Uma das cenas mais fortes do premiado filme de Michael Moore, “Tiros em Columbine”, é a entrevista que o polêmico cineasta norte-americano faz com um roqueiro. O cantor, Marilyn Manson, é um rapaz meio bizarro, de rosto maquiado, amaldiçoado pelos conservadores e muitas vezes acusado de incentivar a barbárie e o suicídio entre os jovens, como se deu na escola americana cujo universo é objeto do documentário de Moore. Nessa entrevista, o cineasta pergunta a Manson o que ele acha que os jovens de Columbine precisam. O cantor, com a tranqüilidade de um zen-budista, responde: “acho que é preciso perguntar a eles o que eles querem”.
A juventude é comumente apresentada pela mídia como se fosse uma categoria ou mesmo uma classe. Nessa apresentação, o jovem aparece perplexo, violento, desinteressado. Esse jovem, assim caracterizado, tem a figura do jovem de classe média. Com esse breve comentário o educador Moacir Gadotti abriu a mesa “A juventude, a educação e a democracia”, realizada no segundo dia do III Fórum Mundial de Educação. O professor, titular da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto Paulo Freire, apontou os problemas envolvidos nessa homogeneização dos jovens com um editorial do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, nas mãos, cujo título é “Violência juvenil”. O problema que emerge dessa caracterização está, sustentou o professor, numa profunda diferença que se estabeleceu entre adultos e jovens, assim como entre adultos e crianças.
Ao não se mostrar a diversidade e a existência, na realidade, de várias “juventudes” incentiva-se, segundo o professor, a lógica dos interesses momentâneos. Isso é facilitado porque a juventude tem um acesso mais facilitado à tecnologia. Se esse acesso é maior e mais rápido do que há poucos anos atrás, ele é também fortemente marcado pelo predominante conteúdo imagético, onde a palavra falta. “O jovem hoje é mais estimulado pela imagem que pela palavra. E o maior problema que enfrentamos é conciliar o sensitivo com a palavra, através da educação”. Para dar conta dessa conciliação, que espelha o afastamento entre adultos e jovens na distância entre professores e alunos, Gadotti recorreu à ciência: “A neurociência já provou que o cérebro funciona de dentro para fora, portanto, não adianta querer passar conteúdos de fora, que não encontram ressonância dentro”.
Escutar, para “ler o mundo” com o jovem
Para ele essa é a grande dificuldade dos educadores e das escolas, hoje. Por isso, observou, “o jovem não vê sentido no que está aprendendo”. Ao passo que se verifica um entusiasmo no início da vida escolar, quando as crianças estão entre os 6, 7 anos, depois observa-se uma decepção com a escola. Depois, disse Gadotti, “eles não querem mais aprender com a gente”. A dificuldade, então, é de sentido. “O jovem tem uma alfabetização do visual antes do da palavra”. Mas, qual a saída, para que a escola deixe de decepcionar e passe a ser interessante para a juventude? Gadotti respondeu: “Sobretudo, escutar. Temos dificuldade de ouvi-los, mas nós temos de ouvi-los. Nós temos, como dizia Paulo Freire, de fazer a ‘leitura do mundo‘ com o jovem”.
A força da escuta do jovem se traduz na compreensão de que a escola é o espaço em que o vínculo de dependência entre adultos e crianças deve ser rompido. Gadotti lembrou a experiência por que passou, recentemente, em São Paulo, com o Orçamento Participativo Criança. Nessa experiência, que considera exitosa, ele observou que “ouvimos as crianças de maneira organizada, participativa. A criança podia falar dela mesma, da sua vida, das suas dificuldades, do que elas queriam para a sua escola, do orçamento da cidade para a sua escola. E então, uma vez ouvidas, elas começaram a gostar das escolas. Porque, se elas podem falar de orçamento, podem estudar as matérias que lhe são ensinadas”. Essa experiência também serve para provar, segundo ele, que alguns preconceitos poderosos, entre os próprios professores, precisam ser superados. (Fonte: Agência Carta Maior)