Servidores e servidoras têm sido procurados por uma associação nacional que tem feito contatos telefônicos e por e-mail nos quais afirma que apenas quem estiver atualmente filiado a essa entidade, mesmo que esteja abrangido pela ação com trânsito em julgado daquela entidade, não sofrerá abatimento do percentual dos quintos incorporados na parcela de reposição salarial de fevereiro. O Sintrajufe/RS gravou uma dessas conversas.
Entenda o caso
Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou acórdão concedendo parcial provimento aos embargos de declaração e modulou os efeitos da decisão do RE 638115, mantendo os quintos incorporados pelos servidores e pelas servidoras federais em decorrência de exercício de função comissionada ou cargo em comissão entre abril de 1998 e setembro de 2001. Nos casos das parcelas concedidas por decisões administrativas ou judiciais não transitadas em julgado, a determinação é que essas sejam absorvidas por reajustes futuros.
Com a publicação da lei 14.523/2023, de reposição salarial, e o pagamento da primeira parcela, de 6%, em fevereiro, a associação começou a enviar e-mails e fazer ligações para os e as colegas, incluindo aqueles e aquelas com trânsito em julgado. Em seu site, a referida entidade se autointitula como “detentora do título transitado em julgado” e afirma que “todos os servidores associados terão as suas parcelas de quintos preservadas” e, indo além, que “se o servidor não for um associado ativo, ele não constará na lista de beneficiários” (destaques nossos).
Essa ameaça nada velada é relatada também por colegas que receberam ligações telefônicas, o que está ocorrendo em todo o país. O Sintrajufe/RS ouviu de uma colega que, do outro lado da linha, o representante da referida associação afirmou que a “refiliação”, ou seja, voltar para seu quadro de sócios, é a condição para que o percentual da reposição salarial (6% em fevereiro) não seja absorvido em decorrência dos quintos. Quando indagado sobre o motivo dessa lista, a explicação é que essa seria uma exigência do STF, o que não é verdade.
“O STF está pedindo…”
Veja abaixo trechos de uma conversa telefônica entre uma servidora e a associação:
ASSOCIAÇÃO – Estou ligando a respeito do reajuste que vai ter, que vai absorver a parcela de quintos de quem não é filiado [à associação]. Eu queria confirmar se a senhora tem interesse em se refiliar, para não ter essa absorção.
SERVIDORA – Eu tenho trânsito em julgado da ação que me concedeu os quintos.
[…]
ASSOCIAÇÃO – O tribunal está exigindo que a [nome da associação] encaminhe a lista de filiados. Por isso ela pede que refilie quem estava na ação. Como ela é detentora desse direito judicial, tem essa necessidade de estar filiado para poder ter essa garantia.
SERVIDORA – Qual tribunal?
ASSOCIAÇÃO – Por determinação, na verdade, do Supremo. Ele que determinou que quem estivesse nessa ação deveria estar filiado […].
SERVIDORA – Qual o número da decisão do tribunal, tu tens o número?
[…]
ASSOCIAÇÃO – Vou pedir para enviar por e-mail.
[…]
SERVIDORA – Tu tens que mandar o meu nome para o STF para eu não perder os quintos já incorporados por decisão judicial transitada em julgado?
ASSOCIAÇÃO – Eles vão encaminhar pro tribunal onde a senhora está lotada.
SERVIDORA – Quem vai encaminhar?
ASSOCIAÇÃO – A … [nome da associação] que vai encaminhar. O tribunal está pedindo a lista de filiados que participam da ação de incorporação de quintos.
SERVIDORA – Essa ação em que recebi os quintos tem muito tempo, muitos e muitos anos […] já está com trânsito em julgado há muitos anos. E o meu nome estava na lista na época, como é que agora vai mudar isso?
ASSOCIAÇÃO – Se a senhora quiser verificar com a folha de pagamento do tribunal, que eles vão exigir, né? Porque os tribunais estão exigindo a lista de filiados […].
SERVIDORA – Vou verificar. É somente a [nome da associação] que faz isso?
ASSOCIAÇÃO – Só a [nome da associação] que pode encaminhar a lista.
SERVIDORA – Eu sei que tem outras entidades que também ganharam os quintos.
ASSOCIAÇÃO – Isso, tem sim. Aí essas entidades também vão encaminhar […].
SERVIDORA – Meu trânsito em julgado, estou em dúvida, faz mais de dois anos. Então não dá nem pra fazer uma rescisória nessa ação. Por isso que estou com dúvida, entendeu?
ASSOCIAÇÃO – Entendi.
SERVIDORA – Essas [ações com trânsito em julgado] eu sei que não seriam atingidas pela nova lei, pela absorção […]. Acho que com o trânsito em julgado não [teria risco] […] Preciso estar associada mesmo que eu estivesse com o nome na lista da ação?
ASSOCIAÇÃO – Sim, isso mesmo […] isso os advogados informaram. Para a gente entrar em contato com quem não estivesse filiado, que há essa necessidade de se manter filiado para continuar sendo beneficiado pelo trânsito em julgado […].
SERVIDORA – Ah então eu tenho que me associar de novo pra isso, é isso?
ASSOCIAÇÃO – Isso, isso mesmo.
Capacidade postulatória
O Sintrajufe/RS, assim que o Sintrajusc, informam que, ao contrário de um sindicato, uma associação não tem capacidade postulatória em substituição processual. Significa dizer que a natureza de sua ação é estritamente processual e que ela não pode figurar como parte do processo. Além disso, o título executivo de uma ação que transitou em julgado não é da entidade, mas do titular do direito, ou seja, do servidor ou da servidora cujo nome consta no rol anexado na ação inicial. Tanto que, na ação coletiva, os autores e as autoras foram nominados individualmente; a associação apenas os representou.
Portanto, não é verdade que os nomes possam ser retirados da lista para comprovação de trânsito em julgado se o servidor ou servidora não estiver filiado. A associação, ao afirmar que somente filiados terão o direito resguardado, investe na confusão, na desinformação e ameaça, aproveitando-se de um temor por parte desses colegas ante as perdas salariais acumuladas nos últimos anos.
Com informações do Sintrajufe/RS