Por Marcela Cornelli
Aprovada em dezembro do ano passado na reforma da Previdência, a contribuição de 11% sobre as aposentadorias e pensões dos servidores públicos começa a ser cobrada a partir de hoje sob forte críticas. Os descontos serão computados na próxima folha de pagamento. Os aposentados da União vão contribuir com 11% sobre o valor que exceder a R$ 1.400,00. Já para os aposentados dos estados, a contribuição será cobrada de benefícios que ultrapassarem R$ 1.200,00. Para os pensionistas, o limite da isenção é de R$ 2.400,00.
No Supremo Tribunal Federal (STF) tramitam oito Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adi). Uma delas, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e encaminhada pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, no dia 23 de abril, seria julgada hoje, o que não aconteceu por falta de quorum.
O presidente da Conamp, João de Deus Duarte, confia que o STF dará voto favorável à Adi proposta pela associação. “Estamos na expectativa, angustiados porque hoje já começa efetivamente o desconto na folha dos aposentados. É uma situação constrangedora, muito angustiante, e nós esperamos e confiamos que o Supremo Tribunal Federal decida o quanto antes para acabar esse tormento do servidor público brasileiro aposentado”.
O jurista Dalmo Dallari critica a cobrança dos aposentados afirmando que “o famoso déficit da previdência é uma fantasia”. Para ele, o governo deveria buscar uma solução para o suposto déficit financeiro nas inúmeras empresas que sonegam a previdência.
A posição da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) é contrária à decisão do governo. Para João Lima, presidente da Cobap, se o governo começasse agora com a proposta de contribuição para os futuros funcionários públicos não haveria problema. “O problema é para quem já está aposentado e tem direito adquirido”. Ele lembra que a luta contra a contribuição dos aposentados já vem desde o governo Collor.
Na opinião de Hélio Bernardes, vice-presidente do Movimento dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas (Mosap), essa é a décima primeira tentativa do governo de implantar a cobrança sobre os inativos. “Justamente o novo governo da esperança traz o terror para aposentados e pensionistas”, afirma. Bernardes avalia que, como o judiciário tem se mostrado contra a matéria, é provável que a contribuição seja considerada inconstitucional.
O Mosap, segundo Bernardes, defende três pontos básicos: a paridade entre ativos e inativos; a não cobrança previdenciária dos aposentados e pensionistas e a integralidade da remuneração. “A Emenda Constitucional 41 fere dois princípios da nossa bandeira de luta, ou seja, o fim da integralidade para as pensões e também a cobrança previdenciária dos aposentados”.
A advogada aposentada Edina de Melo Horta também compartilha da opinião de que a questão deve ser julgada favorável aos servidores por entender que a matéria é inconstitucional. “Esse já é um direito adquirido ao longo do tempo”, afirmou. “No caso dos aposentados e pensionistas a situação é consolidada e o governo não vai ter como dar uma nova aposentadoria, o que frustra a perspectiva de um benefício a curto, médio ou longo prazo”.
Depois de trabalhar por mais de 40 anos no serviço público, o advogado aposentado Sálvio Medeiros Costa também está inconformado com o descaso do governo Lula para com os inativos. “Tenho 73 anos e, até hoje, não tinha visto nada parecido”, desabafa. Segundo ele, o impacto da decisão é muito grande. “É uma violência por parte do governo que insiste em cobrar e nós insistimos na defesa dos nossos direitos”.
Costa acredita que a decisão final do STF será pela inconstitucionalidade da cobrança, mas tem dúvidas sobre a transparência do processo. “Afinal, o Supremo Tribunal Federal é um órgão político e as pressões para uma maior arrecadação por parte do governo são fortes demais”.
Entre os que se aposentaram “por insegurança com relação ao futuro e as mudanças no jogo propostas pela reforma da Previdência” está a professora de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Maria Francisca Pinheiro. Como socióloga, ela diz que a questão é complicada. “Eu mesma nunca pensei em me aposentar, mas, questões como a paridade, proposta pela nova lei, trouxeram muitas dúvidas e eu optei pela aposentadoria”. Ela lembra que houve uma corrida e a universidade perdeu muitos professores no melhor momento da carreira. Ela explica que a forma como foi feita a reforma da Previdência deixou as pessoas inseguras.
Sobre o futuro da cobrança dos aposenatdos, Maria Francisca pondera que “será muito difícil o governo ganhar pelo elevado número de recursos que chegarão à justiça”. Ela opina que a grande questão passa pelo fato de o governo não oferece outro benefício ao final dessa nova contribuição de quem já pagou ao longo de uma vida. “Nós não temos culpa se as contas do governo que não batem”, rebate.
Fonte: Agência Brasil