O projeto de reforma sindical entregue pelo ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, à Câmara no dia 2 de março deste ano foi apresentado como resultado positivo de um duro esforço de negociação entre governo, empresários e trabalhadores. Mas a superação deste obstáculo, que parecia ter sido a parte mais difícil do caminho, não faz sombra ao cenário adverso que está se desenhando para tramitação da proposta no Congresso. O terreno cedido por patrões e empregados durante a negociação da proposta no Fórum Nacional do Trabalho (FNT) está sendo novamente disputado, acrescendo mais elementos de pressão na já tumultuada correlação de forças da Câmara, que ficou ainda mais difícil para o governo federal após a eleição de Severino Cavalcanti.
A aposta no diálogo social, método de construção de políticas que vem sendo propagandeado pelo governo como um avanço democrático, acabou se mostrando mais frágil do que imaginava o Executivo. Os históricos sindicalistas que hoje ocupam o Ministério do Trabalho e durante muito tempo lutaram pelo interesse dos trabalhadores, parecem ter esquecido os antagonismos de interesses presentes na relação entre empregadores e trabalhadores. No documento entregue à Câmara por Berzoini, aparece, entre um dos objetivos da proposta, “a promoção da negociação coletiva como procedimento fundamental do diálogo entre trabalhadores e empregadores” usando como princípio “o reconhecimento da boa-fé como fundamento do diálogo social e da negociação coletiva”. Pode-se concordar mais ou menos com esta tese, mas o reconhecimento de que há interesses bem distantes entre trabalhadores e patrões não pode ser desconsiderado, como as divergências acerca do projeto de reforma sindical bem evidenciam.
A posição dos empresários
Os empresários consideram positivo o coração da reforma, que é o estímulo à negociação coletiva e a criação de mecanismos que incentivem a resolução de conflitos por meio deste instrumento. No entanto, já estão agindo para derrubar alguns dos pontos principais do projeto, principalmente a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, que reduz de 200 para 30 o número mínimo de empregados que uma empresa precisa ter para que ela seja permitida. Está na mira também a substituição processual, que irá permitir às entidades sindicais (do sindicato de base à central) a prerrogativa de entrar com processo contra as empresas representando o conjunto de pessoas empregadas por ela.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, já deu declarações à imprensa afirmando que o perigo de um sindicato ter o poder de acionar, independente do grau de representatividade, a empresa por qualquer assunto pode “afugentar investimentos”. Outra reclamação sobre o projeto encaminhado é o desconto em folha da contribuição negocial, taxa no valor de até 1% da renda anual do trabalhador que será definido em assembléia da categoria. A nova proposta de financiamento substitui o atual imposto sindical, que corresponde a 3,3% da renda anual de um trabalhador.
A principal reivindicação dos empresários é a tramitação dividida das reformas trabalhista e sindical. Para Dagoberto Godoy Lima, presidente do Conselho de Relações de Trabalho, as duas propostas são uma só: “a reforma sindical é meio para garantir a reforma trabalhista, não podemos discutir o meio sem saber como será o fim”, afirma. Para Lima, a atual legislação trabalhista, baseada na CLT, não dá margem de liberdade para contratos de trabalho, prejudicando a capacidade das empresas de se adaptarem às mudanças do mercado: “Alterar esta realidade é fundamental para garantir a competitividade do Brasil no mundo globalizado”, argumenta.
Trabalhadores divididos
Mas a maior dificuldade para a aprovação da reforma parece estar nas divergências entre as posições dos trabalhadores. A Força Sindical, que junto com a CUT forma o bloco trabalhador de apoio ao projeto do governo, já está divulgando uma proposta de alteração da posição tirada em consenso no FNT acerca da quebra da unicidade sindical. A nova redação altera o inciso II do Artigo 8o da PEC 369/05 instituindo a unicidade na base e preservando a pluralidade para as federações, confederações e centrais: “Estamos defendendo que a lei incorpore a atual situação da organização sindical, garantindo reconhecimento e pluralidade para as centrais, federações e confederações sem abrir mão da unicidade no sindicato de base”, defende João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.
Mesmo dentro da CUT, a reforma está longe do consenso. Mais de 40% da direção da organização já se posicionou contra o projeto. A chamada esquerda cutista, composta pelo campo da esquerda do PT, e a Corrente Sindical Classista, ligada ao PCdoB, se manifestou contrária à proposta do governo. No caso da esquerda cutista, a crítica tem como alvo: 1) a manutenção da unicidade disfarçada nos sindicatos exclusivos; 2) as restrições ao direito de greve; 3) o poder do Estado na outorga das permissões para o funcionamento das entidades sindicais; 4) a exclusão de regulação dos funcionários públicos da proposta; 5) a criação dos sindicatos biônicos; 6) a necessidade de comum acordo entre trabalhadores e empregadores para a resolução de conflitos na justiça.
A Corrente Social Classista (CSC) também se opõe à posição do grupo majoritário da CUT, a Art Sind (Articulação Sindical, grupo da tendência majoritária do PT Articulação Unidade na Luta), mas suas reivindicações diferem um pouco das feitas pela esquerda cutista. A CSC defende a unicidade sindical, argumentando que a presença de vários sindicatos em uma base enfraquece o movimento dos trabalhadores: “A PEC 369/05 procura instituir uma espécie de plurisindicalismo restrito, ferrenhamente controlado por duas ou quem sabe três centrais e baseado no sindicato orgânico derivado, que pode ser criado por uma central e ter sua representatividade conferida por esta, independente da real inserção ba base”, pontua a edição de abril do jornal da corrente.
Esta posição é compartilhada por grande parte das federações e confederações sindicais. Reunidas no Fórum Sindical dos Trabalhadores (FST), elas apóiam como alternativa ao texto do governo federal o Projeto de Lei 4554/05, do deputado Sérgio Miranda (PCdoB/MG). O PL é uma proposta de regulamentação do Artigo 8o da Constituição Federal. Portanto, baseia-se na manutenção de pontos do texto da CF como a unicidade sindical, a proibição do Estado de solicitar autorização para abertura de entidade sindical, a representação por categoria e o imposto sindical. Segundo o autor, o projeto tem uma concepção política de conteúdo liberal e possui objetivo claro de construir uma estrutura sindical verticalizada: “O PL que apresentei parte da idéia de que temos sim problemas que precisam ser resolvidos, como o reconhecimento das centrais, mas isso tem de ser feito mantendo o poder dos sindicatos de base”, comenta Miranda.
Ele explica que, com a proposta, as centrais, além de possuírem poder maior para celebrar os acordos, irão virar verdadeiras empresas, podendo gerir serviços como seguros, planos de saúde e fundos de previdência e pensão. Este possível império das centrais é o ponto central da crítica das federações e confederações, às quais não interessa perder seu poder e a exclusividade de representação. Outra reclamação é que o anteprojeto de Berzoini se constitui como a porta de entrada da reforma trabalhista. Para o FST, esta reforma, a segunda etapa de um único processo, tem como objetivo flexibilizar a CLT, garantindo formas mais “heterodoxas” de contratação de empregados, formalizando a terceirização e outras formas de precarização das relações de trabalho. Tudo sob a defesa da inserção competitiva do Brasil no mundo globalizado.
Pedreira no Congresso
As profundas divergências entre empregados e patrões ecoam no Congresso, mas não são o único fator que determina a posição das bancadas. O governo precisa de três quintos dos votos para aprovar a PEC 369/05, o que significa conquistar o apoio de 308 deputados. Até agora, este número parece bem distante, pois somente a bancada do PT vem defendendo a emenda, e mesmo assim não de forma integral. Pelo menos 20 dos 91 deputados, pertencentes à chamada esquerda do PT, se declaram contra a reforma. Ou seja, se a votação fosse hoje, dos 308 votos necessários, o governo teria somente 71.
Já o movimento contra a reforma sindical vem ganhando força. PMDB (86), PCdoB (9), PPS (17), PSB (16), PDT (14), PV (6) e P-SOL (2) já fecharam posição contrária, totalizando 150 deputados. Na base do governo, PP, PTB e PL, que somam outros 150 deputados, não definiram suas posições mas vários parlamentares dos três partidos vêm se pronunciando contrários ao anteprojeto. São três partidos de forte influência empresarial em sua base e mesmo na bancada. O presidente da CNI, Armando Monteiro, é deputado federal pelo PTB pernambucano.
Os partidos de oposição ao governo também vêm dando declarações contrárias ao anteprojeto. O líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), já deu diversas declarações criticando a proposta. No PSDB, o principal nome tem sido o deputado paulista Walter Barelli, que também engrossa o coro dos descontentes. No entanto, a oposição destes dois partidos, como em outros episódios da câmara, se deve a duas motivações principais: o objetivo de criar desgaste e impor mais uma derrota ao governo e a manutenção da posição do empresariado de que o projeto possui pontos demais avançados para os trabalhadores e não pode tramitar separado da reforma trabalhista.
Já não bastasse toda esta conjuntura adversa, a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, presidida pelo deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), vem chamando a responsabilidade do debate para si, manifestando clara preferência pela proposta alternativa de Sérgio Miranda. Foram realizadas três audiências públicas na comissão de trabalho, onde foram realizados debates calorosos. Apesar da movimentação, a matéria está seguindo o regimento da câmara. Por se tratar de uma PEC, ela está sendo avaliada pela Comissão de Constituição e Justiça, onde é julgada a constitucionalidade da proposta. Aprovada, ela será enviada a uma comissão especial.
Para o deputado Vicentinho (PT-SP), que será o relator da PEC na comissão especial, é muito difícil prever o ritmo da tramitação devido às fortes divergências tanto entre os trabalhadores quanto entre estes e os empresários: “Vamos ouvir todas as posições e tentar chegar a um consenso que explicite da melhor forma os interesses envolvidos”, diz. Pelos posicionamentos colocados até agora neste debate, certamente o parlamentar, ex-presidente da CUT, não terá trabalho fácil.
Fonte: Agência Carta Maior