, é uma das principais preocupações dos movimentos populares bolivianos, já que o gás é a principal fonte de riqueza do país.
Durante reunião na rádio San Gabriel de El Alto, o presidente Rodríguez pediu tempo às organizações de El Alto e falou que “assim que organizar o novo gabinete cuidará desta agenda”. Além disso, confirmou a convocação de eleições gerais, uma das reivindicações centrais dos manifestações populares.
O líder da influente Federação das Juntas Vicinais de El Alto, Abel Mamani, disse ter percebido “predisposição” por parte do presidente e acrescentou que, a partir de hoje (13), serão formadas comissões com diversos setores da sociedade para que “as reivindicações cheguem ao Congresso Nacional”. Além do adiantamento das eleições, os setores mobilizados pedem a nacionalização dos hidrocarbonetos e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Os representantes sindicais decidirão hoje (13) se realizam um novo protesto, previsto para amanhã (14), junto com os milhares de comerciantes varejistas.

Sánches de Lozada

Os representantes populares lembraram ao presidente que um assunto fundamental de seus pedidos é o julgamento de responsabilidades contra o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, por sua atuação durante sua segunda gestão (2002-2003). O líder do Movimento Indígena Pachakuti, Felipe Quispe, disse que as eleições presidenciais são assunto secundário para os indígenas da Bolívia, porque “o ponto central é a nacionalização dos hidrocarbonetos”. Quispe declarou à emissora de Radio Programas del Perú que está consciente de que o novo presidente “não quer cumprir nada, mas terá que esperar para ver”.
Quispe lembrou que a exigência da nacionalização dos hidrocarbonetos provocou a queda de dois presidentes desde 2003 e acrescentou que “é possível que outro presidente possa cair”. Ele disse que a única arma que resta ao povo boliviano é a das mobilizações, porque todos os governantes de seu país defenderam os interesses do capitalismo e nenhum partido apóia suas iniciativas no Congresso. “O indígena vai estar durante toda a vida lá embaixo, pisoteado, discriminado, explorado e desprezado”, avaliou Quispe. “Estão tirando (o gás) sem controle para Brasil, Argentina e Chile. (Mas) nem o próprio presidente sabe quanto gás está saindo, ninguém sabe”, afirmou.

Carlos Mesa

O ex-presidente da Bolívia, Carlos Mesa, disse que temeu uma guerra civil em meio à crise atravessada pelo país, de acordo com uma entrevista publicada ontem (12) pelo jornal espanhol ABC. Mesa qualificou os últimos dias vividos como “os mais duros, porque não se tratava de apenas sua vida pessoal, mas a de nove milhões e meio de pessoas”. Segundo ele, a nomeação de Rodríguez “foi um dos momentos mais felizes de minha vida, porque me dei conta de que estávamos salvando a Bolívia do desastre”.
Para ele, uma eventual nomeação do presidente do Senado, Hormando Vaca Díez, não teria sido uma solução. “Era evidente que não havia viabilidade para a Bolívia com o presidente do Senado. Caminhávamos para a ruptura, a divisão do país”, acrescentou. Mesa assinalou que o novo presidente Rodríguez conta com a “válvula de saída que eu não tinha, a de construir um processo eleitoral total”, ainda que para isso precise da colaboração do Parlamento. “Se (o parlamento) está disposto a encurtar seu mandato, isso pode representar uma oportunidade para o presidente”, disse Mesa.

Hugo Chávez

Para o ex-presidente, numa democracia “o parlamento deve ser invulnerável, gerador da legitimidade, mas estamos hoje diante de um que não representa em absoluto ao realidade política do país”. Com respeito à lei dos hidrocarbonetos, Mesa lembrou a possibilidade de que as grandes multinacionais possam acionar a Bolívia nos tribunais por não cumprimento de contratos. “É uma batalha que pode acontecer, e os argumentos não faltam. É um risco muito alto que o país tem que encarar”, afirmou. E ressaltou: “O pior que pode acontecer ao investimento estrangeiro é uma guerra civil, mas se há uma saída minimamente sensata as multinacionais deveriam não pressionar, manter-se em compasso de espera”.
Em outra entrevista ao jornal mexicano El Universal, Mesa desmentiu os Estados Unidos, que disseram que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, estava intervindo na crise boliviana. “Não vi, enquanto estive no governo, indícios de inteligência (de Caracas interferindo no conflito boliviano)”, declarou ele. E acrescentou que considera legítimo a simpatia que Chávez manifestou ao líder do Movimento Ao Socialismo (MAS), Evo Morales. “Há empatia e respaldo de Chávez a Evo. Isso é evidente e até me parece legítimo”, enfatizou. Recentemente, os Estados Unidos disseram o presidente venezuelano estava insuflando as ações de protesto lideradas por Morales.

Com agências internacionais