Desde o início de julho a interrupção da gestação quando o feto é portador de anencefalia tem despertado acirrado debate. A liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, tornou tais casos o 3o. permissivo legal para interrupção da gravidez, determinando que serviços de saúde estão obrigados ao cumprimento da liminar, em todo o país, bastando apenas o diagnóstico de imagem de anencefalia.
Os outros dois casos, permitidos e não criminalizados desde 1940, são: gestação resultante de estupro e quando a gestante corre risco de vida. Só meio século depois foi instalado na cidade de São Paulo o primeiro Serviço Público de Aborto Previsto em Lei, na administração da prefeita Luiza Erundina. Antes disso, apenas na Unicamp (Campinas, SP), sob a responsabilidade do dr. Aníbal Faúndes, as mulheres encontravam solidariedade para o aborto quando engravidavam pós-estupro. Há mais de uma década gestantes que não desejavam levar adiante uma gravidez na condição de “caixão ambulante” de fetos anencéfalos recorriam a juizes e ao Ministério Público, que em geral autorizavam a interrupção. A liminar encerra tão injusta peregrinação.
Mesmo com três permissivos legais para interromper a gestação, o Brasil está entre os países que possuem as leis mais restritivas sobre o tema (25% da população mundial). Inexplicável, pois somos um Estado laico! Hoje, ¾ da população mundial vive sob a legalidade do aborto (55 países). Só Chile, El Salvador, República Dominicana e Honduras proíbem o aborto em qualquer circunstância. Todos os tratados, convenções e conferências do Sistema Nações Unidas não proíbem o aborto e instam os países membros a atenderem com dignidade os casos de abortamentos inseguros.
O Brasil moralmente não pode seguir cultuando uma cultura de crueldade para com as mulheres que precisam abortar que, à falta da legalidade, recorrem à práticas inseguras e chegando às maternidades são olhadas como criminosas e punidas com curetagens sem anestesia e uma queixa na polícia e até prisão. É dever do Estado brasileiro apoiar as mulheres em suas decisões reprodutivas e cabe às “entidades de classe” da categoria médica desenvolver esforços para ampliar a consciência e o respeito pelos direitos das mulheres e exigir conduta ética e deferência à alteridade na atenção. Em respeito à democracia participativa, o governo Lula deve acolher a diretriz aprovada na Conferência Nacional de Políticas para Mulheres: descriminalizar e legalizar o aborto.(Fonte: Por Fátima Oliveira, do Diário Vermelho)