Assédio moral provoca suicídio no Bradesco

O assédio moral – uma das principais questões enfrentadas pelos bancários hoje – é um dos muitos problemas que transforma a rotina dos trabalhadores do Bradesco num verdadeiro inferno diário
No último dia 8 de maio (domingo), a gerente geral Marli da Costa Souza Gonçalves, de 44 anos, que trabalhava em uma agência de Santos, no litoral de São Paulo, não agüentou a pressão e suicidou-se.
Em protesto, a diretoria do Sindicato paralisou, durante todo o dia 9/5, a unidade do Bradesco para denunciar o ocorrido à população. “Ela vinha sofrendo pressões insuportáveis desde que o BBV (seu antigo banco) foi incorporado pelo Bradesco”, contam amigos. Há menos de um ano já havia sofrido infarto.
Bancária há 25 anos, depois de ter trabalhado em vários bancos, ela reclamava que sua vida mudou para pior quando o Bradesco adquiriu o BBV. A gerente vinha sendo assediada moralmente pelo banco com ameaças de demissão para cumprir metas impossíveis e agora, por um crime que não cometeu. Por isso, fazia acompanhamento médico utilizando antidepressivos.

Fábrica de doentes

A morte de Marli é o desfecho mais dramático de uma rotina infernal que persegue os trabalhadores do Bradesco pelo país afora.
Os sindicatos de bancários denunciam que, apesar de ser o banco com o maior índice de crescimento e lucratividade no país —teve lucro no primeiro trimestre de R$ 1,205 bilhão, o dobro do registrado em igual período do ano passado e 14% superior ao ganho dos três últimos meses de 2004— o Bradesco não abre mão de ser também o campeão em ganância e exploração de funcionários adotando práticas que incluem sobrecarga de trabalho, pressão de chefia para cumprimento de metas e para não fazer horas extras, o que significa trabalhar em ritmo alucinante, sem falar no medo constante de ser o próximo da lista dos demitidos.
Além de ser o campeão em LER/DORT, muitos casos tem surgido de bancários com Síndrome do Pânico, doenças gastrintestinais, entre outras. Por esses e outros motivos é que o Bradesco ganhou da categoria o título de Fábrica de Doentes.
“Esta maneira de tratar as pessoas sempre foi problema no Bradesco. Basta lembrar a atuação do banco durante a greve do ano passado, quando a empresa foi das que mais interditos proibitórios interpôs contra o movimento, obrigando o trabalhador a não exercer seu direito legal de lutar por melhores condições de salário e de trabalho. Vamos continuar com atividades na agência Silvio Romero e também em outras agências e concentrações, até que se instaure uma política responsável de gerir as pessoas na empresa”, afirma o diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Walcir Previtale Bruno.
Mas apesar do merecido título de Fábrica de Doentes, essas práticas não são privilégio do Bradesco, mas ocorrem em todo o sistema financeiro, conforme vem denunciando há tempos a Confederação Nacional dos Bancários (CNB-CUT).

Mulheres sofrem mais

Nas oficinas sobre o tema que a CNB-CUT tem promovido em várias cidades, tem sido possível constatar que o perfil do sofrimento mental da categoria bancária vem se agravando nos últimos anos, sobretudo entre as mulheres, que são as vítimas potenciais do assédio moral. De cada 10 bancários que sofrem desse tipo de assédio, oito são do sexo feminino.
Esses dados são confirmados no projeto de pesquisa “Assédio Moral na Categoria Bancária: uma experiência no Brasil”, lançado recentemente.
Francisco Bitu, um dos coordenadores do projeto lembra que a pesquisa começou a ser formatada em 2002, quando o Sindicato dos Empregados em Estabelecimento de Crédito de Pernambuco (SEEC-PE) fez um trabalho de caracterização de assédio moral como acidente de trabalho. “A Previdência Social aceitou nossa tese e começamos a trabalhar. Hoje o projeto é coordenado pelo Sindicato de Pernambuco, em parceria com a CNB-CUT, com o financiamento do Fundo para Igualdade de Gênero-FIG, que é uma entidade canadense”, destaca.
O primeiro passo do projeto foi a realização de oficinas de sensibilização, que ocorreram em vários Estados. O segundo passo será o envio de questionários para as federações de bancários de todo o país que, por sua vez, encaminharão para os Sindicatos. “Através desses dados tabulados, poderemos ter um raio-x do assédio moral por banco, além de podermos tipificar os assédio que é praticado nessas instituições”, cita.
Ao final do trabalho, será elaborada uma cartilha com orientações para a categoria, que poderá servir de base para orientar projetos de Lei federais para inibir a prática. Atualmente existem mais de 80 projetos de lei referentes ao tema em diferentes municípios do país. Vários projetos já foram aprovados em cidades como São Paulo, Natal, Guarulhos, Iracemápolis, Bauru, Jaboticabal, Cascavel, Sidrolândia, Reserva do Iguaçu, Guararema, Campinas, entre outros.
Luiz Saraiva, médico do trabalho que assessora o projeto no SEEC-PE, diz que as mulheres primeiramente são vítimas do assédio sexual no ambiente de trabalho. “Quando essa abordagem não funciona, o agressor parte para o assédio moral incisivo”, coloca. Nos bancos, assim como nos diversos segmentos laborais, existe ainda a questão racial e o assédio moral contra as minorias, como é o caso dos homossexuais. “Ser diferente traz embutida uma grande possibilidade de ser vítima do fenômeno”, destaca o médico.
O cumprimento de metas aliado ao perfil dos superiores, que adotam uma postura rígida e grosseira com os subordinados, potencializa o fenômeno nos bancos. “A atividade bancária é estressante e complexa, propiciando esse tipo de assédio”, ressalta.

Mais contratações

Com o intuito de coibir a pressão psicológica que os funcionários sofrem para atingir metas, os sindicatos e a CNB lançaram no mês passado uma campanha por mais contratações. O objetivo é criar melhores condições para o bancário desempenhar suas funções sem a excessiva pressão de todos os dias. Os funcionários do Bradesco, em conjunto com os sindicatos, vão exigir isenção de tarifas, auxílio-educação, inclusão dos pais no Saúde Bradesco, um amplo a democrático Plano de Cargos e Salários – extinguindo, por exemplo, os “gerentes genéricos”.

Fonte: Diário Vermelho, com informações da CNB-CUT