Às vésperas do 8 de Março, a Rede Feminista de Saúde vem divulgando um “Dossiê Aborto: mortes preveníveis e evitáveis”. O exaustivo documento historia o problema desde o Primeiro Império e traz à luz comparações internacionais. Citando dados parciais, o “Dossiê” indica que as mortes de mulheres em decorrência de abortos vêm diminuindo, mas no último ano levantado, 2002, ainda foram 115.
Segundo o texto, o índice de mortalidade materna por aborto é maior entre as mulheres não-brancas: chega a 11,28 por 100 mil, o dobro do número registrado entre as brancas.
Sobre o caráter incompleto destes números, o texto comenta: “Com relação às mortes maternas, com toda certeza se pode dizer que ainda é grande a sub-notificação, conforme demonstram os cuidadosos trabalhos de investigação de óbitos maternos que vêm sendo realizados por alguns Comitês de Prevenção da Morte Materna, há mais de 10 anos. O Comitê Estadual de Prevenção da Morte Materna do Paraná, que há 15 anos investiga quase 90% dos óbitos das mulheres em idade fértil, ainda encontra cerca de 40% de óbitos maternos não registrados como tal.”
O “Dossiê Aborto” levanta também os custos da criminalização do aborto para o sistema público de saúde. E mostra que estes se elevam a R$ 29,7 milhões por ano. O número contraria um argumento recorrente dos inimigos da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, sobre um suposto aumento dos gastos do sistema de saúde pública no caso da descriminalização.
Em anexo ao “Dossiê”, um artigo da jornalista Carla Rodrigues – intitulado “Aborto, propostas para um consenso”, busca o diálogo, difícil, mas necessário, entre as opiniões opostas que existem na sociedade sobre o tema, a partir da opinião dos ginecologistas Aníbal Faúndes e José Barzelatto. O artigo analisa os argumentos anti-aborto, inclusive os de um de seus mais fervorosos defensores, o presidente George W. Bush. E conclui com “nove pontos que poderiam orientar um diálogo entre todos os envolvidos no debate”:
1) reduzir o número de gravidez não desejada, de forma a reduzir o número de abortos preveníveis;
2) o respeito a posições religiosas diferentes, sem que nenhuma imponha sobre outra a sua fé;
3) aumento da igualdade entre os sexos, como forma de melhorar o controle das mulheres sobre a sua vida sexual;
4) uma política de educação sexual;
5) acesso gratuito a métodos contraceptivos;
6) apoio a mulheres grávidas que queiram levar a gestação adiante;
7) descriminalizar o aborto;
8) acesso a aborto seguro;
9) respeitar as mulheres que tenham decidido fazer um aborto.
Ao apresentar o documento, duas dirigentes da Rede Feminina de Saúde – Fátima Oliveira e Ana Maria da Silva Soares – dizem que ele é “uma contribuição da Rede Feminista de Saúde ao trabalho que será desenvolvido pela Comissão Tripartite sobre o Aborto, com vistas a remover o entulho patriarcal e criminalizador exposto na lei restritiva e punitiva existente”.
E apontam que o debate transcorre hoje “em um momento singular do nosso país: pela primeira vez, em toda a história republicana, um governo afirma que considera a criminalização do aborto uma violação dos direitos humanos das mulheres e toma a atitude de, oficialmente, abrir o debate sobre o assunto e sinaliza que se esforçará para que as brasileiras que decidem interromper uma gestação inesperada e indesejada não adoeçam, não fiquem com seqüelas para o resto de suas vidas e não morram”.