Reportagem produzida pelo Sintrajufe/RS
15/02/2023 – Nas últimas semanas, ganhou destaque na mídia e nas plataformas de redes sociais digitais um novo robô de Inteligência Artificial (IA) chamado ChatGPT, disponibilizado ao público no final de 2022. O ChatGPT é capaz de escrever textos sobre os mais diversos assuntos a partir de comandos simples orientados pelo usuário. Trata-se de mais um instrumento cujo uso pode impactar na prestação jurisdicional e colocar em risco os empregos de trabalhadores e trabalhadoras dos setores público e privado. O Sintrajufe/RS pediu ao robô do ChatGPT que escrevesse sobre essa questão, e o resultado deve reforçar as preocupações sobre o tema.
O que é o ChatGPT e como ele escreve seus textos, segundo “ele mesmo”
O ChatGPT é, em suma, um robô criado pela Open AI, uma startup especializada em inteligência artificial. Ele responde a perguntas diversas e produz textos de diferentes tipos sobre os assuntos solicitados pelos usuários. Questionado pelo Sintrajufe/RS sobre “como o ChatGPT escreve seus textos”, o robô explicou seu funcionamento básico: “Eu, o ChatGPT, escrevo meus textos usando uma tecnologia chamada deep learning. Sou treinado por meio de um processo de aprendizado por reforço, onde recebo feedback sobre minhas respostas e ajusto minha estratégia com base nesse feedback. Isso me permite responder de maneira eficaz a perguntas e gerar textos coerentes e naturalmente escritos. Além disso, tenho acesso a grandes quantidades de dados da Internet, incluindo artigos, páginas da web e conversas, o que me ajuda a responder perguntas de maneira informativa e precisa. Em resumo, escrevo meus textos usando uma combinação de aprendizado por reforço, acesso a dados e processamento de linguagem natural”.
Perguntamos ao robô sobre a IA no Judiciário. O que “ele disse”?
Frente ao avanço da Inteligência Artificial nos serviços públicos e, em especial, no Poder Judiciário, aumenta a preocupação com a substituição de vagas de trabalho por serviços desse tipo. O Sintrajufe/RS pediu ao ChatGPT que escrevesse uma “reportagem sobre inteligência artificial no Poder Judiciário”. O que o robô escreveu é revelador sobre a ideologia embutida na ferramenta. Veja abaixo a resposta recebida:
A Inteligência Artificial (IA) tem sido amplamente utilizada em muitos setores da sociedade, incluindo o Poder Judiciário. A implementação de tecnologias de IA no setor judiciário tem como objetivo aumentar a eficiência e a eficácia na tomada de decisões, além de tornar o processo judicial mais acessível e justo para todas as partes envolvidas.
Uma das formas mais comuns de uso da IA no Poder Judiciário é através de sistemas de apoio à decisão, que ajudam os magistrados a tomar decisões baseadas em informações relevantes e precedentes. Estes sistemas também podem ser usados para ajudar a identificar padrões e tendências em dados judiciais, o que pode ser útil para a elaboração de políticas públicas.
Além disso, a IA também é usada para ajudar a triar processos, classificar documentos e identificar informações relevantes. Isso pode ajudar a economizar tempo e recursos, uma vez que processos menos relevantes podem ser tratados de maneira mais rápida e eficiente.
No entanto, é importante lembrar que o uso da IA no Poder Judiciário também apresenta algumas preocupações, como a questão da privacidade e da proteção de dados, bem como a preocupação de que a tecnologia possa ser utilizada de maneira imprópria ou injusta. Por isso, é importante que sejam implementadas medidas de segurança adequadas para garantir que a tecnologia seja usada de forma responsável e ética.
Em resumo, o uso da IA no Poder Judiciário pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar a tornar o processo judicial mais eficiente e acessível, mas é importante que sejam tomadas medidas para garantir sua utilização responsável e ética.
Parece neutro. Mas poderia ser?
No texto do ChatGPT, predominam as supostas vantagens do uso da inteligência artificial no Poder Judiciário, como eficiência, eficácia e acessibilidade da Justiça. Também aponta como vantagens a possibilidade de que o robô ajude a “triar processos, classificar documentos e identificar informações relevantes”. Entre os riscos, o texto fala da “questão da privacidade e da proteção de dados, bem como a preocupação de que a tecnologia possa ser utilizada de maneira imprópria ou injusta”.
De fato, essa preocupação com a privacidade é justa, mas o texto parece ignorar que as garantias éticas de que fala, o impedimento do uso da tecnologia “de maneira imprópria ou injusta” só pode ser aplicado justamente por meio do trabalho de seres humanos. Uma possível substituição de servidores deixaria o controle dos processos nas mãos de quem formata e opera os aparatos tecnológicos. E, como se vê no texto produzido pelo ChatGPT, essa formatação e operação não é neutra, não é isenta de ideologia, e nem poderia ser.
Como “ele vê” o direito de greve?
Pedimos ao ChatGPT que falasse sobre o tema “direito de greve”. Veja abaixo sua resposta:
O direito de greve é uma garantia constitucional assegurada aos trabalhadores em vários países, incluindo o Brasil. Trata-se de um direito fundamental que permite aos trabalhadores a possibilidade de suspender suas atividades em caso de discordância com as condições de trabalho ou com as políticas adotadas pela empresa ou pelo Estado.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 garante o direito de greve aos trabalhadores, desde que observadas determinadas condições e limites. De acordo com a lei, a greve deve ser pacífica, sem violência ou ameaças, e deve ser precedida de uma negociação prévia entre os trabalhadores e a empresa ou o governo.
Além disso, durante a greve, os trabalhadores não podem impedir o acesso de outros empregados ao local de trabalho, bem como não podem impedir o acesso de bens essenciais à população, como alimentos, medicamentos e combustíveis.
Caso a greve seja considerada abusiva, ou seja, caso os trabalhadores desrespeitem as condições e limites previstos em lei, a Justiça pode determinar a suspensão do movimento, bem como aplicar sanções aos grevistas e às entidades sindicais envolvidas.
Por outro lado, a greve é considerada uma importante ferramenta de luta dos trabalhadores, capaz de pressionar as empresas e o governo a atenderem suas reivindicações. Quando realizada de forma pacífica e dentro dos limites previstos em lei, a greve pode ser uma forma efetiva de exercício da cidadania e de defesa dos direitos dos trabalhadores.
Não é incomum a Justiça do Trabalho ser acionada para decidir sobre temas cujo julgamento não prescindir de questões subjetivas ou mesmo de análise dos ambientes políticos e sociais do momento. É o caso, por exemplo, de demissões injustas ou até mesmo da legalidade ou não de movimentos grevistas. Como avaliar, sem subjetividade, as condições que o próprio ChatGPT elenca para que uma greve seja considerada legal ou ilegal? Nesses casos, o julgamento não se baseia apenas na jurisprudência, mas também em fatores que um robô não seria capaz de avaliar. Não por ser neutro e, assim, não ter “lado”; mas sim porque seu lado é o de quem o formata e controla, sua ideologia está atravessada pela forma como seus operadores veem o mundo.
Inteligência Artificial avança no Judiciário
Em junho de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou pesquisa apontando aumento de 171% no número de projetos de Inteligência Artificial desenvolvidos ou em desenvolvimento nos tribunais em todo o país em comparação com o ano anterior. Eram, naquele momento, 111 projetos do tipo, distribuídos por 53 diferentes tribunais.
“Os principais motivadores para o uso de uma ferramenta de IA pelos tribunais é aumentar a produtividade, buscar a inovação, melhorar a qualidade dos serviços judiciários e reduzir custos”, disse, à época, reportagem publicada no site do CNJ. À mesma reportagem, o juiz auxiliar da presidência do CNJ Rafael Leite elogiou as ações: “A automação de rotinas e tarefas burocráticas, que antes apresentava alto grau de dificuldade, passa a ser possível com o uso da IA, reduzindo as etapas formais de um processo judicial e permitindo que o foco passe a ser uma abordagem mais humana, voltada para bem atender os jurisdicionados”.
O que está sendo chamado de “redução de custos” e “redução de etapas formais” tem um sentido claro: redução de servidores e servidoras. Sobre a ameaça aos postos de trabalho, a matéria do CNJ nada diz.