Lula monta estratégia para ressuscitar Fome Zero

A 50 dias da reunião com vários chefes de Estado, na Organização das Nações Unidas (ONU), para fazer o encruado fundo mundial de combate à fome sair do papel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva corre contra o tempo na tentativa de impulsionar seu principal programa social no terreno doméstico. A idéia é aproveitar a festa de entrega do cartão que vai simbolizar 5 milhões de benefícios pagos pelo Bolsa-Família, em setembro, para ressuscitar o Fome Zero. Se tudo der certo, a cerimônia no Planalto será realizada antes da reunião de Nova York, marcada para o dia 20 daquele mês.

“O presidente Lula vai para a ONU com a moral de dizer que no país dele se faz um esforço efetivo na luta contra a fome”, afirma Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência. No Planalto, porém, ninguém sabe ao certo o que pode ser feito para tirar o Fome Zero do limbo. Em recente reportagem sobre o governo Lula, o jornal francês Le Figaro diz que o mais vistoso programa social petista “não passa de um slogan”.

Escaldados por críticas, ministros atribuem as dificuldades enfrentadas a falhas na comunicação do governo, que não sabe divulgar o que é realmente o Fome Zero. Traduzindo: mais do que um programa, um objetivo a ser perseguido. Outros dizem que o projeto foi mal executado mesmo e acabou diluído no Bolsa-Família, plano que unificou, em outubro, quatro programas de transferência de renda: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás.

“O Fome Zero é um guarda-chuva que abriga ações da sociedade e do governo, mas até agora não soubemos dar o nó nesse pacote”, admite Carvalho, que em junho esteve no Vaticano, onde entregou uma carta de Lula endereçada ao papa João Paulo II, com o convite para a reunião da ONU.

Geléia – No próprio PT, partido do presidente, há fortes cobranças por mais resultados sociais. “Se não mantivermos nossa identidade, vamos fazer parte da geléia geral”, prevê o senador Cristovam Buarque (PT-DF), ex-ministro da Educação. O sinal amarelo que se acendeu na legenda chegou ao Planalto. “O PT também precisa entender que há um estoque de problemas do passado que não se resolve da noite para o dia”, argumenta o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Ele reconhece, no entanto, que é necessário dar “maior visibilidade” para as ações sociais do governo. “Estamos procurando acertar esses gargalos”, diz.

Na terça-feira passada, por exemplo, a secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Ana Fonseca, foi obrigada a explicar para uma platéia de petistas, em Brasília, que o Fome Zero não morreu. No Encontro Nacional de Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária, ela foi taxativa: “O Fome Zero não é só o Cartão Alimentação, gente!.”

Ana destacou que o plano inclui, entre outras ações, assistência à região do semi-árido por meio de cisternas, compra de alimentos de agricultores familiares e de leite dos pequenos produtores, mas ainda é muito mal-compreendido. Em seus argumentos, a socióloga lembrou até o discurso de posse de Lula, em janeiro de 2003, quando ele definiu o Fome Zero como um programa mais amplo de segurança alimentar.

Hoje, no entanto, a confusão é tanta que até a página do governo na internet (planalto.gov.br) tem um link que chama para “Entenda o Fome Zero”, ao lado de uma interrogação. Para o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, o programa teve o grande mérito de pôr o tema da fome na agenda nacional e internacional. “O desempenho social do governo Lula não deve ser julgado apenas pelo valor do salário mínimo de R$ 260, mas pelo conjunto de programas que favorecem a população de baixa renda”, avalia.

Interrogação – Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o Bolsa-Família, carro-chefe do Fome Zero, tem maior incidência sobre a vida das pessoas carentes do que o aumento do salário mínimo. Até julho, havia atendido cerca de 4,5 milhões de famílias em 5.461 municípios, ou 98,2% do País. Atualmente, para receber os benefícios – que variam de R$ 50 a R$ 95 -, os pais devem manter crianças e adolescentes na escola. Mas ainda existem fraudes na distribuição dos recursos.

Em carta endereçada a Ana Fonseca, um motorista desempregado de 42 anos contou que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Antônio, no Rio Grande do Norte, exigia notas fiscais das compras feitas por ele para “liberar” o pagamento do Bolsa-Família. “Como fica nossa situação, dona Ana?”, perguntou. A necessidade da apresentação de notas para comprovar os gastos com alimentos foi mais uma polêmica criada na origem do Fome Zero, que acabou sepultada. Na prática, porém, a dúvida ainda perdura até hoje e é explorada em muitas cidades com interesses políticos. (Fonte: Clipping CUT)