À primeira vista, é esquisitice pura. Às vezes, é de morrer de rir. Noutras, de dar susto. E sempre, de matar de vergonha quem, no meio de uma conversa, na fila do banco, ou na escola, acaba se tornando o centro das atenções por não controlar um comportamento estranho, permeado de tremiliques, grunhidos, estalidos com a língua, arremedos ou movimentos bruscos, chamados distúrbios de movimento ou, como são popularmente conhecidos, tiques nervosos.
Pouca gente sabe, mas, mais do que meras manias extravagantes, os tiques são a expressão mais perceptível de uma doença neurológica ainda incurável e pouco conhecida, chamada Síndrome de Gilles de la Tourette, ou Síndrome dos Tiques. Um distúrbio de origem genética que não compromete a capacidade de raciocínio do portador, tampouco as habilidades físicas dele, mas que é fatal para a auto-estima.
Estatísticas sobre o tema são variáveis. A estimativa é de que entre 1% e 3% da população de todo o mundo sofram de Tourette. A maioria, entretanto, não tem idéia de portar a patologia. Primeiro, porque não sabe que os distúrbios são sintomas de uma doença específica. Depois, porque, como a síndrome tem expressão muito variável, boa parte dos portadores não apresenta as formas mais severas de tique e, logo, não busca tratamento.
Segundo o neurologista Nasser Allan, especialista em distúrbios do movimento, em uma família de três irmãos que herdaram a doença, por exemplo, um pode apresentar tiques motores – como movimentos bruscos de encolher os ombros, fazer caretas ou repuxar a cabeça -, o outro, tiques vocais – fungar, repetir palavras, grunhir ou fazer estalidos com a língua – e o terceiro, não apresentar mais do que uma ligeira tendência depressiva e nenhum tique ou, pior, apresentar todos os distúrbios juntos.
– Não tem fórmula. É muito variada a manifestação da doença. E nem toda mania é sintoma da síndrome. Geralmente, os distúrbios aparecem na idade escolar. Se, em um ano, não desaparecerem, devem ser analisados por um neurologista. Se sumirem, são os tiques normais, que tanta gente tem quando criança e que não são motivo de preocupação. Eu mesmo tenho a síndrome – explica.
Foi na residência médica que Nasser Allan descobriu ser portador de Tourette. Quando criança, apresentava tiques clássicos, como piscar muito rápido e com força os olhos. Emitia também involuntariamente alguns sons estranhos com a boca. Mas, como costuma acontecer na maioria dos casos, passada a puberdade, parte dos tiques do neurologista sumiu. Só restou um, de rotacionar o pescoço vez ou outra.
– O que me restou foi um um tique simples. Mas nem sempre, na fase adulta, o paciente perde os distúrbios como aconteceu comigo. Tenho um caso crônico de uma garota de pouco mais de 20 anos que, a todo tempo, arremessa a cabeça para trás com toda força, além de sofrer de palilaria (repete as últimas palavras de todas as frases que ouve). É um choque para quem convive – comenta o médico.
Os tiques são impulsos muito violentos e que só a muito custo podem ser suprimidos. Geralmente, o portador de Tourette tem controle sobre os distúrbios por minutos, horas até, mas, nos casos mais severos, depois de escondê-los, sofrem acessos de tiques, com seqüências de reações involuntárias que foram adiadas durante o período. As, crianças, especialmente, costumam sofrer muito por causa dos distúrbios.
– O jovem é marginalizado na escola e, às vezes, até na própria família. O professor não tem conhecimento do problema e os pais, por vezes, ficam decepcionados com o comportamento dos filhos. O jovem é levado ao psicólogo, ao pediatra, e não resolve. O tratamento existe e pode melhorar demais a vida paciente – afirma o neurologista. (Fonte: Sindsaúde)