Embora o Fórum Social Mundial só comece amanhã com a tradicional marcha de abertura, às 17 horas, Porto Alegre já respira a atmosfera de discussão e polêmica que caracteriza o evento.
Liberdade de Imprensa deve sair do papel
Ontem (24), os debates tomaram conta do Fórum Mundial de Juízes, uma das tantas atividades paralelas que se realizam sempre na mesma ocasião. Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, afirmou que a liberdade de imprensa é fundamental mas que não basta sua declaração no papel, na lei. É preciso que ela seja exercida, o que normalmente não acontece, pois os meios de comunicação estão a serviço de interesses diferentes dos da maioria. A função da informação, segundo o jornalista francês, não é apenas informar, mas ser instrumento da construção de uma sociedade justa. Perguntado sobre qual o limite do direito de expressão, levando-se em conta que a mídia usa seu poder para formar opinião pública manipulando os fatos, afirmou que este limite é muito tênue. Uma forma de se garantir a igualdade de informação seria a garantia do direito de réplica o que, segundo ele, não existe nos telejornais diários, por exemplo. Segundo Ramonet, precisamos construir alternativas de comunicação. Citou como exemplo a televisão Al-Jahzeera, que se mostra um veículo representante da cultura árabe para o mundo árabe.
A sentença do juiz deve fazer Justiça e não apenas resolver conflitos
Se a discussão sobre comunicação conseguiu tocar em pontos nevrálgicos da democracia, o painel seguinte, sobre Sistemas Judiciais e Direitos Humanos, tocou em questões mais ligadas à Justiça e aos Juízes. Fernando Salinas Molina, Vice-presidente do Conselho Geral do Poder Judicial da Espanha, foi enfático ao afirmar que a democracia precisa de juízes capazes de garantir a liberdade e a igualdade em suas sentenças e que para isto devem, com seu poder, tratar de remover todos os obstáculos que se interpõem entre a sociedade e estes valores fundamentais. Segundo ele, a Justiça é um serviço público e não pode ser entendida de outra forma. Os juízes, segundo Molina, não devem se conformar simplesmente em fazer sentenças que resolvam conflitos. As sentenças dos juízes devem antes de mais nada fazer Justiça. Para isto, o Juiz deve saber ser valente quando necessário, mas nunca autoritário.
O Estado não é o maior violador de DH, a maior violência vem das empresas privadas
Para Boaventura de Souza Santos, um dos maiores sociólogos da atualidade e que também possui formação jurídica, há um equívoco na tese de que a violência contra os direitos humanos parte sempre do Estado. Embora o Estado tenha a sua grande parcela de contribuição negativa, hoje podemos observar que as grandes violações vêm do setor privado. Citou como exemplo a privatização da água, em que uma empresa privada movida por interesses privados que se opõem ao interesse público detém o poder sobre todos os direitos humanos das pessoas de uma região, pois o principal direito humano é o direito à vida e água é vida. Outros grandes violadores de direitos humanos são as companhias petroleiras, as mineradoras e outras que como elas destroem o meio ambiente. Na mesma categoria de violadores de direitos humanos estão grandes multinacionais, que exploram o trabalho escravo em países do terceiro mundo enquanto em seus países de origem posam de defensoras dos DH.
Divida Externa é uma violação de DH
Boaventura alertou também sobre a absurda idéia de que a democracia está engessada, defendida pelos setores ligados ao grande capital. Dizem que a democracia está engessada porque há democracia demais. O maior exemplo, segundo ele, é a proposta de Berlusconi para reforma do judiciário italiano, que proíbe os juízes de fazerem “interpretações criativas do direito”. Tais posicionamentos visam impedir que enxerguemos a Dívida Externa dos países pobres como uma violação de Direitos Humanos, que são. Os valores democráticos vigentes em muitos lugares pouco têm de democracia. Os EUA, por exemplo afirmou o sociólogo, são um exemplo de democracia doente. A maior preocupação dos seus alunos estadunidenses hoje é com o combate à fraude nas eleições norte-americanas, o que até a pouco tempo era uma marca dos países pobres.
Hoje pela manhã iniciou o V Encontro de Trabalhadores Judiciais do Conesul, que vai discutir Reforma do Judiciário e Previdenciária na região, além de propor medidas para a democratização do poder. O Fórum dos Juízes segue hoje com dois outros temas explosivos: Investigações sobre Corrupção e Crime Organizado e direito Ambiental.
Caio Teixeira, de Porto Alegre