Por Marcela Cornelli
Sociedades científicas do mundo inteiro estão realizando campanha contra a clonagem de seres humanos. Veja a seguir o texto completo das 63 sociedades científicas de todo o mundo, entre elas a Academia Brasileira de Ciências (ABC), que recomenda à ONU o banimento da clonagem reprodutiva de seres humanos, intitulado “Clonagem humana”:
“As academias de ciências de todo o mundo estão coesas no apoio ao banimento global da clonagem reprodutiva de seres humanos, apelando para que sejam excluídos deste banimento os casos de clonagem para a obtenção de células-tronco embrionárias, destinadas a atividades terapêuticas e de pesquisa.
Clonagem reprodutiva
A clonagem é presentemente objeto de intenso debate internacional. Alguns países já baniram a clonagem reprodutiva de seres humanos. Conclamamos a todos os países a introduzirem e apoiarem regulamentações adequadas, a fim de assegurar que a clonagem reprodutiva seja submetida a um banimento universal.
A clonagem humana reprodutiva pela transferência de núcleo de células somáticas levanta diversos aspectos –éticos, sociais, econômicos e científicos. É por conta das pesquisas científicas que a perspectiva da clonagem humana reprodutiva se tornou tema de políticas públicas. Os cientistas, por isso, têm uma responsabilidade especial no debate público relacionado ao assunto.
Pesquisas científicas em clonagem reprodutiva, desenvolvidas com outros mamíferos, demonstram que nessa ocorre uma incidência, marcadamente maior que a normal, de desordens fetais e óbito durante a gravidez, bem como de malformação e morte entre os recém-nascidos. Não há motivo para se supor que o resultado seria diferente em experiências com seres humanos. Haveria, então, uma séria ameaça à saúde do indivíduo clonado, não somente no nascimento, mas potencialmente em todos os estágios de sua vida –sem qualquer benefício compensatório evidente para o indivíduo que arcasse com esse risco. Adicionalmente, a morte de um feto num estágio avançado da gravidez poderia representar séria ameaça à mulher que o carrega. Assim sendo, mesmo numa base puramente científica, seria bastante irresponsável para qualquer pessoa tentar fazer clonagem humana reprodutiva, dado o presente estágio do conhecimento científico.
Não está além da fronteira das possibilidades que o conhecimento científico possa avançar a um ponto no qual a clonagem reprodutiva pela transferência de núcleo da célula somática possa vir a ser executada sem um risco excessivo. No entanto, tal situação, por si só, não constituiria razão para justificar a suspensão do banimento desta prática, que continuaria a enfrentar fortes objeções éticas, sociais e econômicas.
Deste modo, conclamamos todos os países do mundo a banir a clonagem reprodutiva de seres humanos.
Clonagem voltada para fins terapêuticos e de pesquisa
Como na clonagem reprodutiva, na clonagem voltada para fins terapêuticos e de pesquisa também se desenvolve um blastocisto humano através da transferência de núcleo de uma célula somática. No entanto, a diferença crucial reside no fato de que o blastocisto clonado jamais é implantado no útero. As células isoladas do blastocisto são usadas para gerar linhagens de células-tronco, que serão utilizadas em pesquisas e aplicações clínicas.
Pesquisas utilizando tais técnicas de transferência de núcleo podem ser importantes para o desenvolvimento de nossos conhecimentos básicos sobre, por exemplo, como o núcleo celular pode ser reprogramado para acionar o conjunto de genes que caracterizam uma determinada célula especializada, ou para nossa compreensão sobre a base genética de doenças que afligem o homem, ou ainda para ampliar nosso entendimento sobre como reprogramar genes humanos defeituosos. Um objetivo de longo prazo seria o de aprender como reprogramar células somáticas, transformando-as em células-tronco e, assim, propiciar um meio para a obtenção de células-tronco, geneticamente compatíveis com o paciente, sem a necessidade do uso de óvulos e embriões. Isso é, evidentemente, somente justificável no caso em que as pesquisas desenvolvidas com animais não sejam suficientes para apresentar alternativas viáveis, justificando, neste caso, o uso de óvulos humanos.
Técnicas de transferência de núcleo também oferecem perspectivas para aplicação terapêutica em pacientes necessitando de transplante de células, tecidos ou órgãos, ao produzirem células-tronco embrionárias que sejam geneticamente compatíveis com o doador, contornando, assim, o problema da rejeição. No entanto, afora os desafios científicos, existem problemas relacionados aos custos de tratamentos individualizados e de obtenção de um estoque de óvulos humanos não fertilizados. No presente, como a clonagem é um processo ineficiente, é provável que muitos óvulos sejam necessários para desenvolver-se uma única linhagem de células-tronco embrionárias. Continua por ser definido se a clonagem para fins terapêuticos será viável clinicamente. Nesse sentido, pesquisas dedicadas a estratégias adicionais de superação da rejeição imunológica devem ser fortemente estimuladas, sendo que tais pesquisas podem demandar o uso de células-tronco embrionárias humanas derivadas de embriões humanos jovens.
Assim sendo, a clonagem para fins terapêuticos e de pesquisa possui um potencial considerável dentro de uma perspectiva científica, devendo ser excluída do banimento da clonagem reprodutiva. Ambas as políticas devem ser periodicamente revistas, à luz do desenvolvimento científico e social.”
Fonte: Folha On Line